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Pra ninguém se trumbicar: o desafio da comunicação em Pernambuco

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"Dos quase R$ 50 milhões que a Prefeitura do Recife gastou em 2020 com publicidade, 25% foi apenas para uma empresa de televisão – a Rede Globo" - EBC
O grande desafio é enfrentar os conglomerados de mídia

Não é de hoje que se fala da importância do direito à comunicação, inclusive como elemento essencial para a garantia dos demais direitos. “Quem não chora, não mama” é ditado popular e “quem não se comunica se trumbica”, na voz do velho Chacrinha, são expressões que, mais do que nunca, continuam valendo em tempos de multiplicação de vozes. Se, há alguns poucos anos, o principal desafio para a garantia do direito era a necessária reforma nas regras de concessões de emissoras de rádio e televisão, a complexidade trazida pelo ambiente digital – embora não tenha superado a urgência por leis que regulamentam os artigos constitucionais sobre comunicação – trouxe para a mesa mais complexidade e ainda mais tarefas para o poder público em todas as suas esferas. Em Pernambuco não é diferente.

Afinal de contas, hoje não há quem negue a importância de se construir um espaço público em que as ideias possam circular livremente, em que não haja censura, em que as pessoas tenham acesso à informação de qualidade para que possam tomar decisões racionais sobre suas próprias vidas. Ao mesmo tempo, a capacidade de utilizar as tecnologias de informação tem sido imprescindível para a conquista de direitos e serviços públicos que vão desde a iluminação de uma via até a possibilidade de se ampliar a rede de atenção básica na saúde.

Se o velho “follow de Money” continua valendo, é importante a gente dar uma olhada no Mídia Dados de 2021. O estudo publicado pelo Grupo de Mídia de São Paulo, o mais detalhado sobre audiência de mídia do Brasil, mostra que mais da metade de todos os investimentos publicitários no Brasil ainda estão em televisão. Nos últimos meses, durante as fases mais agudas da pandemia, tanto TV quanto rádio tiveram aumento de audiência e, consequentemente, influenciaram inclusive as narrativas que ocupam espaço nas mídias digitais. Para se ter uma ideia, dos quase R$ 50 milhões que a Prefeitura do Recife gastou em 2020 com publicidade, 25% foi apenas para uma empresa de televisão – a Rede Globo. 

Por mais que os veículos se multipliquem, o jornalismo local – fundamental para a compreensão das questões pertinentes a cada território, capenga. A concentração de conteúdos em grandes empresas em poucos veículos de alcance nacional, além da redução dos veículos impressos são algumas causas que geram os chamados ‘desertos de notícias’. Nada menos que 18% da população brasileira, que vive em 62% dos municípios, simplesmente não tem acesso a jornalismo local – no Nordeste, o percentual passa de 73%, como indica a última edição do Atlas da Notícia (atlas.jor.br)

Mesmo sem chegar ainda na amplitude da radiodifusão (presente em mais de 90% dos lares em praticamente todo o território nacional), a Internet é a mídia (ou ‘são as mídias?’) que mais cresce(m). Hoje, de acordo com dados oficiais, mais de 80% dos lares contam com banda larga móvel e mais de 70% podem dizer que têm Internet fixa em casa. Menos de 60%, porém, contam com as duas formas de conexão. Os números, porém, mudam consideravelmente quando se aplicam recortes de classe, raça, território ou geração, ratificando disparidades que precisam ser enfrentadas com políticas sérias.

Ainda que as mudanças demandadas há décadas não se consolidem na esfera nacional (com a regulamentação dos artigos do Capítulo V da Constituição Federal, por exemplo), não se pode mais abdicar de políticas públicas locais necessárias para fazer com que todo mundo possa se comunicar e compreender melhor os desafios do mundo em que vivemos.

Pernambuco jamais teve programas que tivessem como objetivo garantir o direito à comunicação. Iniciativas de universalização da banda larga, de educação pra a mídia, de fomento a veículos populares e independentes, por exemplo, quando existem, são isoladas e subfinanciadas. A muito custo e com muita luta da sociedade, a Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC) foi criada em 2011 com o principal objetivo de gerir a TV Pernambuco e outras emissoras. A iniciativa foi um importante marco na luta por este direito no nosso estado, mas ainda carece de mais investimento, autonomia e participação. Dinheiro não será o maior problema. Com um governo que já chegou a gastar quase 100 milhões de reais com propaganda (em 2020, durante a crise da Covid19, foram ‘apenas’ 50 milhões), o grande desafio é enfrentar os conglomerados de mídia e possibilitar que múltiplas vozes e versões possam circular livremente. Como em tantas outras áreas, é preciso ousadia e coragem.


Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga