Pernambuco

Coluna

Precisamos falar sobre a Guerra do Cabo de Santo Agostinho

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"O Cabo de Santo Agostinho chora sangue, de muitas vidas que foram desamparadas pelo Estado"
"O Cabo de Santo Agostinho chora sangue, de muitas vidas que foram desamparadas pelo Estado" - Costa Barros Tomaz Silva/Agência Brasil
Não é normal termos a pior cidade do país para uma pessoa negra viver

Falar de guerra nesses últimos dias se tornou algo natural. Os conflitos entre Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e União Europeia estão em todos os noticiários. A guerra da Ucrânia de fato é um momento importante para discussão do sistema socioeconômico que nos rege. O capitalismo e sua ascensão significa também o aumento da violência e das desigualdades sociais. Porém, estamos no país que tem mais de 60 mil homicídios por ano e os números, quando se trata de violência, são literalmente de uma guerra. 

Em 2021, Pernambuco teve o terceiro maior número de assassinatos no país. Quando olhamos a taxa proporcional, segundo o site Monitor da Violência, Pernambuco é o estado brasileiro que mais assassina pessoas por 100 mil habitantes. Estamos no centro da violência, dentro de um dos países mais violentos do mundo, mas ainda temos outra questão. É nesse mesmo estado que temos a pior cidade para uma pessoa negra viver, ou melhor, a cidade onde existe a maior desigualdade entre brancos e negros do Brasil. 

O Cabo de Santo Agostinho, que é um município da Região Metropolitana do Recife, ficou nacionalmente conhecido quando houve a escolha pela construção da Refinaria de Suape. Com a chegada e o investimento de um grande capital político e econômico, o Cabo de Santo Agostinho mudou completamente a sua realidade com o crescimento de Suape, mas sem nenhuma política pública pensada para esse impacto que não foi somente econômico, mas social também. Essa disparidade de realidade, catalisação de desigualdades e esse grande empreendimento foi a fórmula perfeita para o crescimento da violência na cidade.

Em janeiro de 2022, segundo o Governo de Pernambuco, tivemos 30 assassinatos. Foi praticamente um homicídio por dia. No começo de fevereiro tivemos uma criança e dois adolescentes baleados. E aí meu questionamento é: Quem está chorando pela guerra que acontece nesse país? Quem chora e se comove pela vida que todo dia é assassinada no Cabo de Santo Agostinho? Porque o governador não foi lá? Por que não existe um plano emergencial para garantir o direito à vida?

A expansão do complexo de Suape no início dos anos 2000 só aumentou e ainda sustenta toda essa violência. O capital sustenta o extermínio diário dessa cidade e desse estado, qual o projeto desse governo para o povo que chora a morte de seus jovens e adolescentes toda semana? O Cabo de Santo Agostinho chora sangue, de muitas vidas que foram desamparadas pelo Estado, que nunca foram vistas como sujeitos de direito dentro dessa sociedade. Me parece que quando não temos uma política pensando em tirar essa cidade dessa referência que fere a maioria das existências do povo pernambucano, o Governo do Estado de Pernambuco nos manda um aviso: As vidas negras que são assassinadas no Cabo de Santo Agostinho todos os dias não importam para Paulo Câmara. 

O projeto político que acredito para Pernambuco, para o Cabo de Santo Agostinho e toda a Região Metropolitana do Recife leva em conta cada jovem que hoje não tem seus direitos garantidos, cada mãe que chora a dor de perder seu filho para a guerra do estado contra o povo negro, pobre e periférico do Brasil.  

Nesse ano de 2022 teremos a oportunidade de discutir melhor a segurança pública como uma política que não se trata necessariamente de punitivismo ou armamentismo, mas que precisa caminhar junto com segurança alimentar, acesso à educação, cultura, lazer e moradia digna. Falar de segurança pública é falar de distribuição de renda, é dizer que não se combate a morte armando a população. 

Por isso precisamos falar que não é normal termos a pior cidade do país para uma pessoa negra viver, não é normal que nessa mesma cidade uma pessoa foi assassinada por dia durante um mês somente neste ano de 2022 e que apesar do racismo dizer que é normal acontecer isso com as vidas negras, continuaremos a afirmar que não é normal a brutalidade contra as nossas vidas. A violência racial que acontece em Pernambuco tem que acabar!

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga