Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

"Nós somos alternativa de governo", diz Dirceu sobre Lula na eleição de 2022

Enfrentamento ao bolsonarismo e reconstrução do país foram temas abordados por José Dirceu em visita ao RS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
José Dirceu participou de entrevista coletiva realizada no Armazém do Campo de Porto Alegre - Foto: Jorge Leão

José Dirceu é uma figura histórica nas lutas democráticas brasileiras desde a ditadura militar, nos anos 1960, quando foi preso e exilado, passando a viver no México. De volta ao país, após um período vivendo na clandestinidade, anistiado, voltou a se envolver na militância política e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).

Um dos articuladores da campanha que levou Lula à Presidência em 2002, se tornou ministro chefe da Casa Civil. Foi preso outras quatro vezes desde 2013, por supostos crimes envolvendo o Mensalão e a operação Lava Jato.

Em visita a Porto Alegre no final de novembro, aproveitou sua passagem para conversar com a imprensa do campo democrático e popular gaúcha. O encontro realizado no Armazém do Campo, reuniu Brasil de Fato, Rede Soberania, Extra Classe, TVT, Rede Estação Democracia e Sul 21.


Encontro de Zé Dirceu com comunicadores da imprensa independente do RS / Foto: Jorge Leão

Em debate esteve principalmente a candidatura de Lula à Presidência em 2022. Dirceu falou dos desafios de enfrentar o bolsonarismo e das ideias para a reconstrução do país, após os desmontes que iniciaram com o golpe de 2016 e agravaram-se com a eleição de Bolsonaro e com a pandemia da covid-19.

Confira, a seguir, trechos da entrevista:

Lula em 2022

Nós somos alternativa de governo, e isso ficou claro em 2018 quando Haddad fez 32 milhões de votos e foi pro segundo turno. Já no primeiro turno os três candidatos, vamos dizer assim, de oposição, o Boulos, o Ciro e Haddad, fizeram 47 milhões. Como em 1989, o Brizola, o Lula e o Collor. Ou seja, no Brasil há um voto popular, social e democrático, amplo, que é alternativa de governo. Somos a alternativa de governo e somos capazes de fazer alianças com os nossos partidos PSB, PSOL, PCdoB, e também de ampliar o nosso palanque do Nordeste. O Lula virá pro segundo turno só com o voto do Nordeste.

Tenho certeza que temos grandes chances de vencer essa eleição, mas a eleição será em outubro, daqui 10 meses. Então para vencer é preciso criar as condições, com palanques fortes. Principalmente nós precisamos eleger uma bancada de apoio, precisamos convencer os eleitores do Lula a votar nos candidatos a deputado, senador, governador. E aproveitar a pré-campanha e a campanha para mobilizar, organizar a luta popular, os atos fora Bolsonaro, mas particularmente criar um movimento popular Lula presidente.

Relações com países sul-americanos

Está na nossa Constituição a autonomia de todos os povos, o respeito a sua intervenção, a não intervenção em seus assuntos internos, a solução pacífica dos conflitos internacionais, com uma opção clara pela integração latino-americana. É isso que deve nos guiar, porque nós somos um partido que tem compromisso com a democracia. O PT nasceu no final da ditadura, nós vencemos quatro eleições, quem deu o golpe em nós são os que hoje nos acusam ou querem carimbar o nosso Lula e o PT como autoritário pelas relações que nós mantemos com governos como o da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba.

O PT não precisa provar pra ninguém, eles é que deram o golpe em 2016, eles é que apoiaram a Lava Jato, eles é que aplaudiram o processo de exceção política que levou à condenação e a prisão do Lula, depois anularam e o juiz foi declarado suspeito. Eles é que tiveram compromisso em 1964 com a ditadura, ganharam a ditadura, conviveram com a ditadura, nós não. Nós e as constituintes de esquerda no Brasil combatemos a ditadura, e aí construímos a Constituição de 1988, que consolidou aqui no Brasil os direitos sociais aos trabalhadores, que hoje eles querem revogar.

Lula contra Moro ou Bolsonaro

O Bolsonaro é candidato a reeleição, o Lula é pré-candidato do PT, e o Moro pode ser uma hipótese do Podemos; o Doria provavelmente do PSDB, o Cidadania pode ter a candidatura do Alessandro Vieira, o Novo do Alessandro d’Avila. Os partidos vão acabar tendo clareza do avanço da candidatura, eu não vejo nenhum problema de enfrentar tanto o Bolsonaro como o Moro no segundo turno.

Nós vamos fazer uma campanha geral, em várias frentes, a frente antibolsonarista vai se opor a Bolsonaro, nós vamos nos opor a Bolsonaro e nos segundos da direita também. Haverá um debate sobre a desigualdade, sobre a pobreza, sobre as privatizações, essa situação de dependência da política externa dos Estados Unidos, sobre como é que nós reconstruímos o sistema bancário, financeiro, a renda nacional, como nós recuperamos o conhecimento científico...

Saber se o Moro vai retirar o Bolsonaro no segundo turno é o objetivo da oposição liberal, tirar o Bolsonaro no segundo turno. O objetivo deles é evidente, eles têm a hipótese que saindo o Bolsonaro eles terão uma candidatura para enfrentar o Lula. Não sei de onde eles tiraram isso, o Lula se tivesse solto tinha ganhado as eleições em 2018.

Metade dos brasileiros não tem emprego, não pode se alimentar, fica trabalhando intermitente, há um agravamento da situação no país, porque distribuição da cultura, da ciência, do meio ambiente, da educação, não vejo. Esse é um debate político, não é o debate político de terceira via. Não vejo como é que eles vão nos derrotar na eleição pregando a queda de gastos. O Lula vai conversar com o povo, mostrando os benefícios que nós faremos no Brasil.

Acho que o debate político não será sobre capitalismo ou sobre corrupção. Fracassaram os governos do Temer e do Bolsonaro, e levaram o Brasil a essa situação. Vamos buscar alternativa. Pode ser Moro, pode ser Doria, pode ser quem for, nós vamos vencer essa eleição.

Democratização dos meios de comunicação

Olha, esse debate está presente. O Congresso Nacional criou a legislação e uma jurisprudência que pune as fake news. Agora existe também a fake mídia, a viagem do Lula na Europa foi uma prova disso, não fosse a imprensa internacional, porque os jornalistas brasileiros estavam se informando pelas agências internacionais, os jornais internacionais. É um escândalo isso. Lógico, a Constituição permite isso, permite monopólio, não está escrito que não pode. Então o problema não é censurar a imprensa, o problema não é ver se você tem imprensa estatal, o problema é o que eu já disse: nós temos que aplicar a Constituição brasileira.

O Bolsonaro está falando de cassar a concessão da Globo, lógico, não é ele que cassa, é o Congresso que autoriza ou não autoriza, esse é um direito do Congresso Nacional. Não vamos colocar isso em discussão, é ele que está colocando. O que nós colocamos é o seguinte: a imprensa vai jogar um papel nas eleições, vai tomar partido nas eleições para além do noticiado, para além do editorial no noticiário? Não pode, para isso o Supremo, a Justiça está aí também para olhar, não olhar só pras fake news, tem que olhar também se a imprensa que é monopolista começar a tomar partido na eleição.

Aonde é que o PT censurou ou pressionou a imprensa? Nós governamos, aonde é que nós tivemos qualquer ato autoritário? Quem queria dar um golpe, inventar uma ditadura no país, quem apoiou um golpe foram eles, o Bolsonaro que queria. Tudo que nós podemos ter é serenidade para discutir essa questão, não vejo que seja uma prioridade pré-eleitoral, acho que nosso foco na pré-eleitoral é resolver o problema da fome e da miséria, resolver a questão que o Brasil não tá crescendo com desenvolvimento no novo modelo sustentável, frente a essas questões que eu coloquei.

Ameaça às eleições de 2022

O Bolsonaro tentou dar um golpe, 7 de setembro é um golpe. Ele não teve respaldo nem da Suprema Corte, nem do Congresso, nem respaldo das Forças Armadas. Alguns governadores tomaram medidas, e o próprio Exército tomou algumas medidas contra avisos superficiais que começaram a circular nas redes. O Bolsonaro mudou de tática, agora está disputando eleição, utilizando recursos públicos ilegalmente, procurando pressionar partidos no plano dele e consolidar a candidatura nos estados. O Bolsonaro é de extrema-direita, nessa democracia, mas ele tem uma base popular, social, ainda é grande com os aliados do agronegócio, sequestrou uma agenda religiosa e usa essa agenda contra nós. O que é um absurdo, já que o PT é um partido que surgiu das CEBs, das pastorais, do cristianismo. Ninguém mais fez pela família que os nossos governos.

Nós temos que mobilizar, será uma campanha dura, porque vai ser uma campanha pacífica. É só olhar, eles estão armando associações competitivas, como já houve provocações no passado, mas eu não acredito que a maioria da sociedade aceite isso, nem a oposição liberal ao Bolsonaro aceita isso. Vamos assegurar a eleição e a posse, nós temos que fazer uma ampla corrente de garantia no Brasil. Não só nós, achar que essa bandeira é só nossa, que essa luta é só nossa.

Resgatar um Brasil desestruturado e dar espaço para novas lideranças políticas

Nós precisamos abrir as chapas, o Brasil precisa ouvir as periferias, negros e negras, comunidades LGBTQIA+, particularmente intelectuais, cientistas, personalidades. Nós precisamos dialogar com a juventude, que é um eleitorado jovem que já se estressou, pros jovens se elegeram lideranças novas. Porque vai ser muito difícil pro jovem de hoje ter perspectiva no Brasil com esse governo. E nós temos que lembrar sempre que não se trata só do Bolsonaro, se trata de 1% dos brasileiros que tem 28% da renda, 10% que tem 50, que não paga impostos.

O Brasil tem condições, tem ainda empresas estatais, o presidente da República tem condições de retomar, virar a página do bolsonarismo, reorganizar as políticas sociais do Brasil, reorganizar os ministérios. Para um primeiro momento nós temos que mobilizar a sociedade para isso. O Bolsonaro não quer, como ele não quis e sabotou a vacinação, a máscara e o isolamento social. Agora nós estamos vivendo uma tragédia nacional, metade dos brasileiros que poderiam estar trabalhando estão desempregados hoje.

Como lidar com o mercado financeiro

O mercado financeiro está comprando a mídia, virando proprietário da mídia, em São Paulo, aqui a RBS foi vendida para um grupo que não é financeiro, mas é um grupo empresarial do setor farmacêutico.

Eu sou muito pessimista com relação à elite brasileira, que impõe teto de gastos, independência do Banco Central, quando nem a taxação de lucros e dividendos passa no Congresso, vira um escândalo, parece que vai acabar o capitalismo. Tem que ter um modelo, qualquer modelo da OCDE aqui no Brasil de impostos. Você vê um Biden fazendo esses programas, trilhões para investir em emprego, creches, no social, para o idoso, para modernização do sistema educacional, inovação e tecnologia. Na Europa foram quase 3,4 trilhões no programa. E o Brasil tá dando um teto de gastos.

Enfrentar a crise no capitalismo

A globalização que nós temos desconstituiu a economia industrial anterior e desorganizou a fase social e econômica de muitos partidos, aí a extrema-direita passou a ganhar a eleição. Se você observar a luta dos países, é entre extrema-direita e direita, agora que tá surgindo as correntes progressistas. Então eu te digo que nós temos que mobilizar a sociedade, conscientizá-la pra travar essa luta pela instituição da tributação de rendas, essa luta pela reforma tributária. Nós precisamos eleger uma bancada que nos dê condições de fazer mudanças, por isso que a coisa mais importante que tem na eleição é você convencer o eleitorado que vai votar em nós, que vote também nos nossos candidatos da Câmara dos Deputados e do Senado.

Há uma crise evidente no capitalismo e o Brasil é um exemplo disso. Aliás, tiveram levantes de relevância popular no Chile, na Bolívia, no Equador e na Colômbia. Precisa uma luta política, luta de classes, e também a classe trabalhadora internacional, as lutas camponesas, os sindicatos, para colocar em prova essa disputa, trazer uma mudança para haver uma disputa dentro de cada país e no mundo. Por isso que é importante o Brasil liderar um bloco na América do Sul, com o Lula como líder, para nós sermos parte disso que vai surgindo.

O Brasil, o México, a Colômbia, a Argentina, esses são países que podem dirigir a integração, e é isso que os Estados Unidos não querem. O golpe foi dado muito por isso, pelos Brics, pela Unasul, pelo Mercosul, pela presença do Brasil, pelo Pré-sal que dava para nós uma riqueza para fazer uma revolução social no sentido educacional no Brasil, fizeram o golpe muito por isso também. Também porque nós íamos ganhar a quarta eleição e podíamos ganhar a quinta e a sexta. De nós, até hoje, eles ganharam só no golpe, não ganharam de nós na eleição.

Vamos conferir agora em 2022. Não estou dizendo que é fácil ganhar ou que nós ganhamos, porque nada é ganho. Não vai ser fácil, mas nós somos alternativa de governo, e historicamente isso se prova e se prova hoje com as pesquisas.

Assista a entrevista


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Edição: Katia Marko