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Templos, Igrejas e protestos

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Papa Francisco durante 3° Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em novembro de 2016, no Vaticano
Papa Francisco durante 3° Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em novembro de 2016, no Vaticano - Divulgação
A sociedade tem direito de cobrar dos responsáveis das Igrejas a coerência profética com o evangelho

No Brasil, o início de 2022 foi marcado pelo assassinato brutal de dois jovens negros no Rio de Janeiro. Moise Kabagambe, jovem migrante congolês, espancado até a morte. Nos mesmos dias, Durval Teófilo Filho, 38 anos, morto à bala por um vizinho policial que o confundiu com um ladrão. 

Em todo o Brasil, grupos sociais e movimentos populares fizeram manifestações de protesto contra esses assassinatos racistas. Em Curitiba, Paraná, um grupo se reuniu em frente a uma Igreja do centro da cidade e no final da manifestação, entrou na Igreja para concluir o seu protesto. A imprensa, ávida por notícias sensacionalistas que legitimem denúncias contra movimentos populares e partidos considerados de esquerda, se deleitou com imagens e narrativas do que chamaram de invasão de um templo católico. Autoridades eclesiásticas e civis protestaram contra o desrespeito ao lugar sagrado e políticos de direita falam do assunto como sendo o comunismo que persegue os cristãos. 

Organizações populares e partidos progressistas tomaram posições críticas em relação ao ocorrido. De fato, o grupo que fazia a manifestação não sofreu nenhuma perseguição e não precisava ter ocupado a Igreja, sem permissão dos responsáveis pelo templo. 

Do ponto de vista institucional, a maioria dos eclesiásticos concorda que Igrejas sejam usadas para missas de posse de governadores ou prefeitos de direita. No entanto, considera  desrespeito ao lugar sagrado qualquer manifestação de categorias populares que possa ser vista como sendo de esquerda. 

Em Roma, o papa Francisco pode considerar prioritário dialogar com movimentos populares e defender a vida de migrantes africanos, mas essa não é ainda a sensibilidade de muitos ministros e fieis católicos. Muitos religiosos gritaram com as organizações populares que “vidas negras importam”, mas para muitos cristãos, católicos e evangélicos, esse assunto parece não fazer parte do anúncio da fé e da missão da Igreja.  

Na época da ditadura militar brasileira, em Recife, estudantes que protestavam contra a repressão ocuparam uma Igreja no centro da cidade. Assim que soube, o próprio arcebispo Helder Câmara foi para a Igreja e se colocou lá ao lado dos estudantes até conseguir que eles pudessem sair do templo em segurança. O mesmo ocorreu em Salvador (BA), onde a Igreja ocupada pelos rapazes e moças foi a basílica do Mosteiro de São Bento. O abade Timóteo Amoroso Anastácio abriu as portas da Igreja e declarou o Mosteiro como espaço de abrigo e santuário de proteção da juventude. Do mesmo modo, em São Bernardo do Campo, SP, em 1980, a Igreja Matriz foi abrigo para assembleias dos metalúrgicos em greve perseguidos pela ditadura. 

Atualmente, embora em outro contexto político, a sociedade tem direito de cobrar dos responsáveis das Igrejas a coerência profética com o evangelho de libertação. Originalmente, o Cristianismo não tinha templos e sim Igrejas. Enquanto os santuários se colocam como locais sagrados, as Igrejas significam espaços de assembleia. O apóstolo Paulo chamou as primeiras comunidades cristãs de Igrejas porque eram assembleias de pessoas não reconhecidas como cidadãs pelo império, mas que, ali, nas assembleias cristãs, podiam se reunir e se manifestar como cidadãos do reinado divino no mundo. Ainda hoje, quando manifestantes ocupam uma Igreja, de alguma forma, interpelam aos senhores do templo: Qual é o sentido e a missão da Igreja? 

Sonhamos com tempos nos quais padres e bispos não somente não se oponham, como fiquem felizes quando suas Igrejas forem ocupadas pacificamente por grupos populares que defendem a justiça e a vida para todas as pessoas humanas e na comunhão com todos os seres vivos.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga