Paraíba

REPRESENTATIVIDADE

Indígena paraibana, Eliane Potiguara, é indicada ao Prêmio Nobel da Paz

Professora, ativista, empreendedora e escritora, é a primeira indígena doutora honoris causa pela UFRJ

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Eliane Potiguara - Foto: Divulgação - Imagem Reprodução

Eliane Lima dos Santos – mais conhecida como Eliane Potiguara, por pertencer a esse povo  –  é uma das mulheres selecionadas para o projeto internacional Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz. A indicação aconteceu em 2005, e sua história e trajetória serão contadas em livro este ano.

Professora, escritora, ativista e empreendedora, é a primeira indígena doutora honoris causa pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, aos 71 anos, também é considerada a primeira escritora indígena do Brasil, com sete livros lançados, sendo o mais recente A Cura da Terra, voltado ao público infantojuvenil.

A família de Eliane se viu forçada a migrar do Nordeste para São Paulo. Seu bisavô foi o guerreiro indígena Chico Solón, desaparecido das terras indígenas paraibanas por volta de 1920, quando se instalava ali a neocolonização da agricultura algodoeira causando a fuga de famílias indígenas, oprimidas pela escravidão moderna.  


Ilustração / Imagem Reprodução

 “Minha família veio do nordeste por causa da violência do colonizador, do plantio do algodão, em meados de 1920. Foi um processo de migração compulsória. Naquela época os indígenas eram transformados em mão de obra semiescrava para trabalhar no plantio do algodão administrados pelos neocolonizadores ingleses que se instalaram nos arredores de Rio Tinto, Estado da Paraíba ”, conta.

Nas ruas do Rio de Janeiro

A família se estabeleceu nas ruas do Rio de Janeiro, inicialmente e, depois foi morar no Morro da Providência, Central do Brasil e na Rua General Pedra nº 263, zona do Mangue, onde viviam as prostitutas e os imigrantes da 2º guerra mundial, os bananeiros, carvoeiros portugueses, italianos e gente muito pobre e sofrida. 

Depois foram morar no Morro de Cavalcante, numa espécie de sítio onde tudo plantavam. A avó era a matriarca responsável pelo repasse dos seus conhecimentos tradicionais desde a alimentação, cura até a contação de histórias. 

Em meio a esse imenso desafio, Eliane, que é carioca, mas seu povo é originário da Paraíba, amadureceu e encontrou um grande dom: a escrita. Aos sete anos, já redigia correspondências para a avó, analfabeta, que precisava se comunicar com os parentes e amigos que ficaram na Paraíba. A mesma avó que foi a responsável por custear seus estudos. "Ela era uma empreendedora de vender bananas, chamada Maria de Lurdes de Souza, filha de Chico Solón”, lembra, cheia de orgulho.

Luta pelo empoderamento das mulheres indígenas

Na adolescência Eliane já tinha uma consciência crítica forjada na história da própria família e “pelos cochichos que ouvia dos adultos” que faziam parte do círculo de amigos, como ela mesma gosta de contar. E não demorou muito a ocupar um papel de destaque na luta pelo empoderamento das mulheres indígenas. Um marco importante em sua trajetória foi a fundação da Rede GRUMIN, na Paraíba, em 1987, organização que até hoje cumpre o papel de educar e apoiar as mulheres indígenas. Dois anos depois, lançou seu primeiro livro A terra é a mãe do índio.


Presidenta Dilma Rousseff entrega a Eliane Potiguara "Orden do Mérito Cultural". A Ordem do Mérito Cultural 2014 é uma premiação do governo brasileiro/Minc que visibiliza as culturas e os saberes / Imagem Reprodução

“O Brasil desconhece totalmente a cultura indígena, apesar da maioria do povo brasileiro ter sangue indígena, pois somos um país miscigenado. Quem não sabe um costume indígena utilizado em sua residência, como dormir e descansar em rede, comer beiju  (tapioca), tomar banho diariamente, tomar chá para dor de barriga, por exemplo? As crianças e jovens vibram quando vou a uma escola contar histórias de nossos povos, de nossas origens de vida. Eles viajam num mundo mágico onde comungam espírito, razão e vida vivida”.

Reconhecimento e perseguições

O reconhecimento veio, porém, a projeção como figura pública também trouxe consequências inesperadas. “Os inimigos começaram a me perseguir e eu fui colocada numa lista de marcados para morrer em 1992, junto ao jornalista Caco Barcellos e um escritor do Mato Grosso. Foi uma coisa horrível e eu acabei ficando doente. Meus filhos não passaram de ano. Isso me prejudicou e nós somos prejudicados até hoje”, conta Eliane.

Ela levou o caso às Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, para denunciar as violações dos direitos humanos. Escapou das ameaças e tornou-se conhecida mundialmente, tendo sido convidada a discursar e a contribuir com a ONU (Organização das Nações Unidas) em diversas ocasiões.

Trajetória

Ao longo de sua carreira, Eliane tem trabalhado para valorizar e disseminar a herança do povo indígena potiguar, do qual é descendente. Formada em Letras (Português e Literatura) e em Educação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ganhou o prêmio literário do PEN CLUB da Inglaterra e do Fundo Livre de Expressão, dos Estados Unidos, com o livro-cartilha “A Terra é a mãe do índio”, que distribuía gratuitamente aos povos indígenas. É autora também dos livros “Metade Cara, Metade Máscara”, pela Global Editora, e do infantil “O coco que guardava a noite”, pela editora Mundo Mirim.

Incansável, Eliane participou, durante uma década, da formulação da Declaração Universal dos Direitos Indígenas na ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra. Na mesma cidade, atuou também no Programa de Combate ao Racismo, do Conselho Mundial de Igrejas. A mesma disposição levou-a a criar a Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, primeira organização do gênero no Brasil, inspirada na saga de sua avó. Com seu trabalho, Eliane acredita estar “transpondo barreiras, desafios, mares”. Seu espírito guerreiro a impele a defender os povos humildes, a tirar da invisibilidade os povos indígenas do país, principalmente as “sofridas mulheres”.

Por conta da idade e dos problemas de saúde, Eliane já não participa de passeatas e outros movimentos que exigiriam mais de seu físico, porém, afirma que jamais largará a militância. “Hoje atuo através da literatura, produzindo rodas de conversas, debates e livros sobre o viver indígena e a relação humana com o território”, diz.

Em 2022, ela pretende lançar dois livros. O primeiro, de poesias, deve sair em breve. O segundo reunirá crônicas que refletem suas histórias e experiências de vida, com lançamento previsto para o final do ano.


Livro mais recente, A Cura da Terra, é voltado ao público infantojuvenil / Imagem Reprodução

Associação Mil Mulheres para o Prêmio Nobel 

Ao longo dos 120 anos de existência do Prêmio Nobel, no total, 947 pessoas e 28 organizações receberam o Prêmio entre 1901 e 2021. Destas, apenas 58 são mulheres. Pensando em equilibrar esta balança, sensivelmente favorável aos homens, as mulheres suíças iniciaram um movimento e criaram a Associação Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz, com o objetivo de chamar a atenção pública para o importante, embora muitas vezes pouco reconhecido, papel da mulher na construção de um mundo mais solidário e pacífico. Entre as Mil Mulheres selecionadas estão representantes de 153 países

Os ganhadores de cada categoria dividem, entre si, um prêmio de 10 milhões de coroas suecas, ou cerca de R$ 6,3 milhões, além de uma medalha e um diploma. 
 

Com informações do Site Terra

Edição: Heloisa de Sousa