Pernambuco

ENTREVISTA

"Onde existe uma palmeira em pé, ali existe uma mulher", diz quebradeira de coco babaçu

Guardiãs da natureza, as quebradeiras hoje convivem com ameaça do plantio de eucalipto, como explica Maria Alaídes

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Maria Alaídes é coordenadora-geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) - Ingrid Barros/Casa Ninja Amazônia

Você conhece o babaçu? É uma planta da família das palmeiras, predominante no cerrado brasileiro. Dela, é possível extrair o fruto comestível que chamamos de coco babaçu e que dá origem a óleos vegetais, sabonetes, cachaças, carvão e até artesanatos.

O coco babaçu representa também a maior parte da renda de muitas mulheres trabalhadoras rurais, mais conhecidas como quebradeiras de coco. Na semana do Dia Internacional de Luta das Mulheres, o Trilhas do Nordeste foi até o Maranhão saber um pouco mais sobre a vida dessas mulheres através de Maria Alaídes, liderança quebradeira de coco e atual coordenadora geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que agrega os estados do Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins. Confira os principais trechos da entrevista:

Brasil de Fato Pernambuco: Maria, Por que o trabalho de extração do babaçu é predominantemente ocupado por mulheres?

Maria Alaídes: O trabalho, o ofício da quebra de coco babaçu é tradicionalmente conhecimento tradicional. Ele é econômico, ele é social, cultural e é ambiental. Isso tudo se deu pelo repasse de conhecimento das nossas avós e de nossas mães. Mas, associado a isso, as mulheres tem a maior parte das atividades como sua função, sua responsabilidade, porque, como de costume, sempre a mulher tem tripla função e a gente, ainda hoje, está nesse patamar.

BdF PE: Como vocês se organizam atualmente como trabalhadoras?

Maria: Cada mulher teve seu espaço conquistado a partir da sua realidade, da sua vivência, na sua categoria, de classe. Nós do Movimento Interestadual das Quebradeiras fizemos a junção das nossas forças através das articulações locais, regionais e municipais e também vindo da igreja. 

As lideranças que representam hoje as mulheres, a gente foi se organizando aos poucos nos clubes de mães, com pequenas lavouras, com agroquintais, até chegar a criar uma associação municipal, intermunicipal, fazer parte de delegacia sindical, ocupar o espaço onde só os maridos, só os homens vivenciavam e ocupavam e a gente sempre ficava como dependente deles.

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BdF PE: Segundo uma matéria publicada no Brasil de Fato, vocês têm enfrentado problemas com a indústria de produção de papel, que desmata áreas de babaçuais para a plantação de eucaliptos. O que isso tem impactado na vida de vocês?

Maria: Nós somos impactadas de várias formas e essa situação que você cita, que fica ali na região tocantinense e em Imperatriz (MA), que é uma grande opositora ao nosso projeto de sociobiodiversidade. A gente fica impactado na questão territorial, de desmatamento, das queimadas do coco inteiro. Os impactos são econômicos, sociais e ambientais.

A gente, há muito tempo, está convivendo mas é de uma forma muito difícil de se conviver, por que além do coco ficar preso, ainda tem isso tirar o babaçu pra mudar a vegetação trazendo uma espécie que, pra nós, também afeta a questão do inverno, das chuvas, do clima, do sistema climático como um todo

BdF PE: O que faz da atuação das quebradeiras de coco uma prática de cuidado com a natureza?

Maria: As quebradeiras de coco tem, na sua essência, a palmeira como mãe. E essa palmeira é quem deu a vida pra mim, pra nós, todas as Marias dos quatro estados, especificamente o Maranhão. Hoje ela é o ouro, ela é a nossa conta poupança e ainda não foi substituída por nenhum tipo de produção que possa dizer que vai substituir o babaçu.

O babaçu, para nós, além de ser essa vida, é uma cobertura vegetal que nos ampara e traz ar puro, oxigênio… o babaçu é a nossa vida. Onde existe uma palmeira em pé, ali existe uma mulher.

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Edição: Vanessa Gonzaga