Minas Gerais

CULTIVANDO ÁGUA

Projeto constrói cisternas de água da chuva em comunidades de Minas Gerais

Moradores ajudarão na obra e serão beneficiados com cisternas de 16 mil ou 52 mil litros de água

Belo Horizonte (MG) |
Projeto ainda vai construir mais cinco cisternas - Pedro Antuña

A tecnologia típica do Nordeste e do semiárido brasileiro vai ajudar os mineiros a passarem pelas dificuldades relacionadas à água. O Projeto Manuelzão iniciou, na segunda semana de setembro, a construção coletiva de cisternas para captar a água da chuva. O objetivo é que sete comunidades aprendam a técnica e desenvolvam maior autonomia no uso deste recurso.

Cisterna de captação da chuva é um resgate da história de valorização da água

A cisterna é, basicamente, uma grande caixa feita de concreto (areia, cimento e água) e capta a água da chuva que cai nos telhados. A água passa pela calha, pelos canos, por um decantador e dois filtros, até chegar à cisterna. Lá, pode ficar armazenada até um ano para ser usada nos momentos de escassez hídrica.

Técnica da cisterna de placa

O projeto organizado pelo Manuelzão começou com a construção no Centro Comunitário Ribeiro de Abreu (Comupra), em Belo Horizonte. A cisterna tem capacidade para 16 mil litros de água e foi feita de forma coletiva em seis dias. A obra foi coordenada pelo cisterneiro Cleyton Amorim Borges, de Varzelândia, Norte de Minas Gerais.

A técnica de construção usada no Comupra foi desenvolvida por diversos cisterneiros do país, que se encontram anualmente. Cleyton já possui as formas para produção das placas de concreto, que depois de secas se encaixam perfeitamente, precisando apenas ser assentadas com massa de concreto.

Técnica de construção foi desenvolvida por diversos cisterneiros do país

“Eu já participei de umas 10 capacitações. Hoje nós podemos dizer que a técnica de construção está quase 100%. No início, tinha muitos problemas, mas fomos melhorando. Hoje, já dominamos todo o sistema de construção e de material”, diz o cisterneiro.

Tanto comunidades quanto residências têm construído cisternas, se aproveitando também de captação de água de pátios, que em momentos de seca se tornam espaços para secagem de safras. Os tamanhos das cisternas podem ser variados – mais altas, mais baixas, mais largas ou menos largas - adaptando-se ao espaço disponível.

Comunidade Vitória constrói uma cisterna

O jovem Valdeir Severino da Silva, conhecido como Menor, vai experimentar essa adaptação na Comunidade Vitória, localizada na Granja Werneck, Belo Horizonte. Ele participou da oficina para aprender a técnica de construção e reproduzir na sua comunidade, onde os moradores passam por falta de água desde a ocupação do terreno.


Construção de uma cisterna de captação da chuva é um resgate da história de valorização da água. / Pedro Antuña

“Tenho certeza que tem pessoas que desde quando começou a morar lá nunca chegou água na casa delas, a não ser que vá nos vizinhos. Por encanação, não”, diz o jovem.

Valdeir começou a reproduzir o que aprendeu desde 18 de setembro, quando iniciou a construção da cisterna na Comunidade Vitória. A construção vai ficar na horta comunitária.

Essa será a segunda cisterna do projeto, que ainda vai construir mais cinco cisternas em comunidades do município de Lassance, no norte de Minas Gerais: no Quilombo Tira Barro e nas comunidades Boqueirão, Brejo, Santa Maria e Morada.

A vida em volta da água

Sentado ao lado de uma antiga cisterna do Comupra – que está sediado em um local cedido pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) – Itamar de Paula Santos conta como os antigos tratavam as suas cisternas: “era o local mais cuidado do terreno, onde as crianças se reuniam, as mulheres plantavam seus chás, as pessoas se encontravam pra conversar”.

Por isso, a construção de uma cisterna de captação da chuva é um resgate da história de valorização da água.

“A nossa vida era mais legal, mais tranquila, cheia de descobertas, nadava nos rios, era mais honesta, depois começou a virar uma porcaria. A gente percebe que teve um ponto de rompimento. Eu vivo louco atrás desse ponto, pra voltar pra lá”, reflete Itamar.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

O Comupra pretende usar a água da nova cisterna para montar um sistema de irrigação por gotejamento das suas árvores frutíferas. São 25 mil metros de área com pés de jabuticaba, goiaba, manga, ameixa, acerola, abacate, amora, horta e dois viveiros de peixes.

No local há também uma antiga cisterna, uma espécie de poço com 10 metros de profundidade. O plano é reativá-la e usá-la também para o plantio. O uso consciente da água tem tudo a ver com o Comupra, que se movimenta pela recuperação e preservação do Córrego do Onça, com provocações famosas na capital mineira, como: “Deixa o Onça Beber Água Limpa”.

A filosofia de Itamar, e dos que participaram das oficinas, está por toda parte. Mas há uma frase que parece especial, escrita em uma madeira no telhado que protege a antiga cisterna: “A extinção e a desextinção estão diretamente ligadas à água! (e ao amor)”.

Programa um milhão de cisternas


Iniciativa foi um passo fundamental para que o Brasil deixasse, em 2014, o Mapa da Fome / Pedro Antuña

A iniciativa do Projeto Manuelzão remete a uma experiência nacional iniciada em 2003. Modelo para outros países e fundamental no combate aos efeitos da seca, o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) enfrenta uma escassez nada natural: a de recursos. Desde 2003, a iniciativa da Articulação do Semiárido (ASA), promoveu a construção de 1,3 milhão de estruturas para a captação de água da chuva em todo Brasil, o que abastece a residência de cerca de cinco milhões de pessoas. Foi um passo fundamental para que o Brasil deixasse, em 2014, o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Edição: Elis Almeida