Rio Grande do Sul

LUTA POR MORADIA

Após protestos, movimentos contra despejos e remoções abrem diálogo com o TJRS

Desembargadores vão chamar uma reunião entre entidades e representantes dos Poderes Executivos do estado e municípios

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Fim da vigência da decisão do STF que suspendeu as remoções forçadas durante a pandemia preocupa movimentos populares - Foto: Carol Ferraz

O Dia Nacional de Mobilização pelo Despejo Zero foi marcado pela luta por moradia em diversas capitais no dia 17 de março. Em Porto Alegre, após realização de ato público, protocolo de projeto de lei e instalação de acampamento em frente ao Tribunal de Justiça (TJRS), os movimentos populares conquistaram uma via de diálogo. Ainda na quinta-feira (17), foram recebidos pelo 1º vice-presidente do TJRS, o desembargador Alberto Delgado Neto, que encaminhou o grupo para uma conversa com a coordenadora do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) do TJRS, desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak.

Realizada na sexta-feira (18), a audiência com a desembargadora Vanderlei contou com a presença da juíza-corregedora Geneci Ribeiro de Campos, que atuou na mediação de conflitos fundiários na Capital, e de servidoras do NUPEMEC. Teve como encaminhamento a realização de uma nova reunião onde serão convidados representantes dos Poderes Executivos do estado, municípios e instituições ligadas à área, para que se encontrem soluções conjuntas para a questão. Também ficou definida a realização de cursos sobre direitos humanos no TJRS no que diz respeito à temática e o reforço das recomendações que já existem sobre despejos para desembargadores e corpo técnico do Tribunal.


Comitiva dos movimentos sociais foi recebida pela desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak no TJRS / Foto: Juliano Verardi

Os movimentos e entidades estão mobilizados por conta da preocupação com o fim da vigência da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu as remoções forçadas durante a pandemia, marcada para o dia 31 de março. A estimativa é que meio milhão de pessoas correm risco de serem removidas nos próximos meses em todo o país. Somente no Rio Grande do Sul, são 50 mil famílias que vivem em áreas de risco ou em condições irregulares.

A desembargadora Vanderlei destacou a importância de buscar soluções dialogadas para uma demanda social complexa, que envolve direitos essenciais. “O NUPEMEC visa dar concretude à política institucional de adoção dos métodos autocompositivos para que possamos encontrar soluções que sejam adequadas a todos os envolvidos em determinado conflito”, afirmou. Sobre a questão que envolve a falta de moradia de milhares de famílias brasileiras, afirmou se tratar de uma realidade dramática. “A solução ideal é que todos tenham moradia digna, o que demanda políticas públicas e, principalmente, interesse de todas as partes em resolver este problema."

O dirigente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH/RS), Julio Alt, conta que foi uma reunião longa e que o grupo foi bem recebido. “A gente considera essa reunião muito importante, se ela acontecer, da qual o Tribunal de Justiça ficou de organizar, convidar as instituições, para a gente pensar a política pública de moradia”, afirmou sobre o encaminhamento proposto pela desembargadora.

Eduardo Osório, da coordenação do Movimento dos/as Trabalhadores/as Sem Teto (MTST/RS), disse que o movimento junto ao TJRS ocorreu no dia em que foi protocolado no STF um pedido de prorrogação da ADPF nº 828, na tentativa de criar uma outra forma de evitar despejos e criar uma política de mediação. “A gente protocolou também na Assembleia o PL Despejo Zero, construído pelos movimentos sociais e protocolado a partir das bancadas do PDT, PSOL e PDT."

Ele também destacou a recepção positiva da primeira reunião com o vice-presidente do TJRS, que “se mostrou sensível à causa” e encaminhou que o tema deveria ser tratado pelo NUPEMEC. “Demonstra que a Justiça gaúcha está sensível à crise da moradia no Brasil e preocupada com o que pode acontecer se a ADPF não for renovada. A gente pode viver uma epidemia dos despejos, agravando ainda mais a pandemia.”

Porém, ressaltou que a maior preocupação é o tempo, “uma luta contra o relógio antes que uma catástrofe aconteça”, já que faltam 10 dias para o fim da vigência da ADPF. “A gente sabe que o tempo da Justiça e que o tempo de tramitação do PL Despejo Zero não é o tempo da realidade do Brasil hoje, nesse contexto de crise social, econômica e sanitária muito agravada.”

Ceniriani Vargas, integrante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), destaca a importância da permanência do movimento em frente ao Tribunal para a sensibilização dos magistrados, já que “é ali que se tomam essas decisões em relação às reintegrações de posse, aos despejos, são eles que têm o poder de caneta”.

Segundo ela, o TJRS colocou a questão da hierarquia ao informar que não teria poder de influenciar na ação no STF (ADPF nº 828) que pode gerar uma “calamidade pública”. “Mesmo com a ADPS, os despejos não pararam no país, então imagina sem essa proteção legal, os próximos dias vão ser de muita tristeza”, lamenta.


Manifestantes acamparam em frente à sede do TJRS em Porto Alegre / Foto: Divulgação

Interior do RS não tem estrutura de mediação

Ceniriani chama a atenção para a falta de estruturas de mediação de conflitos fundiários no interior do estado, ao contrário de Porto Alegre e alguns municípios da região Metropolitana que contam com o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). Contudo, falou-se na possibilidade de que os processos que tramitam no Interior pudessem ser tratados dentro do CEJUSC.

“Só em Passo Fundo são 50 ocupações com ação de reintegração de posse, e lá o Judiciário não tem uma estrutura de mediação. Por isso, foi pensada a possibilidade de, havendo audiências virtuais, que também se remetam pra cá essas mediações”, ressaltou.

A integrante do MNLM pontuou que a existência de famílias vivendo em moradias irregulares se dá pela incapacidade do poder público realizar projetos de habitação. “Sem possibilidade de reassentamento, de realocação em outros lugares, realmente vão ficar na rua, sem teto, aumentando ainda mais os problemas da população em situação de rua, que a gente observa há algum tempo que vem mudando o perfil, hoje com famílias inteiras na rua, crianças, algo que há muitos anos a gente não tinha.”

Falta de moradia atinge mais a mulheres e população LGBT


Encontro Estadual das Mulheres do MNLM na sede do Simpa / Foto: Divulgação

Ceniriani destacou ainda o Encontro Estadual das Mulheres do MNLM, no sábado (19), planejado para ser realizado na ocupação em frente ao TJRS, mas que ocorreu na sede do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) devido ao tempo chuvoso. “São 500 mil pessoas ameaçadas de despejo no país, a maioria chefiada por mulheres, então estamos falando em mais de 300 ou 400 mil mulheres ameaçadas de despejo no país.”

Segundo ela, comprova essa situação a composição de mais de 70% do povo que foi para as ruas no dia 17 ser de mulheres, “e as mulheres com os filhos pendurados”. “Infelizmente são as mulheres que enfrentam a realidade de precariedade da moradia, a falta dos serviços básicos, falta de água, de luz, de saneamento básico, a falta de conforto e dignidade no local das moradias”, disse.

O acampamento teve também uma plenária do coletivo LGBTQIA+ do MNLM. “Outro dado que a gente tem observado é o número de pessoas trans aumentado muito nas ruas das cidades, somado a todas as dificuldades, sendo o Brasil o país que mais mata pessoas LGBT no mundo. É uma população que acaba não acessando politicas de moradia, não tem reconhecimento da família homoafetiva para poder acessar um financiamento público de moradia”, explicou.

Outras deliberações da reunião

Ao final do encontro, além da reunião interinstitucional, foi definido que o NUPEMEC entrará em contato com a Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) sugerindo o envio de ofício aos magistrados para que, em caso de determinação judicial por desocupação coletiva de imóveis, observem a Recomendação n° 10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e a Recomendação n° 90, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Outra sugestão é a realização de cursos para magistrados e servidores que abordem o direito fundiário. A juíza-corregedora Geneci Ribeiro de Campos destacou que isso já vem ocorrendo nos Cursos de Atualização de Magistrados (CAM), ministrados pela CGJ. “Essa demanda integra o tema que aborda questões vulneráveis. Ela também está na Agenda 2030 e reconhecemos a sua importância.” Ela também se colocou à disposição para pensar em outros projetos, especialmente para atender as demandas do Interior.

Também participaram da reunião Jucemara Beltrame (Rede Nacional de Advogados Populares), Eduardo Osório (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Cristiano Muller (Campanha Despejo Zero) e Marcelo Cafurne (UFRGS).

* Com informações do TJRS


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Edição: Katia Marko