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Coluna

Despejo é crime. Na pandemia, hediondo

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Como em todo o país, a capital pernambucana vem sendo palco contante de ocupações urbanas por famílias que sofrem os efeitos econômicos da pandemia - MTST
Não dá pra dizer que prefeitura e governo têm sido aliados do direito à moradia

A Comunidade da Linha, também conhecida como “Santa Francisca” ou “Paz e Amor” fica ali pertinho do aeroporto, na beirinha de uma rota ferroviária que praticamente não se usa. As primeiras pessoas chegaram há mais de 30 anos, se estabeleceram, construíram suas casas, criaram suas famílias. Suam para garantir a sobrevivência nesse período de pandemia e crise econômica. E como se isso não bastasse, sofrem com a ameaça de um despejo criminoso, a partir de diversas ações na justiça encabeçadas pela Transnordestina S.A. Diversas vezes provocadas, as gestões do PSB na Prefeitura do Recife e no Governo do Estado têm deixado muito a desejar. Nem encaminham possíveis soluções habitacionais, nem se colocam firmemente no processo judicial ou em negociação com o governo federal a favor da comunidade.

A Linha não é a única comunidade do Recife ameaçada de despejo no período mais difícil da idade contemporânea. Na Zona Norte, 58 famílias que habitam na Vila Esperança/Cabocó há décadas têm a mesma preocupação numa área que poderá ser desobstruída para possibilitar a obra da Ponte do Monteiro, com o pagamento de indenizações baixíssimas. Não custa lembrar que a comunidade é Zona Especial de Interesse Social (ZEIS).

Na Zona Sul, Portelinha, também ZEIS, parte de Entra a Pulso, também enfrenta decisão judicial equivocada e também tem buscado interlocução por parte da prefeitura. Em Mangueira da Torre e na Comunidade das Flores, mais duas comunidades que fazem fronteira com bairros de classe média, situação semelhante e semelhante à dificuldade de implicar o poder público. 

Nem todo caso é igual. Cada um tem suas especificidades, suas nuances. Em alguns territórios, o poder executivo tem mais possibilidades de atuar. Em outros, menos. Em todos, porém, há o que ser feito e não é se escondendo do problema que iremos superá-lo. Mas a verdade é que, pelo que se observa nos últimos anos, inclusive pelos atropelos e manobras realizadas durante a discussão e aprovação do novo Plano Diretor, não dá pra dizer que prefeitura e governo têm sido aliados do direito à moradia. Muito pelo contrário.

Esta semana, a prefeitura do Recife aprovou na Câmara (sem os votos do PSOL e do PT) uma lei que torna ainda mais fácil o despejo na cidade. Cria um benefício sem parâmetros de cálculo que, por um lado, agiliza um possível pagamento por benfeitorias em terrenos demandados para construção de obras públicas. Por outro, porém, facilita os despejos e tem lacunas perigosíssimas, inconstitucionalidades graves que jamais poderiam existir. Entre outras coisas, o projeto não garante que o valor de mercado do imóvel será observado e ainda por cima impõe uma cláusula que equivocadamente proíbe pessoas afetadas de buscar seus direitos na justiça caso não se sintam contempladas com os valores pagos pela prefeitura.

Se no âmbito municipal, nos parece que está difícil contar com a turma do PSB, no governo estadual a situação não é diferente. Em agosto, as Juntas Codeputadas conseguiram, com muita luta, aprovar uma lei na Assembleia Legislativa que interrompa processo de despejo enquanto durar o período de calamidade devido à pandemia da Covid-19. A dificuldade de se aprovar a iniciativa numa casa tão conservadora foi sucedida pela inércia de um governador que não compreende a importância de seu posicionamento. Quase dois meses depois da aprovação em plenário, Paulo Câmara segue inerte. Nem sanciona, como deveria, respeitando o poder legislativo e atendendo a população mais vulnerável. Nem veta, pra não arcar com o custo político de uma decisão tão criminosamente impopular.

A resposta vem do movimento popular. Recentemente, o MTST inaugurou mais uma ocupação. Na Zona Sul, cerca de 200 famílias hoje habitam um terreno antes abandonado e que hoje se chama “8 de Março”. No Centro do Recife, dois prédios sem uso agora também se tornaram habitação. Em Santo Antônio, um dos bairros em que há mais edifícios abandonados na cidade, o Movimento Luta e Resistência pelo Teto criou a ocupação “Léo Cisneiros”. No Recife Antigo, a recém lançada Frente de Luta Pela Moradia no Centro criou a ocupação “Custódio Pereira” que pede não apenas moradia, mas luta pela manutenção do patrimônio de uma das empresas públicas mais importantes do Brasil.

A nós, resta seguir lutando. Seguir levantando a voz das pessoas que legitimamente cobram o direito de morar numa cidade em que mais de 71 mil famílias não têm um teto digno para viver.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga