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Desigualdade na educação: Fracasso escolar é maior entre estudantes não brancos em Pernambuco

Indicadores também mostram que taxa de atraso escolar mais que dobra em alunos com deficiência

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Para especialista, números mostram que as escolas são reprodutoras de desigualdade social - Andréa Rêgo Barros/ PCR

Os indicadores do ensino público revelam que a desigualdade social tão característica do Brasil se traduz também no contexto das escolas. As populações de maior vulnerabilidade são as que mais lidam com a situação de fracasso escolar, segundo os dados de 2020 do levantamento Trajetórias de Sucesso Escolar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em parceria com a Samsung e a Cidade Escola Aprendiz. Em Pernambuco, não é diferente: estudantes não brancos são os que proporcionalmente mais encaram dificuldades de acompanhamento e permanência nos colégios.

Em primeiro lugar, há de se definir o que é fracasso escolar. A pedagoga Luciana Rosa Marques, doutora em Sociologia, resume que o conceito está relacionado com a não obtenção pelo estudante de bons resultados acadêmicos. Na pesquisa, ela é descrita sob os eixos distorção idade-série (quando o estudante está com dois ou mais anos de atraso escolar), reprovação e abandono escolar.

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Quando se trata de distorção idade-série, havia em 2020, em Pernambuco, 287.143 estudantes das redes municipais e estaduais com dois ou mais anos de atraso escolar, o que corresponde a 23% do total. No recorte de raça, estavam nessa situação 20,78% (42.414) dos alunos brancos;  27,25% (9.555) dos alunos pretos; 23,75% (141.070) dos alunos pardos; 21,23% (771) dos alunos amarelos; e 33,60% (4.500) dos alunos indígenas; fora os que não tiveram etnia declarada. 

As desigualdades também aparecem no recorte por localidade. Ainda que a distorção nos ambientes urbanos (23,6%) seja maior que na zona rural (20,59%), ela dispara nos territórios indígenas, com 39,22% ou 4.413 alunos em situação de atraso. 

Nacionalmente, a taxa de distorção idade-série total de 2020 era menor que a do Estado, com 5.807.374 (20,4%) estudantes atrasados. No entanto, a discrepância entre os jovens brancos e não brancos era muito maior. O problema atingia 14,13% (1.215.734) dos alunos brancos; 29,46% (300.144) dos pretos; 23,29% (2.656.332) dos pardos; e 38,36% (92.441) dos indígenas.

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Para Luciana, os números mostram que as escolas acabam sendo produtoras e reprodutoras de desigualdade social. “Onde estão mais concentradas a repetência, a evasão e distorção é nas camadas sociais que apresentam milhares de outros indicativos de desigualdade social. Você vê que pretos e pardos têm a distorção de série maior, e que eles são a grande maioria dos alunos das escolas públicas”, comenta.


Estudantes não brancos são os que proporcionalmente mais encaram dificuldades em passar de ano / Governo PE

A diferença no desempenho de alunos sem deficiência e com deficiência é a maior de todas: a taxa de distorção idade-série mais que dobra do primeiro grupo (22,24%) para o segundo (54,18%). A especialista diz que os percentuais falam da falta de estrutura para acolher os alunos PCDs. “Tem escolas sem apoio para alunos com autismo e que precisam de apoio mais individualizado, e para aqueles que têm deficiência física, tem muitas escolas que não tem adaptações em banheiros, rampas, portas grandes que contemplem pessoas em cadeiras de rodas”, cita.

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Professora da disciplina Pesquisa e prática pedagógica focada em Gestão da Escola, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciana ouve relatos dos graduandos que presenciam essa realidade de perto. “Ontem escutei alguns depoimentos de alunos que são estagiários na rede municipal dizendo que o professor segrega os alunos especiais dentro da sala de aula. Falam que eles deveriam ir para outra sala, ter um ambiente diferenciado. Ou seja, o preconceito e as dificuldades sendo colocados pelos próprios professores e escolas. Além da estrutura física e humana, é preciso formação dos docentes em serviço para acolhimento e trato dos alunos”, defende.

Reprovação e abandono escolar

Por 2020 ter sido um ano atípico, com a chegada da pandemia da covid-19 e a suspensão das aulas presenciais, os dados sobre reprovação e abandono escolar não podem ser comparados com números anteriores. Como diz em nota de esclarecimento a Trajetórias de Sucesso Escolar, as redes de ensino tiveram que se adaptar muito rapidamente a essa nova realidade, “alterando calendários escolares e a maneira de analisar a frequência escolar e avaliar o desempenho dos estudantes”. 

A consequência disso foi que, em todo Brasil, a taxa de aprovação foi de 98,8% em 2020, frente a 92,6% em 2019. Em Pernambuco, os índices correspondem, respectivamente, a 99,9% e 93,7%. Em relação à taxa de abandono, 0,1% ou 1.851 jovens pernambucanos deixaram a escola em 2020, e 1,2% (15.185) em 2019. No Brasil, a taxa foi de 1,2% (342.806) em 2020, enquanto em 2019 foi de 2,2% (623.187).

“Os resultados de fluxo escolar de 2020 são consequência de medidas adotadas para responder à pandemia, como o 'continuum' curricular e a flexibilização regulatória para a adoção de medidas que minimizassem a evasão e a reprovação escolar. São, portanto, retrato de um momento de exceção, e não devem ser comparados com os índices de anos anteriores; não se tratam de indicadores idênticos ou que medem o mesmo fenômeno”, afirma o texto.
 

Edição: Vanessa Gonzaga