Paraíba

JUSTIÇA

Nesta quinta-feira (25), é dia de reforçar a luta da não violência contra as mulheres

Caso de feminicídio na Paraíba é julgado e sentenciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |

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Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San Jose, na Costa Rica. - (Divulgação/CIDH)

Hoje, 25 de novembro, é o Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra as Mulheres. A data foi instituída em 1999 pela Organização das Nações Unidas (ONU), ela fortalece a importância de denunciar e debater as formas de violência, seja física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial. Nesse contexto, o Brasil estava sendo julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo feminicídio, que ocorreu na Paraíba, em 1998, de Márcia Barbosa de Souza, uma jovem mulher negra e pobre, de 20 anos. Nesta quarta-feira (24), o resultado saiu reconhecendo o caráter estrutural e sistemático da violência de gênero no país, além de enfatizar a diferença entre o número de assassinatos de mulheres negras e mulheres brancas. Esse é o primeiro caso de feminicídio contra o Brasil. 

Márcia Barbosa de Souza, moradora de Cajazeiras/PB, veio para João Pessoa/PB, em 13 de junho de 1998. Em 17 de junho, saiu para encontrar o então deputado estadual Aércio Pereira (PFL, atual DEM), que conhecia desde novembro de 1997. No dia seguinte, em 18 de junho, Márcia foi achada morta com sinais de espancamento e asfixia, em um terreno baldio do bairro pessoense Altiplano Cabo Branco. Investigações chegaram ao autor do crime, Aércio Pereira. Entretanto, ele não foi julgado na época, por possuir imunidade parlamentar. O processo penal, então, só foi iniciado em março de 2003, quando Aércio perdeu a reeleição. Em 2007, nove anos após o assassinato de Márcia, Aércio foi condenado a 16 anos de prisão por homicídio e ocultação de cadáver, mas faleceu no ano seguinte, sem nunca ter começado a cumprir a pena. Além do crime de feminicídio, segundo a sentença, o Brasil foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por “violação de direitos de garantias judiciais: igualdade perante a lei e proteção judicial em relação às obrigações de respeitar e garantir direitos sem discriminação e o dever de adotar disposições de direito interno e com a obrigação de agir na devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher".  A Corte ainda explicou que “sob nenhuma circunstância a imunidade parlamentar pode ser transformada em um mecanismo de impunidade”. 
 


Aércio Pereira no julgamento, em 2007. / Foto: Francisco França.
 

“Como o caso de Márcia, a Paraíba teve vários outros crimes bárbaros ocorridos pela simples condição de ser mulher e não ter segurança. A desnaturação da violência contra a mulher e busca pela justiça é um dos lemas do movimento de mulheres”, declara Joana Darc da Silva, do Cunhã Coletivo Feminista e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).  De acordo com o Atlas da Violência 2021, com dados de 2019, na Paraíba, 83% das mulheres vítimas de homicídios eram negras e 17% eram não negras. Em 2020, no que concerne ao feminicídio, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado este ano, ocorreram no país 3.913 homicídios de mulheres, destes 1.350 foram registrados pelas polícias civis estaduais como feminicídio, totalizando 34,5% dos assassinatos. 

Outro caso de violência contra a mulher no estado da Paraíba é o crime que ficou conhecido como Barbárie de Queimadas, em que cinco mulheres foram estupradas e duas delas, Michele Domingos da Silva, 29 anos, e Isabela Jussara Frazão Monteiro, 27 anos, foram executadas a tiros. O estupro coletivo aconteceu no dia 12 de fevereiro de 2012, no município de Queimadas/PB. O mentor dos estupros, Eduardo dos Santos Pereira, condenado a 108 anos de prisão, está foragido há um ano, o que gera impunidade para os crimes cometidos por ele. 

O feminicídio, Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, é um qualificador do crime de homicídio. Ele acontece, segundo a lei, “contra a mulher em razão da condição de sexo feminino”, o que inclui: 1) violência doméstica e familiar; 2) menosprezo ou discriminação contra a mulher. “É importante que em briga de marido e mulher a gente meta colher, é importante que o fato de você ser mulher não permita que alguém te destrate. A gente segue juntas para garantir um Estado sem violências, um Estado que permita o direito à uma vida segura, para além da questão física, por exemplo, a questão patrimonial, ter um bom trabalho, acesso à escola”, salienta Joana Darc. 

Junto ao feminicídio, existe o crime de estupro, uma das violências que ocorreu na Barbárie de Queimadas. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou, em 2020, 60.926 registros de violência sexual no país, o que correspondeu a 16.047 estupros e 44.879 estupros de vulnerável. O estado da Paraíba, conforme a pesquisa, apresentou uma taxa de 3,5 estupros e estupros de vulneráveis a cada 100 mil habitantes.  O índice é o menor em comparação as demais federações. No entanto, o estudo alerta que os números da Paraíba “parecem muito baixos, deixando dúvidas sobre sua confiabilidade (registro de apenas 140 casos no último ano [2020])”, ou seja, pode haver subnotificação dos dados.

Rede de proteção

Em João Pessoa, existe a rede proteção à mulher vítima de violência doméstica. O Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra (CRMEB) é um serviço que existe desde setembro de 2007, ligado à Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres (SEPPM/JP). O espaço tem a função de acolher as mulheres e orientá-las, tendo em vista a violência sexual, familiar e doméstica. O centro tem uma equipe formada por advogadas, terapeutas holísticas, assistente social e psicóloga. A mulher pode procurar o CRME ou ser encaminhada pela rede de proteção às mulheres.  O serviço funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h, na Rua Afonso Campos, nº 111, no Centro/JP. O CRMEB atende, mensalmente, de 15 a 30 mulheres.

Liliane de Oliveira, coordenadora do CRMEB, diz que o centro “não é lugar de denúncia, mas sim de fortalecimento, atendimento e encaminhamento. Caso a mulher deseje fazer a denúncia do seu agressor, terá sempre uma advogada que vai acompanhá-la à Delegacia da Mulher. Se a mulher for vítima de violência sexual, terá uma técnica que vai estar junto na ida até um hospital de referência como o Instituto Cândida Vargas ou a Maternidade Frei Damião. Aqui é um lugar seguro, sigiloso, não divulgamos nenhuma informação sobre a mulher que acompanhamos. [...] e nenhuma mulher que atendemos foi vítima de feminicídio”. 

Neste Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra as Mulheres, é imprescindível relembrar os casos como o de Márcia Barbosa e da Barbárie de Queimadas, ambos na Paraíba. É importante também falar dos casos não midiatizados, os números demonstram que eles acontecem diariamente. 
 

Edição: Heloisa de Sousa