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Coluna

Setembro: mês de lutas anticapacitistas

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"Em meio a sufocante invisibilidade histórica, o movimento das PCD's tem se pautado em uma plataforma de luta" - AFP
O nosso trabalho deve se fundir e emergir como aliados das pessoas com deficiência

Audiodescrição da imagem: Em fotografia colorida centralizada à esquerda está a polícia uniformizada em alinhamento, com escudos e proteção da face. Centralizado à direita, frente a frente com a polícia, concentram-se militantes com deficiência física confrontando- a em forma de protesto. Ao fundo, aparecem jornalistas aglomerados, com câmeras fotográficas nas mãos. Fim da descrição.

O mês de setembro contém em si diversas datas significativas no campo de luta das pessoas com deficiência e das pessoas surdas, trazendo uma multiplicidade de cores que apontam para uma mesma tela: Nada sobre nós, sem nós.

A cor verde representa o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, que acontece na data de 21 de setembro e de forma proposital, junto com a comemoração do dia da árvore, significa a ideia de renascimento e esperança.

Seguindo a pintura desse quadro, temos o setembro azul, que chama atenção para a visibilidade da comunidade surda, incluindo o Dia Internacional da Língua de Sinais, o Dia Nacional dos Surdos, o Dia Internacional do Surdo, o Dia da tradução e do tradutor intérprete.

Em meio a sufocante invisibilidade histórica, o movimento das PCD's tem se pautado em uma plataforma de luta, a qual combate a ideia clinicalizante de que todas as forças daqueles cuja deficiência é vivenciada deveriam ser destinadas à terapia e à reabilitação, afirmada por uma condução caritativa e assistencialista, a qual leva ao entendimento dessa existência uma espécie de tragédia pessoal, no lugar de um problema político que enfoca as particularidades do todo.

Por isso, o que não aparece nos discursos – mesmo nos campos progressistas – é que a etiologia de várias deficiências está relacionada à má nutrição, à extrema pobreza, à falta de água encanada e potável, à inexistência de saneamento básico, à falta de acesso a medicamentos e ao atendimento médico adequado, ao aumento da criminalidade e das guerras urbanas e, sobretudo, à violência de gênero.

O que também não se fala por aí é sobre a necessidade de vincular essa discussão a uma forma de economia que reafirma o não pertencimento dessas pessoas na ampla maioria dos espaços sociais e privados, desde o momento que elas nascem.

No final das contas, o que as cores de luta desse mês urgentemente estão querendo nos dizer – conforme discurso da União Nacional de Deficientes Físicos (Unadef) realizado em 1976 - é que “as pessoas com deficiência já sabem muito bem o que é se sentir pobre, isolado, separado, discriminado, marginalizado e oprimido, melhor do que qualquer especialista, ou pessoa sem deficiência poderia julgar. Vivemos na carne essa experiência todos os santos dias de nossa existência [...] Como União que somos [...] não estamos minimamente interessados em discussões sobre como é terrível ser desativado. O que interessa neste momento é projetarmos formas para alterar nossa condição de vida e assim superar as barreiras impostas sobre nossa desorganização anátomo-fisiológica por uma sociedade que está altamente organizada para nos excluir. Em nossa opinião é somente o prejuízo real que temos que superar”.

Por isso, na tentativa de somar este manifesto, é necessário que nós, pessoas sem deficiência, não sigamos tratando o capacitismo à parte de uma agenda pública. É preciso colocar a discussão no campo do desenvolvimento econômico, portanto, integrá-las a um contexto e uma agenda mais ampliada. Precisamos construir com essas pessoas espaços culturais e econômicos que combatam a desigualdade, que é um dos fatores que dá forma aos mais diversos enfrentamentos e barreiras que ocultam a existência das pessoas com deficiência diariamente.

Esse movimento deveria ser um dos motes de todas as lutas anticapitalistas que desejam subverter a ordem e não um lugar de negligência, o qual não é mencionado. Precisamos juntos encontrar um espaço de mudança e significar as cores desse quadro a partir de sua gênese, visto que para compreender a dominação precisamos entender que a nossa capacidade de sermos dominados e dominadores é um ponto de conexão, uma convergência.

Quando as pessoas sem deficiência compreenderem que o trabalho de acabar com a dominação instituída pelas lutas anticapitalistas é enraizado no desejo de fazer um mundo onde todos possam viver de forma completa e livre, então entenderemos que, para além de uma visão hierárquica de inclusão, o nosso trabalho deve se fundir e emergir como aliados das pessoas com deficiência (e não para, ou sobre), expandindo, portanto, a nossa consciência crítica, fortalecendo o nosso comprometimento e intensificando nossa coragem.

Que o grito dos que pintam o mês de setembro faça sentido nas várias ilustrações de luta e que possamos juntos caminharmos no mesmo lado da trincheira.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga