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É possível ter covid-19 duas vezes seguidas? Especialistas esclarecem dúvidas sobre reinfecção

O Brasil de Fato Pernambuco consultou médicos infectologistas para entender o que poderia explicar o fenômeno

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Casos seguidos de adoecimento por covid-19 em um curto intervalo de tempo vêm aparecendo nos últimos meses - Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Quando adoeceu uma semana depois de se recuperar de um caso leve de covid-19, a gerente de publicidade Gabriela Oliveira, de 32 anos, não imaginava que poderia estar com o coronavírus de novo. Só quatorze dias separaram o primeiro teste positivo do segundo, realizado no dia 29 de janeiro. No dia 27, ela chegou a testar negativo para o SARS-CoV-2 no exame que o trabalho exigia para retornar às atividades. "Minha suspeita era de que poderia ser resquício da covid no meu corpo, mas comecei a ter sintomas novamente". O que se iniciou com tosse, coriza e catarro foi se agravando e evoluiu para um quadro de pneumonia. Apesar de não estar mais com a doença, restam sequelas de dor no peito e tosse seca até hoje, mais de um mês depois.

Casos seguidos de adoecimento por covid-19 em um curto intervalo de tempo, como o de Gabriela, vêm aparecendo nos últimos meses, em meio à alta de infecções provocada pela chegada da variante supertransmissível Ômicron. Mas como isso acontece, se até o ano passado a literatura dizia que, após ter covid-19, o corpo produzia anticorpos suficientes para proteger o indivíduo por no mínimo 90 dias? O Brasil de Fato Pernambuco consultou especialistas para entender o que poderia explicar o fenômeno. 

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Covid longa

A primeira consideração é que pode não se tratar de um novo contágio, mas da mesma infecção que não se curou totalmente. O infectologista Filipe Prohaska, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), levanta que é comum se confundir os diagnósticos de reinfecção por covid-19 com a covid longa. 

"A gente sabe que algumas pessoas desenvolvem um processo inflamatório crônico secundário à covid e que demoram a se recuperar desse sintomas, podendo até apresentar novos sintomas em um período curto de tempo. Esse fator de confusão faz com que se tenha muita dificuldade de separar se é uma reinfecção precoce da covid ou a perpetuação dos sintomas da infecção original", detalha.

O infectologista Danylo Palmeira, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, explica que é difícil comprovar se houve reinfecção já que o teste RT-PCR, padrão ouro no diagnóstico da covid-19, não informa o sequenciamento molecular do vírus, que é a forma de determinar se é o mesmo ou um diferente.

Dito isso, a contração do vírus em um período breve é rara, mas não é impossível. Palmeira citou um estudo feito na Dinamarca, ainda não revisado por pares, que avaliou a existência de duas linhagens da Ômicron (BA.1 e BA.2, sendo a segunda mais transmissível), e que relatou ocorrências de reinfecção com as duas subvariantes. 

Reinfecção

A pesquisa apontou 1.739 casos entre 21 de novembro de 2021 e 11 de fevereiro deste ano nos quais os indivíduos testaram positivo duas vezes em um intervalo de entre 20 e 60 dias. 

Para fins comparativos, mais de 1,8 milhão de casos de covid-19 foram confirmados na Dinamarca no período descrito, o que aponta que a taxa de reinfecção é de aproximadamente 0,096%.

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O fato de a Ômicron ser mais contagiosa pode ter a ver com a recente descrição científica de casos de reinfecção. Palmeira destaca que seu maior grau de transmissibilidade em relação às demais variantes permite maiores possibilidades de se pegar covid-19 duas vezes seguidas. “A carga viral da Ômicron é consideravelmente maior que a das outras variantes. Ela foi reportada como um vírus sem precedentes”, comentou o médico. 

A Ômicron corresponde a 99,6% das infecções por covid-19 em Pernambuco, de acordo com levantamento do Instituto Aggeu Magalhães (IAM-Fiocruz-PE) divulgado em 18 de fevereiro. Foram analisadas 244 genomas, sendo só uma da variante Delta. Todas as demais foram da linhagem Ômicron BA.1. “O lado positivo é que isso está acontecendo quando a gente tem a vacina, e o indivíduo imunizado tem mais proteção”, conforta Palmeira.

No Estado, 1.541.465 pessoas foram imunizadas, sendo 1.355.711 com esquema vacinal completo, segundo dados do vacinômetro de Pernambuco consultados nesta quarta-feira (2).

Outro ponto que Palmeira levanta é que as pessoas que foram assintomáticas ou tiveram sintomas leves na primeira vez que ficaram doentes desenvolvem uma imunidade secundária menos robusta. Essa constatação aparece na nota técnica nº 4/2022 da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, organização pública que gere os hospitais universitários federais.


Reinfecção é rara, mas não impossível / Javier Torres / AFP

“Indivíduos com infecção leve ou assintomática tendem a ter níveis mais baixos de anticorpos do que aqueles com doença grave”, cita um trecho do documento. Portanto, é uma hipótese que também poderia explicar alguns casos específicos de reinfecção.

Posto isso, convém fortalecer o sistema imunológico neste momento. Para além da vacinação, a infectologia também sugere alguns hábitos que podem ajudar nesse processo. “Boa alimentação, sono de qualidade, atividade física, boa interação social e manter baixos níveis de stress”, elenca o médico. 

“Apesar de não haver associação com a covid-19, manter níveis adequados de vitamina D tem relação direta com um bom estado imunológico, independente da doença. O banho de sol, nos horários recomendados, vai ativar vários ciclos metabólicos”, aponta.

Erro da testagem

Dentre as teses, ainda há a possibilidade de que um dos exames de covid-19 tenha sido falso positivo. “O teste de antígeno [teste rápido de swab] tem percentual maior de erro em relação ao RT-PCR. Na testagem de Pernambuco, o fluxo era: faz o teste rápido, se der positivo, faz o PCR. Não definiam como caso positivo só com o primeiro”, relembra Palmeira. Com a alta demanda registrada nos centros de testagem em janeiro, muitas pessoas não passaram pelo segundo exame.

Também é possível que o segundo exame tenha captado residual viral do vírus da primeira infecção. “Nosso trato respiratório demora algumas semanas ou meses para se renovar. Pode haver células mortas que contém ainda o SARS-CoV-2 da primeira infecção”, comenta.

Edição: Vanessa Gonzaga