Pernambuco

Coluna

Direito à Justiça gratuita e a as tentativas de dificultar o acesso à Justiça do Trabalho

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"Decisão do STF teve o papel de ser uma reparação histórica e social da verdade em relação à Justiça do Trabalho e o seu papel" - Divulgação
Somente no ano de 2018 houve uma queda de 34,2% no número de ações trabalhistas

Em julgamento histórico no último dia 20 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF), pelo placar de 6 a 4, declarou a inconstitucionalidade do artigo 790-B, caput e parágrafo 4º, e do artigo 791-A da CLT, incluídos pela Reforma Trabalhista, que previam o pagamento de custas processuais, honorários advocatícios e perícias pelos trabalhadores que perdessem ações judiciais na Justiça do Trabalho mesmo tendo o benefício da gratuidade da justiça. 

Em resumo, o STF entendeu que essas normas se caracterizavam como impedimentos abusivos do acesso à justiça aos mais pobres para buscarem a reparação de direitos sociais e trabalhistas. Isso por que restringem o direito fundamental de acesso à Justiça e o direito fundamental de assistência judiciária gratuita, ambos previstos no artigo 5º da Constituição Federal. 

Esse julgamento aconteceu na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.766, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os mencionados dispositivos da Reforma Trabalhista de 2017. Neles havia, inclusive, a permissão de uso de créditos trabalhistas (valores ganhos em uma ação) devidos ao trabalhador beneficiário da gratuidade de justiça, em outro processo, para o pagamento de honorários de sucumbência, ou seja, pagamento do advogado da empresa processada. À época, os defensores da reforma alegavam que tais medidas tinham a função de desestimular as chamadas "ações temerárias", ou seja, aquelas cujas chances de êxito são pequenas, ou mesmo o grande volume de processos na Justiça do Trabalho e a intensa judicialização das relações de trabalho. 

No ano posterior ao início da vigência da Reforma Trabalhista, foi diagnosticada uma redução significativa no ajuizamento de reclamações trabalhistas: somente no ano de 2018 houve uma queda de 34,2% no número de ações trabalhistas, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior do Trabalho. O principal fator de obstáculo criado no acesso à justiça daqueles que realmente precisavam da tutela do judiciário trabalhista era o medo de ter de arcar com valores que estão além de sua condição financeira, principalmente em relação aos desempregados logo após a perda do trabalho.

Acontece que, em grande medida, a alta litigiosidade das relações de trabalho e o consequente elevado volume de processos na Justiça do Trabalho decorrem da prática costumeira do empresariado brasileiro de não respeitar os direitos trabalhistas de seus empregados. Logo, o desestímulo para que os trabalhadores lutem no judiciário por seus direitos atendeu, em verdade, ao proveito exclusivo de interesses econômicos de grandes empregadores, responsáveis pela litigância em massa no Judiciário.

O principal fundamento da decisão do STF nesse caso foi o de que a lei estipulava condições inconstitucionais para a gratuidade da Justiça, ao partir da presunção absoluta de que um trabalhador, ao vencer determinado processo, já se tornou autossuficiente. Além disso, o texto constitucional não permite a imposição de obstáculos ao acesso à justiça com o objetivo de diminuir o número de processos trabalhistas ou os gastos com o Judiciário, principalmente ao se criar uma verdadeira barreira econômica.

As normas incluídas na CLT pela Reforma Trabalhista, desse modo, apresentavam-se como obstáculos à efetiva aplicação da regra constitucional que determina que o Estado preste assistência judicial, integral e gratuita às pessoas que comprovem insuficiência de recursos, garantindo a efetivação do seu acesso à Justiça (artigo 5º, incisos XXXV e LXXIV, CF). 

Por isso é que a decisão do STF aqui em comento teve o papel de ser uma reparação histórica e social da verdade em relação à Justiça do Trabalho e o seu papel. Caracterizou-se também um restabelecimento das vias de tutela dos direitos sociais dos trabalhadores a fim de possibilitar a sua defesa contra o poder econômico e os empregadores que tornam parte de seu negócio e do modo de auferir lucros desrespeitar a legislação trabalhista.  

 

Edição: Vanessa Gonzaga