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Coluna

Guerra na Europa e as disputas geopolíticas

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"As guerras contra as vidas e a destruição ambiental que levará ao esgotamento da reprodução das vidas não nos interessa"
"As guerras contra as vidas e a destruição ambiental que levará ao esgotamento da reprodução das vidas não nos interessa" - Dimitar Dilkoff / AFP
Somos contra a guerra, defendemos a paz e a soberania dos povos e das nações

Não tenho intenção, aqui omitir uma opinião ou condenar um lado. Busco analisar os fundamentos e as causas que deram origem a esta guerra. O mais importante em momentos de guerra é defendermos alguns princípios que são determinantes e fundamentais para nos posicionar. 

O primeiro é a intransigente defesa da vida e da paz. O segundo é a defesa da soberania dos povos ou das nações, o que é determinante e devemos ter clareza do que significa. Mesmo que sob o jugo de governos de regime ditatoriais ou cunho fascista, os povos desse país terão a autonomia e a soberania para aceitar ou lutar para derrubar governos antidemocráticos. Por último, a defesa contra guerras e contra a destruição de estruturas sociais, de vidas humanas. Assim, como introdução, poderíamos nos posicionar, de forma simples, que somos contra a guerra, defendemos a paz e a soberania dos povos e das nações. 

Precedentes históricos

Como consigna, a palavra de ordem seria “fora Rússia da Ucrânia, não à guerra”. No entanto, a guerra que está ocorrendo no leste europeu, entre Rússia e Ucrânia, tem suas particularidades.  Primeiro, compreender que a guerra não teve início agora, mas há 8 anos atrás, ou seja, desde 2014, quando o presidente Viktor Lanukovytgh que governava a Ucrânia com alinhamento à Rússia, foi deposto após 93 dias de intensos protestos populares. Tal deposição foi conspirada desde a Casa Branca contra a aproximação do governo com a Rússia e por rejeitar o acordo com a União Europeia. Assume no lugar um governo que vira as costas à Rússia e passa a subserviência à Europa e aos Estados Unidos da América.

Em 2019, perde as eleições, no segundo turno, por 73% dos votos para Volodymyr  Zelenski , declarado de ideologia ultra conservadora e nazista. Zelenski tem como referência, o ex-presidente Norte Americano Donald Trump, sendo conhecido anteriormente como o ator e comediante que fazia piada dos políticos ucranianos, debochando deles e da política.  Aos 44 anos, mesmo sem nenhuma experiência política, até porque era contra os políticos, venceu a eleição e, desde 2019, assumiu o principal cargo do país. Desde que assumiu o governo, tem provocado e utilizado de violência contra a população que se rebela contra o seu governo, estabelecendo uma guerra declarada, com muita violência, contra as regiões da Ucrânia que decretaram sua autonomia em relação ao Estado ucraniano.

Estamos hoje, em meio à uma guerra da Rússia contra o governo e o Estado da Ucrânia. Para compreender as causas que levaram a Rússia a declarar guerra, ou na linguagem, uma operação militar especial, temos que analisar todos os aspectos que envolvem este processo de guerra: os aspectos políticos e ideológicos, os aspectos econômicos, as questões e disputas geopolíticas e as mais diretamente relacionadas à questão militar. O conjunto desses fatores levou a uma guerra entre povos que têm origens comuns. 

Quanto à questão política e ideológica que está imbricada neste processo, temos uma Ucrânia dividida entre pró-Rússia, com cultura e tradição mais próxima da Rússia, com postura política democrática; e uma Ucrânia europeia, conservadora, com preconceito e fobia em relação à Rússia. Desde a segunda guerra mundial, quando a Ucrânia foi invadida pelos nazistas alemães, parte da sociedade e do Estado da Ucrânia aplaudiram a invasão do exército nazista alemão. Com a vitória dos aliados e a importante força do exército da União Soviética contra os nazistas, comandados por Hitler, a então União Soviética forma um grupo de países do leste europeu que passam a se declarar socialistas. Estes permanecem alinhados politicamente à União soviética e a alguns países anexados ao estado soviético.

Uma parte menor da população permaneceu conspirando contra o Estado soviético e contra a União Soviética. Se mantiveram ideologicamente nazista e contrários ao modelo socialista conduzido pela antiga União soviética. Com o fim da guerra fria e o fim do Estado da União Soviética, alguns países que formavam o bloco sofreram os efeitos da ideologia neoliberal, da globalização da economia, e foram influenciados pela propaganda e ideologia consumista americana, o que os levou a romperem relação e se desintegrarem da antiga URSS. 

Com a desintegração da URSS, a Rússia volta a ser Federação Russa ou simplesmente Rússia, sendo hoje o maior país em extensão do mundo, com mais de 17 milhões quilômetros, e uma população de 144 milhões de habitantes. 

A Ucrânia é um desses países que estava integrada à URSS e volta a ser um Estado independente, tendo hoje uma superfície de 603.628 Km², uma população de 43 milhões de habitantes, sendo o segundo maior país da Europa, só perdendo para a Rússia.

Como dito anteriormente, a população da Ucrânia sempre esteve dividida entre parte da população que, geograficamente, está mais próxima da Rússia, com identidade cultural e posição política mais próxima a este país; enquanto a outra parte da população está, geograficamente, mais próxima da Europa, com comportamentos, posicionamentos políticos ideológicos e modo de vida mais europeizados. Esta parte da Ucrânia tem uma visão ideológica anticomunista e antirrússia. O atual presidente da Ucrânia defende o alinhamento do país à Europa e aos EUA e por isso cedeu à exigência dos governos americano para fazer parte da OTAN.

Com as manifestações de 2014 os fascistas ganharam espaço politico, com apoio da mídia e o controle das redes sociais, construindo na Ucrânia um sentimento político anti Rússia. Muito parecido com o golpe político midiático de 2016 no Brasil, quando destituíram a presidenta Dilma, forjaram no seio da sociedade um sentimento antipetista e antilula que levou o povo brasileiro a uma descrença nas instituições e na política, o que culmina na eleição para presidente da república, de um “político” fascista, que se declarava anti-político.

Na Ucrânia o clima antirrússia, denominado de “russofobia”, de ódio às regiões pró Rússia e contra a oposição, propaga-se dizendo que “todo Russo é comunista e consequentemente é antidemocrático”. Ressurge, com força, um nacionalismo conservador de cunho facista que culminou com a eleição de Volodymyr  Zelenski  em 2019.  

A russofobia foi utilizada nesses últimos oito anos para impor um processo de violência contra as regiões da Ucrânia, em especial as províncias de Donetsk  e Luhanskt, que se autodeclararam repúblicas populares, a contragosto do governo de Volodymyr  Zelenski. Assim, podemos dizer que uma das causas da guerra tem base nesta questão histórica de disputa entre o governo da Ucrânia e as regiões separatistas. A Rússia declara uma operação militar especial (leia-se guerra) que, segundo eles, por uma necessidade de proteger as regiões separatista das agressões que vinham sofrendo do governo da Ucrânia.

Economia

Em relação aos aspectos econômicos, há vários interesses em jogo. A Rússia, para defender a produção de petróleo e gás que são transportados por dutos que passam por território ucraniano, precisa enfrentar o governo ucraniano hostil à Rússia que entende estar permanentemente refém da possibilidade de boicote da Ucrânia à economia Russa. No entanto, ainda do ponto de vista econômico, o mais interessado na guerra são os EUA que sabem os custos de uma guerra prolongada. Este pode utilizar as instituições internacionais como a ONU para aplicar sanções contra a Rússia para desmoralizar sua potência militar, desgastar o ímpeto e sua capacidade de desenvolvimento econômico. Do ponto de vista geopolítico, a Rússia passa a ser, não apenas um poderio bélico, mas um poderio econômico aliado à China, disputando diretamente a hegemonia econômica com o império norte-americano. 

Portanto, uma Rússia economicamente falida e militarmente desmoralizada na disputa geopolítica se transforma em um aliado a menos do seu principal rival, a China. Com objetivo de transformar esta guerra em uma guerra prolongada, países da Europa, EUA e Canadá estão procurando um meio de atacar sem enviar forças militares para combater a Rússia no front, já que a Ucrânia ainda não é oficialmente membro da OTAN. Buscam enviar armas e munição aos grupos de mercenários neonazistas, com objetivo de armá-los como paramilitares e construir um processo de guerra de resistência permanente contra a intervenção militar russa, até o final da guerra.  Paralelamente, visam criar as condições, estruturais e logísticas, para, posteriormente, combaterem um possível governo pós-guerra constituído pelos Russos, gerando uma guerra civil violenta.

Temos que estar, permanentemente, observando os detalhes das informações para ir acompanhando os possíveis desfechos e as perspectivas da guerra. A guerra de informação é parte da guerra para isolar o inimigo, construindo, principalmente através de imagens, uma narrativa que condene a Rússia e gere sentimento de compaixão para com o lado defendido pelos EUA. Neste momento, os países membros da OTAN, coordenados pelos serviços de inteligência norteamericanos, repassam para os veículos de informações locais as informações que interessam aos americanos. Produzidas pela CNN, com objetivo de construir no mundo um sentimento e uma narrativa anti- Rússia e de demonização de Putin, transformam o presidente da Ucrânia em vítima do processo e, transformam-no em um grande estadista.

Consequências

Quais as consequências da guerra? A primeira e principal consequência são as perdas de muitas vidas humanas, ceifadas por motivos quase sempre alheios ao seu cotidiano. Milhares de mutilados da guerra, seja fisicamente, seja psicologicamente por traumas decorrentes da perda de parentes e amigos, pela destruição do seu espaço de vida e  por medo, por terem abandonado sua terra sem nada, deixando para trás o que tinham para fugir da guerra e tentar salvar suas vidas e de sua família. 

Fico imaginando, quando a CNN passa imagens e números de civis mortos, as diferenças propagadas e normalizadas, como se matar militares fosse normal. Infelizmente os militares são parte da guerra, em maioria soldados da mais rasa patente militar, os combatentes que, em sua maioria, de ambos os lados, são jovens, filhos de trabalhadores e trabalhadoras pobres. No caso da Ucrânia é pior ainda. Estão convocando para guerra jovens e pais de famílias, sem nenhuma experiência militar, gente que nunca viu uma arma de perto.

É um suicídio coletivo, provocado por um governo fascista, que arma a população para provocar o cunho mais violento de uma guerra. Vê-se aqui que se abandona o objetivo da guerra e passa-se a mover unicamente pelo ódio e pela fobia contra um governo ou contra um povo.  É inaceitável que em pleno século 21, quando o mundo vive uma revolução tecnológica no sistema de informação e comunicação, da tecnologia digital, assistir uma guerra na proporção que estamos acompanhando.

 O mundo vai sofrer consequência em vários níveis, como a agudização da crise econômica, que já vivemos desde 2008 mas que, com a guerra, tende a aumentar a sua intensidade. Isso significa crises de abastecimento, alta de preços de alimentos, aumento da inflação e possível valorização do dólar.  A tendência é da crise econômica se alastrar por todos os países, na medida em que a guerra toma mais corpo e se prolonga. Normalmente se diz que se sabe quando uma guerra inicia, mas não se pode prever quando e como ela termina.

 Quais as consequências da guerra para países como o Brasil? Do ponto de vista político ainda é muito cedo para prever quais as consequências ou desdobramento da guerra na política ou, no caso do Brasil, nas eleições de outubro de 2022. Esperamos que tenhamos tempo para mostrar à população as inconsequências de um governo de ideologia fascista que se movimenta abastecida pelo ódio e fobias. Na economia, as consequências já são perceptíveis e vão ser implacáveis para as economias em desenvolvimento que dependem do mercado internacional. Lembremos que a Rússia é  um dos maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo, o maior produtor de gás, e que a Europa depende de 45% do gás da Rússia. O país é um dos maiores produtores e exportadores de trigo e o Brasil depende mais de 30% do trigo da região em conflito. Há uma dependência geral da importação de insumos agrícolas, em especial de fertilizantes químicos. 

A Ucrânia, da mesma forma, tem vastas planícies de terras agricultáveis, sendo um importante exportador de produtos agrícolas para o mercado internacional, principalmente trigo e milho. No caso da Rússia, a produção pode não ser afetada pela guerra, mas o comércio internacional será afetado pelas sanções econômicas impostas à Rússia pelos países da OTAN, liderado pelos EUA. Na Ucrânia os conflitos poderão inviabilizar o plantio de trigo e de milho neste ano, com consequência imediata para os países importadores. Primeiro porque na Ucrânia a produção agrícola vai ser praticamente zero e segundo porque as sanções aplicadas à Rússia impedirão as exportações.

Apesar das distâncias geográficas dos espaços em guerra, as informações chegam a cada minuto, sendo, talvez, a primeira guerra que se assiste praticamente ao vivo, no mundo inteiro. Da mesma forma se alastram suas consequências, de forma rápida e avassaladora contra todos os países, o que nos localiza em meio à guerra, indiretamente. 

Até a pandemia de Covid-19 está dando uma trégua. Chega de guerra, de violência, de ódio, que não é de classe. Vamos torcer para que ela possa ter um desfecho e desdobramentos o mais rápido possível para salvar muitas vidas e distensionar o planeta. Reconstruir tudo o que a burguesia, em nome do lucro, tem destruído. As guerras contra as vidas e a destruição ambiental que levará ao esgotamento da reprodução das vidas não nos interessa.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga