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33 anos de Constituição: o retorno ao passado talvez seja nossa única chance de futuro

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A Constituição Federal completou 33 anos de história nesta terça (05) - Agência Brasil
A Constituição representa uma bandeira política que deve ser defendida e referenciada

Em cinco de outubro de 2021 a Constituição Federal completa 33 anos de história. Foi promulgada na mesma data, no ano de 1988, três anos depois do fim da Ditadura Militar no Brasil. Hoje em dia, em constante ataque em decorrência do fascismo bolsonarista e do neoliberalismo de Paulo Guedes, a Constituição representa uma bandeira política que deve ser defendida e referenciada por todas e todos que lutem por um país igualitário, livre, sem miséria e pobreza.

Hoje em dia, a Constituição brasileira é reconhecida como uma referência no mundo inteiro, com a preocupação de combater todas as formas de discriminação e garantir os direitos sociais e políticos, individuais e coletivos. O texto constitucional foi escrito pela Assembleia Nacional Constituinte, composta por 599 parlamentares, com participação popular por meio de emendas populares enviadas à Assembleia por diferentes grupos sociais, instituições civis e outras corporações. Obviamente, a força econômica de alguns grupos somada à representatividade no Congresso Nacional, permitiu a visibilidade maior dos interesses de certas instituições privadas, mas nem isso conseguiu impedir a organização popular e a pressão por parte de minorias políticas.

Exemplo disso foi a participação das mulheres durante a Assembleia Constituinte. Desde 1985 o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher havia lançado a campanha Mulher e Constituinte, com a intenção de percorrer o Brasil, ouvir as mulheres e ampliar os canais de comunicação entre movimentos sociais e os mecanismos de decisão políticas. Foram três anos de longos estudos, escutas e sistematização de dados para, em 1986, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher se reunir em um Encontro Nacional e enviar para a Assembleia Constituinte o documento denominado de “Carta das Mulheres”. Na carta, exigia-se a participação das mulheres no debate e na construção do texto constitucional, afirmando-se que “constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”. Além disso, o documento sistematizou uma série de reivindicações sobre os direitos das mulheres sobre temas como família, saúde, educação, violência, cultura etc.

Na Carta das Mulheres, exigia-se que fosse considerado crime de estupro qualquer ato ou relação sexual forçada, independentemente da relação do agressor com a vítima e exigia que estupro e atentado violento ao pudor tivessem o mesmo tratamento legal. Embora a exigência fosse de 1986, apenas em 2009, com a promulgação da Lei de nº 12.015, que estupro e atentado violento ao pudor passaram a ser regidos pelo mesmo artigo, sendo atribuída a mesma quantidade de pena. 

Foi no ano de 1987, durante as discussões da Assembleia Constituinte, que diferentes etnias indígenas foram ao Congresso Nacional fazer, também, suas exigências. O movimento dos povos originários, na época representado por Ailton Krenak, se manifestaram no plenário do próprio Congresso, denunciando as violências culturais e físicas ocasionadas pelo poder econômico, que surrupiava suas terras e perpetuava o genocídio indígena, em curso até hoje no Brasil. Mais de 30 anos depois, o Supremo Tribunal Federal debate a tese do marco temporal, que cria, à revelia da Constituição, um novo critério para a demarcação das terras indígenas: a necessidade de que na época da promulgação da Constituição, os indígenas estivessem em sua terra, como condição para reivindicar a demarcação da área.

De acordo com Walter Benjamin, um dos maiores filósofos do mundo, o passado não é um dado imutável e o futuro não é inflexível. Walter Benjamin defendeu que para se construir um futuro, é necessário a reconstrução do passado, compreendendo-se que a forma como enxergamos o passado nada mais é do que a versão hegemônica da história, que aniquilou personagens e lutas populares.

Hoje em dia no Brasil, há, de forma majoritária, o entendimento de que a Constituição Federal possui um texto muito permissivo, de muitos direitos e que impede o avanço econômico. Esses direitos, contudo, não foram dados, entregues de mão beijada pelos parlamentares constituintes, mas sim foram conquistados através da luta e da organização do povo brasileiro. Além disso, o próprio texto constitucional protege a livre iniciativa como princípio fundante da ordem econômica brasileira.

O problema é que, a versão da história que venceu foi a de que a Assembleia Constituinte foi organizada pela benevolência dos senhores/senhoras que atuavam em nome de grandes conglomerados financeiros. Venceu a versão de que a ditadura militar no Brasil foi amena e terminou através da racionalização dos prós e contras pelos próprios ditadores e àqueles que os financiavam. Mas há mais na história do que a versão capaz de promover lobby para seus próprios interesses.

O Brasil, através de movimentos populares democráticos, sempre lutou contra a ordem ditatorial. Foram diversos grupos formados e que se organizavam com a intenção de livrar o Brasil da ditadura e promover a liberdade e o avanço político e social no Brasil. Houve resistência e essa resistência, quando encontrada, era duramente reprimida e assassinada pelas mãos de militares que até hoje nunca tiveram nenhuma responsabilização, seja penal, seja cível, dos seus atos desumanos e terroristas. Foram diversos indígenas assassinados, pelas mãos do próprio Estado ou dos garimpeiros e fazendeiros que, com permissão do governo ditador, expulsavam os indígenas das suas terras através da morte, da fome e do terror.

Talvez seja a hora de jogar luz sobre esse período no Brasil. De forma institucional, que os ditadores encontrem nos tribunais brasileiros a justiça. É necessário passar a limpo a história que até hoje não é contada, que é esquecida, reduzida a casos pontuais de resistência e luta. Dar voz aos movimentos populares que construíram a Assembleia Constituinte e sobreviveram ao longo dos mais de 20 anos de Ditadura Militar no Brasil. Talvez retornar ao passado seja a única forma de construirmos um futuro para o nosso país. Um futuro no qual cada brasileira e cada brasileiro irá saber dos horrores do fascismo e de como seus poucos direitos constitucionais foram conquistados através de sangue e suor dos lutadores do povo.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga