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Título de Cidadão Pernambucano para MST é o reconhecimento do trabalho realizado à muitas mãos

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Paulo Mansan é o coordenador das atividades que o MST está realizando na região metropolitana do Recife - Divulgação
Entre todas estas atividades, realizadas por muitas mãos, está o Paulo Mansan

No último dia 17, a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE), aprova o título de cidadão pernambucano a Paulo Mansan, dirigente do MST em Pernambuco. Esse título foi resultado do projeto de autoria do deputado estadual Isaltino Nascimento (PSB), que foi aprovado por unanimidade entre os  parlamentares presentes na sessão.

É importante marcar esta data, pois para nós, que fazemos o MST em Pernambuco, passa a ser uma marca importante na história. Vai ficar conhecido como o dia em que a ALEPE reconhece, pela primeira vez depois de uma longa história, de muitas lutas e conquistas, de trabalho social, político, cultural e econômico, uma ação do MST, personificada na pessoa de um dirigente do movimento.

Paulo Mansan é o coordenador das atividades que o MST está realizando na região metropolitana do Recife, em especial durante estes quase dois anos de pandemia. As atividades tem como objetivo tentar amenizar os impactos econômicos e sociais da pandemia. 

As iniciativas, que mais tarde foram denominadas de “Mãos Solidárias” tiveram início ainda no mês de abril de 2020. No Recife, nos arredores do Armazém do Campo, localizado no centro do Recife antigo, vivem centenas de pessoas em situação de rua.  Estas pessoas, até famílias inteiras, que vivem nesta situação recebiam diariamente sopas, pães, quentinhas fornecidas por iniciativas de entidades, de restaurantes, de igrejas  e ONGs.

Com a pandemia, essas ações foram suspensas. Com isso, esta população ficou totalmente desprovida de qualquer condição de sobrevivência. Neste momento o Armazém do Campo toma a iniciativa de servir refeições para esta população que vivia e ainda vive nas ruas. Inicialmente foram cinquenta refeições diárias. Mas, logo se percebeu que a situação era mais grave e a quantidade foi aumentando a cada dia.

A quantidade de refeições foi rapidamente aumentada, chegamos a produzir e distribuir mais de duas mil refeições diárias. Neste momento, mesmo correndo o risco em plena pandemia, o coletivo do MST no Recife, sob a coordenação de Paulo Mansan não recuou, muito pelo contrário, foram pra ofensiva. 

Rapidamente foi aumentando também o número de voluntários, que vieram se somar ao trabalho. Eles e elas passaram a ser determinantes em todas as etapas: na campanha para arrecadar alimentação, na produção do alimento na cozinha do Armazém do Campo, no cadastro das pessoas para receberem a alimentação e na distribuição das refeições.

Logo o trabalho foi ganhando novos parceiros como os sindicatos e em especial a presença ativa da Arquidiocese de Recife e Olinda, que além de respaldar as campanhas, também apoiam com logística e um novo espaço para a cozinha. Dom Fernando Saburido e Dom Limacedo estão presentes em vários momentos de todo o processo, motivando e estimulando a participação de outras pessoas com os seus exemplos.

 As iniciativas não param por aí. Com a aprovação do Auxílio Emergencial realizamos mutirões solidários para auxiliar os moradores em condição de rua a acessar os recursos e foi criado o programa dos Agentes Populares de Saúde para orientar as populações das periferias com os cuidados pessoais e coletivos para evitar serem infectados pelo coronavírus. Hoje formamos mais de milhares de agentes populares de saúde em todo estado. Para as tarefas da organização dos Agentes Populares de Saúde, vieram novas parcerias como os professores e professoras da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco. 

As demandas foram aparecendo e as Mãos Solidárias passaram a organizar os bancos de alimentação dentro das comunidades da região metropolitana do Recife. Atualmente são 34 bancos nas comunidades mais pobres dos municípios desta região. Os Bancos de Alimentação têm como objetivo construir um processo de auto organização destas comunidades de periferias, para enfrentar a fome e a pandemia. É o povo cuidando do povo, da vida do povo. Enquanto Bolsonaro nega e promove genocídio, a população busca soluções para continuar a viver.

Um dos maiores desafios coordenado por Mansan foi o de organizar as cozinhas comunitárias e transformar os bancos de alimentação em cozinhas. A primeira foi organizada nas palafitas do Pina e foi certamente um dos principais desafios do MST e parceiros, neste incansável trabalho durante a pandemia.  

Recentemente, a direção do movimento propôs um novo desafio: produzir para a solidariedade. A ideia é que em todos os assentamentos se destine uma parte das terras para a produção específica para a doação. A coordenação do Recife inovou essa proposta, passou a convocar voluntários da cidade que tem ido para os assentamentos se somarem na produção e colheitas desses alimentos com o Roçado Solidário.

Essa iniciativa tem sido muito pedagógica para esses voluntários, pois tem possibilitado que eles conheçam de perto a realidade da população camponesa. Ao mesmo tempo, eles estão compreendendo melhor todos os processo que passa a produção até chegar em suas mesas.

Por meio do trabalho da campanha, foi possível arrecadar e doar mais de 900 toneladas de alimentos, em sua grande maioria vindo dos assentamentos da reforma agrária e foram entregues mais de 750 mil marmitas solidárias para famílias em situação de fome e insegurança alimentar.

O MST reconhece que todo este trabalho só tem sido possível com apoio de muitas mãos. Mãos  solidárias de aliados que têm formado uma grande ciranda, reafirmando o que diz nossa canção: Que ciranda se faz “juntando mãos com mãos”. Mãos do Levante Popular da Juventude, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e vários sindicatos filiados, mãos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento Camponês Popular (MCP), do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), mãos da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAPE), mãos do Centro Sabiá, de Igreja, de estudantes, de professores, de universidades, e mãos de muitas pessoas que se integraram por iniciativa própria.

Em síntese, entre todas estas atividades, realizadas por muitas mãos, está o Paulo Mansan, que tem sido reconhecido como um grande articulador político e coordenador da campanha Mãos Solidárias. Ele, que além de ser militante do MST, é também doutorando em agroecologia pela UFRPE e paralelamente, faz um curso técnico em agroecologia no SERTA.

O reconhecimento da ALEPE fortalece muito nosso trabalho. Esse mesmo título que tempos atrás já tinha sido apresentado por duas vezes, uma pelo mesmo valoroso deputado Isaltino e outra pelo ex-deputado Nelson Pereira para me conceder o título de cidadão pernambucano foi duplamente negado, sempre com a justificativa de não reconhecer nossa radicalidade na luta por Reforma Agrária. Essa radicalidade nos levou à conquista de 226 assentamentos, que hoje produzem alimentos saudáveis, sendo determinantes para doarmos solidariamente às pessoas que estão em situação de fome.  

Nesses tempos tão difíceis a solidariedade tem sido um acalento aos nossos corações. Ela está aí para nos dizer que ainda que tentem implantar o medo, a fome e a morte, seremos sementes, renasceremos. As tantas mãos solidárias, do campo e da cidade estão aí para nos ajudar a esperançar. Em momento de tantas necessidades, é místico doar uma parte para aquelas famílias, que não tiveram a oportunidade de lutar pela terra e viver mais dignamente.

 

Edição: Vanessa Gonzaga