ATAQUE

Indígenas Ka’apor são ameaçados por carro com adesivos de pré-candidato a governo do Maranhão

Lideranças foram perseguidas por quatro veículos, um deles com propaganda do deputado federal Josimar Maranhão (PL-MA)

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Os Ka’apor sofrem com ameaças frequentes de madeireiros na região da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão - Lunaé Parracho/Repórter Brasil

Lideranças indígenas Ka’apor, do Maranhão, foram perseguidas por quatro carros com vidro fumê na cidade de Santa Luzia do Paruá no último dia 22 de janeiro. Entre eles estava uma caminhonete estampada com adesivos de propaganda política do deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA), pré-candidato ao governo do Estado. O território da etnia é alvo constante de madeireiros ilegais. 

De acordo com o relato de uma das lideranças no boletim de ocorrência, os indígenas almoçavam em um restaurante na cidade quando ocorreu a intimidação. Durante 30 minutos, os veículos ficaram rondando o estabelecimento e, em um determinado momento, o condutor da caminhonete com propaganda do deputado baixou o vidro e apontou o dedo em tom ameaçador.

O fato de um dos carros de onde partiu as ameaças estar adesivado com propaganda do deputado federal Josimar Maranhãozinho não surpreende quem acompanha a situação dos Ka’apor. O pré-candidato foi investigado pela Polícia Federal e denunciado em 2012 pelo Ministério Público Federal acusado de ser o cabeça de uma organização criminosa que controlava, por meio de pedágios e outras práticas, a extração de madeira na terra indígena. O caso está parado na 1ª instância da justiça maranhense, e o deputado nega as acusações.

Em 2014, a Repórter Brasil esteve na terra indígena Alto Turiaçu, dos Ka’apor, e flagrou um caminhão com madeira ilegal saindo do território – o veículo tinha um grande adesivo na porta do motorista com a campanha política de Josimar Maranhãozinho, que à época era candidato a deputado estadual.


Bolsonarista ferrenho, o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) já foi indiciado por suspeita de ligação com madeireiros, mas nega a acusação / Divulgação/Câmara dos Deputados

Bolsonarista ferrenho e membro da base do governo no Congresso, Maranhãozinho é conhecido como defensor da exploração de madeira dentro de terras indígenas e do fim das áreas de conservação. 

Mas seu currículo também inclui um flagrante com R$ 250 mil em uma gravação da Polícia Federal, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de uma investigação que envolve suspeita pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e fraude em licitação no Maranhão. Ao jornal O Globo em dezembro do ano passado, o deputado negou irregularidades e disse que o dinheiro registrado pela PF no vídeo é fruto de sua atuação como empresário na pecuária.

“Ele controla tudo por aqui: madeira ilegal, gado… Não me espanta um adesivo com sua imagem em um dos carros”, disse à Repórter Brasil uma fonte que pediu anonimato. 

Procurado pela Repórter Brasil, o deputado Josimar Maranhãozinho declarou, por meio do advogado Carlos Sérgio de Carvalho Barros, que desconhece a situação, “não tendo a menor noção do que possa ter ocorrido” e ressaltando que “nessa região milhares de veículos circulam com adesivos”. O advogado completou que Maranhãozinho desconhece “por completo até como se dá o processo de extração da madeira”, e que tais acusações foram baseadas em “histórias antigas e criadas por adversários políticos locais sem nenhuma base real” (veja a íntegra da resposta).


Caminhão com adesivo do então candidato Josimar Maranhãozinho foi flagrado saindo com madeira ilegal da terra indígena em 2014 / Repórter Brasil

Clima de tensão

A ameaça direta sofrida pelas lideranças Ka’apor em janeiro acrescenta novo capítulo ao longo histórico de violência na região. “Vivemos em um clima de tensão constante, sem saber quando será o próximo conflito envolvendo os Ka’apor e os suspeitos de atuação com o contrabando de madeira na região”, afirmou Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) no Maranhão.

Após serem ameaçados, os indígenas deixaram o restaurante e foram à delegacia de Polícia Civil de Santa Luzia do Paruá para prestar queixa, mas o local estava fechado. O Boletim de Ocorrência foi registrado de forma online quase uma semana depois. “As lideranças têm muita desconfiança em relação à polícia local”, explica Rodrigues. Questionada pela Repórter Brasil, a Superintendência da Polícia Civil no Maranhão não enviou posicionamento até a publicação deste texto.

As lideranças conseguiram fotografar as placas de três dos carros que as seguiram, o que permitiu à Repórter Brasil verificar que a caminhonete adesivada e mais um veículo usavam placas falsas – os modelos não condizem com os registros oficiais.

Além de procurar a polícia, os Ka’apor também pediram ajuda para instituições ligadas aos direitos humanos, como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e ao Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, além de solicitar apoio à guarda de proteção formada pelos próprios Ka’apor.

A Polícia Militar foi acionada para conduzir as lideranças indígenas de volta para sua comunidade. No entanto, os Ka’apor afirmam que os policiais não fizeram todo o trajeto e, mesmo diante das ameaças, precisaram seguir sozinhos até a Terra Indígena Alto Turiaçu – o que a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão nega (veja íntegra da nota).

Os Ka’apor não chegam a 3.000 indivíduos atualmente e habitam a Terra Indígena Alto Turiaçu, que tem 513 mil hectares e fica na divisa do Maranhão com o Pará. “É uma área enorme, então há uma cobiça muito grande por parte de agentes externos”, disse à Repórter Brasil Luís Antônio Pedrosa, assessor jurídico da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos. 

Em 2009, os Ka’apor assumiram a autorregulação do seu território, o que significa o rompimento com a Funai e com o governo federal. A defesa da região é feita por grupos de proteção criados pelos próprios indígenas, que se revezam para destruir estradas abertas por madeireiros ilegais da região.

Além do esquema de vigilância, os Ka’apor criaram um conselho para cuidar dos assuntos da etnia, acabando com a figura do cacique. “Foi uma forma de tirar a pressão e a visibilidade em cima de uma única pessoa”, diz Pedrosa. Além disso, para coibir a entrada dos madeireiros, os indígenas começaram a estabelecer “áreas de proteção”, que são novas aldeias instaladas no final de estradas clandestinas utilizadas por invasores. A articulação dos Ka’apor ajudou a reduzir o número de invasões em seu território, mas os problemas na região persistem.

O assessor jurídico da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos critica a falta de punição aos invasores. “As operações acontecem, mas, no dia seguinte, as máquinas de transporte e retirada da madeira estão no mesmo lugar. Há uma leniência completa das autoridades. Eu nunca recebo notícia de que alguém foi preso. A tendência é que o embate só cresça se tudo continuar como está”, denuncia Pedrosa.

“O entorno das terras indígenas é o problema. Ninguém fiscaliza nada. As serrarias estão abertas, os caminhões madeireiros circulam livremente na cara da polícia e o Estado não toma nenhuma atitude”, afirma Gilderlan Rodrigues, do Cimi.

O coordenador do Cimi cita uma decisão da Justiça Federal do Maranhão, de dezembro do ano passado, que ordenava ao Ibama, à Funai e à União a comprovação de medidas, junto ao Ministério Público Federal, para resguardar os Ka’apor . “Mesmo assim, nenhuma proteção tem sido feita”, declarou. 


Para coibir as invasões de suas terras, os Ka’apor se revezam para destruir estradas abertas por madeireiros ilegais / Lunaé Parracho/Repórter Brasil

O clima de hostilidade suscita críticas dos Ka’apor ao atual governador do Estado, Flávio Dino (PSB). Os indígenas alegam que a gestão sabe das recorrentes agressões sofridas pela etnia e da falta de auxílio da Funai, da PF e da polícia estadual maranhense. 

“As inúmeras agressões ao território Ka’apor são de conhecimento do governador e seus secretários, que pouco ou nada fazem para impedi-las. Diante de uma situação de injustiça o silêncio é cúmplice. O governo estadual tem que agir contra os criminosos como forma de impedir a continuidade dos crimes e um confronto físico que redunde em mortos e feridos”, diz nota assinada por uma série de organizações em defesa dos Ka’apor após a perseguição envolvendo as lideranças indígenas.

Em comunicado conjunto, a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão afirmaram que, “em se tratando de ocorrências dentro de territórios indígenas, a atuação é obrigatoriamente federal, da Polícia Federal, FUNAI e IBAMA.” As entidades disseram ainda que encaminharam a situação dos Ka’apor às autoridades competentes. Leia aqui a íntegra das respostas.

A Repórter Brasil procurou a Funai, a Polícia Federal e o IBAMA para questionar sobre os conflitos envolvendo os Ka’apor, mas os órgãos não responderam até a publicação deste texto.