Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Recursos para atender vítimas da Covid devem vir da tributação dos super-ricos

É preciso ousar e apostar em novas fontes de arrecadação, mais adequadas do ponto de vista ético, ambiental e econômico

Sul 21 |
Intervenção da Associação de Vítimas e Familiares da Covid-19 (Avico) - Divulgação

A campanha Tributar os Super-Ricos entrou neste mês para a terceira e importante fase: o protocolo dos projetos na Câmara Federal. Além dessa boa notícia, a novidade é que foram agregadas duas medidas fundamentais para este momento. A primeira estabelece a vinculação de parte dos recursos arrecadados a políticas públicas para atender as vítimas da Covid-19. A segunda propõe a criação de uma contribuição sobre agrotóxicos, destinando verbas à saúde em contrapartida ao adoecimento pelo uso de venenos na agricultura.

É preciso ousar e apostar em novas fontes de arrecadação, mais adequadas do ponto de vista ético, ambiental e econômico, promovendo justiça fiscal e redução das desigualdades. 

A campanha se fortalece com a parceria da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 – Vida e Justiça, e o mandato do Deputado Pedro Uczai (PT/SC), que buscou parlamentares para a causa e protocolou os projetos.  Mais de 60 deputados, de quatro partidos, já declararam apoio aos projetos e as adesões vêm crescendo pela necessidade de superar as severas consequências sanitárias, sociais e econômicas aprofundadas na pandemia. 

Ainda falta colocar em tramitação duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), em fase de coleta de assinaturas de parlamentares, para a implementação total das propostas. A campanha teve sua primeira fase iniciada em abril de 2020 com a redação dos projetos, foi reforçada na segunda fase, com o apoio de mais de 70 organizações nacionais. 

Esse conjunto de propostas engloba alterações no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas, elevação das alíquotas da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre setores altamente lucrativos, como o financeiro e o extrativo mineral, instituição de uma Contribuição sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR) e novas regras de repartição com Estados e Municípios. A esse conjunto se agrega, a partir desta fase, a instituição de uma Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico, Cide-Agrotóxicos.

A Associação Vida e Justiça se dedica a apoiar as vítimas da Covid-19, frente às sequelas da doença e também aos 130 mil órfãos até o momento.  O movimento tem seccionais na maioria dos estados e está diagnosticando as consequências da doença. 

Sintomas comuns como cansaço excessivo, fraqueza, dor muscular, tosse ou perda do olfato e paladar podem permanecer por mais de 12 semanas após a infecção. No entanto, há sequelas como complicações vasculares, fibrose pulmonar, insuficiência renal aguda, ansiedade, depressão, insônia, inflamação no cérebro, problemas gastrointestinais e dermatológicos que poderão estar presentes durante muito tempo ainda.

Esta aglutinação de forças entre as mais de 70 entidades da campanha Tributar os Super-Ricos e o movimento Vida e Justiça tem a participação ativa de integrantes do Conselho Nacional de Saúde, do Consórcio Nordeste, da Associação Brasileira de Municípios e outras entidades municipalistas, movimentos sociais organizados na Frente Brasil Popular e bancadas do Congresso Nacional. 

Compreendendo a gravidade das consequências da pandemia, seja do ponto de vista econômico e social, ou sanitário, o consenso é a importância de destinar parte dos recursos arrecadados aos fundos vinculados à saúde.

Outro fator determinante nessa junção de forças é a demanda por um sistema tributário mais justo, moldado por novos alinhamentos. As propostas de reforma e alterações tributárias até agora têm aliviado setores de altas rendas e não reduzem as desigualdades sociais, de renda, de classe, de raça e de gênero.

A recente aprovação na Câmara do projeto PL 2337/2021, de autoria do governo federal, altera regras do Imposto de Renda e tende a reduzir a participação deste imposto na arrecadação, gerando perda de R$ 30 bilhões no primeiro ano e R$ 50 bilhões no segundo, esvaziando a capacidade do Estado e dos estados e municípios de enfrentar os efeitos da crise e precisa ser revisto no Senado.  

Ao contrário do que se poderia pensar, a sua recente tramitação no parlamento cria um ambiente favorável para taxar os super-ricos e setores mais lucrativos. Depois de 25 anos de isenção, o retorno da tributação de lucros e dividendos e a extinção do benefício dos juros sobre capital próprio estão na pauta. Por outro lado, a tabela do IRPF foi alterada depois de congelada por 6 anos, ou seja, são medidas que afirmam a necessidade de tributar as altas rendas para desonerar os setores de menor renda. 

Deve ainda facilitar o engajamento dos Estados e Municípios na campanha Tributar os Super-Ricos,  porque esta amplia a repartição dos recursos da União em R$ 84 milhões para Estados e R$ 53 milhões para municípios, ao contrário do projeto recentemente aprovado, que reduz a arrecadação destes entes federados. 

Para enfrentar a desigualdade, principal problema brasileiro, é preciso fazer redistribuição: a maioria da população ganha muito pouco e necessita de serviços públicos e esses serviços devem ser financiados com recursos de quem ganha mais e pode pagar mais. Essa é a grande questão no Brasil.  

Podemos enfrentar a desigualdade com políticas de gasto público como bolsa família, por exemplo, mas são iniciativas insuficientes em tempos de Covid-19, fator que gerou uma crise sanitária e econômica sem precedentes, aumentando o número de pessoas passando fome e em sérias dificuldades. De outro lado, aumentou o número de bilionários, de 45 para 65 em 2021, ampliando a restrita lista dos muito privilegiados e subtributados. Justamente em um país que estipulou um teto de gastos para saúde e educação absurdo, impôs a reforma trabalhista e previdenciária e está em vias de aprovar a reforma administrativa, que precariza ainda mais a vida dos mais pobres.

Esse quadro seria indescritivelmente pior se não houvesse o SUS, sistema público e universal para enfrentar essa estratégia genocida de deixar contaminar as pessoas, retardar a vacina e ser o país que pior enfrentou a pandemia em todo o mundo. Por isso precisamos cobrar de quem pode mais e redistribuir, como aplicado após a Segunda Guerra na maioria dos países que hoje são desenvolvidos e menos desiguais.

Os princípios constitucionais orientam esse movimento nacional necessário para sairmos da posição de um dos países mais desiguais do mundo, onde o 1% mais rico detêm 50% de toda a riqueza nacional.  Tributar os Super-Ricos não é uma revolução, é cumprir a Constituição de 1988. 

* Presidenta do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Sul 21