Pernambuco

ORÇAMENTO

Vereadores discutem prioridades do Recife para os próximos anos e renda básica está no radar

Ao longo de novembro serão estudadas e debatidas as emendas à LOA e ao PPA, que definem verbas para áreas prioritárias

Brasil de Fato | Recife (PE) |
No fim de 2020 o IBGE confirmou que o Recife é a cidade com maior desigualdade entre as capitais brasileiras - Inês Campelo/MZ Conteúdo

Todas as políticas públicas desenvolvidas por uma prefeitura, assim como os recursos destinados para postos de saúde, escolas e obras de infraestrutura, tudo precisa estar previsto nas leis orçamentárias da cidade. A mais abrangente delas é o Plano Plurianual (PPA), que define as prioridades para um período de quatro anos; em seguida a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que detalha as prioridades para o período de um ano; e finalmente a Lei Orçamentária Anual (LOA), que detalha receitas e despesas para o ano seguinte.

Ao longo de novembro a Câmara de vereadores do Recife vai debater o PPA 2022-2025 e a LOA 2022, com perspectivas reais de criação de um programa de renda básica para a população mais pobre da capital pernambucana. A ideia é criar um programa de transferência de renda permanente, a exemplo do Bolsa Família, mas que seja custeado pelos cofres do município.

A LDO, aprovada ainda no mês de junho, recebeu apenas uma subemenda (de número 176), produzida em conjunto pela Frente Parlamentar da Renda Básica. Assim, o artigo 3º da LDO, que trata das prioridades para 2022, no seu item IX (assistência social), passou a incluir nas metas “promover ação de transferência de renda para a população mais vulnerável social e economicamente do município”.

Agora é preciso assegurar na LOA recurso financeiro para viabilizar o programa e garantir um mínimo de longevidade da renda básica através do PPA. O vereador Rinaldo Junior (PSB), vice-líder do governo na Câmara, lembra que “o Recife fez transferência de renda este ano custeada pelo tesouro próprio, como o Auxílio-Recife, o AME Carnaval, o AME Recife, o AME São João. Mas a renda básica não existe”.

Ele diz ter expectativa de que a proposta se torne uma política municipal, não só da gestão de momento. “Na LDO colocamos como diretriz do município a criação dessa renda e agora temos que colocá-la na LOA e no PPA. Não existe prioridade sem orçamento”, completa Rinaldo.


Com crescimento da fome no país, pauta da renda básica voltou a ganhar destaque / Foto: Leonardo de França

Na avaliação da vereadora Dani Portela (PSOL), da bancada de oposição à atual gestão, a renda básica é fundamental no enfrentamento à miséria, fome e também ao racismo. “Estamos tentando desde a LDO garantir um programa que não seja uma renda emergencial – como foi o AME Recife –, mas um programa permanente”, diz ela. “A pandemia agravou as desigualdades, mas o Recife já era a capital mais desigual do Brasil antes da pandemia”, completa.

Dani Portela destaca que há uma pressão da sociedade civil pelo programa. “Após a sanção [da LOA e PPA] pelo prefeito, temos que sentar com o Poder Executivo, com a Secretaria de Finanças, e ver a possibilidade de implementar essa renda básica”, diz ela. A meta é alcançar cerca de 30 mil famílias inscritas no CadÚnico, cadastro federal para acessar programas de assistência. Caso seja feito, o programa atenderá aproximadamente 7% das famílias da capital pernambucana.

Rinaldo Junior se mostra otimista na criação do programa ainda em 2022, mas evita falar de valores a serem pagos. “Não dá para cravar o valor hoje. Mas nós da frente parlamentar entendemos que e o programa tem que começar, dar o pontapé inicial, depois ir aumentando o valor, como foi com o maior programa de renda básica do Brasil, que é o da Prefeitura de Maricá (RJ)”, diz ele, que assim como Portela foram ao município fluminense conhecer a experiência. “Primeiro é garantir uma rubrica”, pontua.

Vice-líder do governo, ele reafirma a confiança de que o prefeito João Campos (PSB) tem compromisso com a pauta. “Como deputado federal (2019-20) ele foi o parlamentar que criou a Frente Nacional da Renda Básica, então ele sabe do assunto e da necessidade. O prefeito vem discutindo com sua equipe uma forma de fazer”, afirma.

Os dois parlamentares integram a “Frente Parlamentar da Renda Básica do Recife”, grupo formado em março e composto também pelos vereadores Cida Pedrosa (PCdoB), Hélio Guabiraba (PSB), Eriberto Rafael (PP), Renato Antunes (PSC) e Ana Lúcia (Rep).

Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022

A Prefeitura do Recife tinha até o fim de setembro para apresentar os projetos do PPA e da LOA, tendo feito isso no último dia possível: em 30 de setembro foram protocolados os Projetos de Lei do Executivo (PLE) número 34/2021 e 35/2021, que tratam respectivamente do PPA e da LOA. Em 22 de outubro os documentos foram brevemente apresentados aos vereadores pelo secretário de Planejamento do Recife, Felipe Matos.


Dani Portela considera que programa de execução do orçamento não inova e não reduz desigualdades, mas garantir a renda básica poderia melhorar isso / Comunicação PSOL

Os vereadores tiveram menos de um mês, até 27 de outubro, para estudar as centenas de páginas dos documentos e preparar emendas (supostamente tendo ouvido a população). Dani Portela (PSOL) considera o prazo curto para estes que são, segundo ela, dois dos projetos mais importantes que passam pela casa legislativa. “Isso poderia ter sido feito com mais antecedência, mas recebemos no final do prazo. Fica um tempo muito curto para a gente analisar peças enormes”, reclama.

Rinaldo Junior (PSB), discorda da crítica. “Foi tempo suficiente. O regimento da Câmara permite que se receba a LOA até o último dia de setembro. Inclusive este ano tivemos um recorde de emendas”, argumenta. Os vereadores apresentaram 179 emendas à LOA e 765 emendas ao PPA, somando 944 emendas, o que foi comemorado pela Câmara como um recorde.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê para 2022 uma arrecadação de R$ 6 bilhões 597 milhões, dos quais 33,7% são arrecadados por impostos e taxas. Do total, R$ 5 bilhões 261,8 milhões são recursos do tesouro direto, enquanto R$ 1 bilhão 335,2 milhões chegam de outras fontes.


Tabela de despesas da LOA, por áreas e respectivos orçamentos / Captura de tela/ reprodução de documento

Na previsão das despesas, 27% do recurso vai para a educação (por lei o mínimo é de 25%); 21% vai para a saúde (mínimo legal é de 15%); e 51% do recurso será gasto com pagamento de pessoal, juros, encargos e amortizações de dívidas, além de investimentos e outras despesas. Dentro dos investimentos, a maior parte (53%) vai para infraestrutura urbana, como contenção de barreiras, pavimentação de ruas e construção de canais; 15% vai para saneamento, 7% para habitação, 6% será dividido entre saúde e educação e outros 19% serão destinados a outras áreas.

Rinaldo Junior (PSB) destacou a experiência da LDO, repetida na LOA e PPA, da apresentação de emendas parlamentares conjuntas, por membros de frentes parlamentares. “Na minha opinião foi uma importante inovação do parlamento este ano”, diz o vice-líder do governo. Dani Portela (PSOL), que é presidenta da Comissão de Igualdade Racial e integra a Comissão da Renda Básica, também valorizou essas iniciativas, mas reforça que buscou ouvir “sujeitos prioritários” para o seu mandato – que são mulheres e pessoas negras – na construção de suas emendas.

Em seu primeiro ano como vereadora, ela lembra o volume de emendas à LDO e a mudança de estratégia para essas duas outras leis orçamentárias. “Houve uma corrida muito grande para apresentar emendas à LDO, mas muitas não foram aprovadas na Comissão de Legislação e Justiça. Então fizemos um esforço de propor emendas mais enxutas e que fossem realmente viáveis. Tivemos muito primor com a forma”, diz ela.


Rinaldo Junior se diz estar otimista no início do programa ainda em 2022 e reafirma confiança no prefeito. / Câmara do Recife

Agora cada uma das 944 emendas precisa passar por no mínimo duas comissões: a de Orçamento e a de Constituição e Justiça, processo que deve durar todo o mês de novembro, na avaliação do vice-líder do governo. “Vamos fazer a análise com calma, com tempo. Temos até o fim desta legislatura, em 20 de dezembro, aprovamos esses projetos. Então é analisar uma a uma, já que a LOA é a lei mais importante do ano”, diz Rinaldo.

Plano Plurianual (PPA) 2022-2025

Segundo a Prefeitura do Recife, o PPA tomou por base o plano de governo da candidatura do prefeito João Campos em 2020, o Plano Diretor do Recife, o Plano Recife 500 anos (com vistas em 2037, feito pela Agência Recife de Inovação – ARIES, da Prefeitura) e a Agenda 2030 de objetivos da ONU.

A Prefeitura também diz ter aproveitado o resultado de 12 mil entrevistas realizadas no primeiro semestre deste ano, no que chamou de PPA Participativo e que definiu como prioridades as áreas de saúde, infraestrutura urbana e mobilidade, segurança, meio ambiente/sustentabilidade/proteção animal.

Apesar de ser oposição, Dani Portela fez elogios ao projeto, destacando “o foco na redução das desigualdades socioeconômicas, tendo em vista que Recife é a capital mais desigual do país. São desigualdades de classe, gênero e raça. Isso aponta para um caminho, que acreditamos ser importante, necessário e urgente”, diz Dani. Ela também elogiou as bases do PPA. “A fundamentação é justa e ampla, incorpora muitas discussões com a sociedade civil e acordos internacionais importantes, como os Objetivos do Milênio. Então é uma peça que não está desconectada com o que está sendo discutido na sociedade civil”, afirma.

O PPA está dividido em quatro eixos: viver bem (engloba educação, segurança, saúde e desenvolvimento social); viver as oportunidades (meio ambiente e desenvolvimento econômico), viver a cidade (desenvolvimento urbano, cultura e bem-estar) e gestão integrada e digital (voltada para a gestão da prefeitura, governança, servidores, transformação digital e participação cidadã). O projeto foi enviado aos vereadores em duas partes: prioridades das políticas públicas e o detalhamento da programação.

Dani também critica o que chamou de “problemas estruturais”. “Há um grande descompasso entre a fundamentação do processo e a programação executária. Apesar do escopo e da justiça social da fundamentação, a programação orçamentária repete em muitos aspectos os planos dos governos anteriores do PSB”, diz ela. A teoria melhorou muito, mas na prática, as prioridades de destinação de verbas, é mais do mesmo. “Na fundamentação do plano há o combate ao racismo e a outras formas de preconceito. Mas se a gente quer reduzir desigualdades, esses temas não podem ser só fundamento, eles precisam vir na programação orçamentária”, diz ela.

Ela menciona uma emenda ao texto-base do Projeto de Lei que cria o PPA, incluindo o Poder Legislativo (vereadores) na revisão anual a ser feita no PPA. E ataca o uso de termos genéricos para descrever futuras ações governamentais.

“Achei chocante o emprego da expressão evasiva ‘outras medidas’. No documento inteiro do PPA esse termo aparece 276 vezes. E várias ações, ao descrever as atividades, têm como única atividade o ‘outras medidas’”, diz ela, que considera esta sua maior crítica aos planos orçamentários. “Aprovar um PPA desse modo seria assinar um grande cheque em branco, um absurdo”, critica, pontuando que muitas de suas emendas foram no sentido de propor que atividades seriam essas.

Edição: Vanessa Gonzaga