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violência

Entregador do Zé Delivery é agredido por cliente em bairro nobre do Recife

Morador de edifício no Espinheiro bateu, ofendeu e ameaçou trabalhador por não ter subido com o pedido até o apartamento

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Acusado se trancou dentro de casa e Polícia não conseguiu autuá-lo em flagrante - Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Um entregador de aplicativo sofreu ameaças e agressões verbais e físicas por um cliente que exigiu que suas compras fossem levadas até seu apartamento, em um condomínio na área nobre do Recife. O motofretista Hanthony de Souza, de 34 anos, teria explicado ainda pela portaria que não poderia subir porque estava com mais de um pedido na moto, e porque as normas do aplicativo Zé Delivery de Bebidas não exigem que ele execute essa função. O morador enfim desceu, efetuou o pagamento e então passou a hostilizar o trabalhador. O caso ocorreu por volta das 18h30 desse sábado (2), em um edifício na Rua da Hora, no bairro do Espinheiro, Zona Norte da capital.

“Ele começou dizendo: ‘eu mandei subir, paguei para você subir’. Eu expliquei que era norma do aplicativo, e ele disse ‘não tem explicação, quem manda nessa porra sou eu, você tem que subir e acabou’. Ele me chamou de filho de rapariga e me deu um tapa no meio do peito”, relatou Hanthony. “Eu levei um susto, fiquei em choque, não esperava por isso. Eu disse: ‘você me respeite, estou trabalhando, se afaste de mim’, e ele respondeu que eu era frouxo, fodido”, completou.

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Depois disso, o homem desferiu mais ofensas, socos, tapas e chutes, dos quais o entregador conseguiu desviar da maioria. Segundo o trabalhador, o ocorrido foi testemunhado por pelo menos dez pessoas, incluindo moradores e um motorista de Uber que passava pelo local e registrou imagens do incidente. Ao sair do condomínio, Hanthony encontrou uma viatura da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) e chamou o efetivo até o local.

“O delegado confirmou que era um delito em flagrante, que ele poderia ser levado para a delegacia, mas ele se trancou no apartamento. A polícia quis tirar ele de dentro, mas não conseguiu”, narrou. Uma testemunha que não quis se identificar contou à reportagem que o suspeito se recusou a abrir a porta, gritou com os policiais, e disse que estava armado.  


Na imagem registrada por um motorista, Hanthony aparece deixando o edifício / Arquivo Pessoal

“No meio da discussão [entre os policiais e o morador], ele disse que se tivesse descido com a arma dele, tinha me dado dois tiros na cara”, completou Hanthony, que acompanhou a altercação do térreo. O sargento da PMPE foi até o local, e ainda assim não conseguiram levar o homem até a delegacia.

“Depois chegou um advogado da família. Os policiais saíram de mãos atadas, porque, como foi falado lá, tinha alguém com testa de ferro que desarmou delegado e sargento na hora da operação. O advogado não forneceu os dados dele, nem nome nem CPF. Estou com Boletim de Ocorrência (BO) registrado, mas não tem informação nenhuma do acusado. Mais uma vez o pobre se ferrou. Isso não vai dar em nada, mesmo que eu queira mais para frente entrar com um processo”, lamentou o trabalhador.

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 Segundo Hanthony, a discussão se estendeu até o fim da noite, por volta das 23h. A reportagem procurou a Polícia Civil e a Polícia Militar para saber mais informações sobre as diligências realizadas. Até a publicação desta matéria, só a Polícia Civil se manifestou, informando que está investigando o “caso de ameaça”. “De acordo com informações preliminares, a vítima, um homem de 35 anos, foi realizar uma entrega e acabou sendo agredido por outro homem de idade não informada. Foi instaurado inquérito policial para apurar o caso”, disse, em nota.


O caso ocorreu em um edifício na Rua da Hora, no bairro do Espinheiro, Zona Norte da capital. / Reprodução/ Google Street View

Aplicativos não prestam apoio

Embora só repercutam quando aparecem na mídia, casos como esse são comuns, disse o presidente da Associação dos Motofretistas de Pernambuco (AMAPE), Rodrigo Lopes. Ele contou que já acompanhou ocorrências similares, de entregadores que sofreram violência, mas que nunca viu uma providência sendo tomada por parte dos aplicativos. “Dificilmente se consegue falar com aplicativo. Só punem o lado do entregador, não punem o cliente”, falou. Para além de punição, tampouco há qualquer apoio jurídico para os profissionais que forem agredidos em serviço. 

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“Não pelo meu conhecimento. O único suporte que estão dando agora, é por conta da lei sancionada no dia 3 de janeiro, que diz que se os entregadores sofrerem acidente, o app é obrigado a pagar um auxílio por pensão, somente isso. Fora isso, acabou-se”, falou Rodrigo. 

Não é de hoje que a precariedade do trabalho por aplicativo é pauta dos trabalhadores da categoria. “É algo muito complexo, muito difícil, porque, se você ver, eles realmente não querem ter compromisso nenhum com o entregador. O que faz ainda ter somos nós, pessoas na linha de frente que brigam contra isso. Eles querem que você vá lá, mate e morra e acabou-se. Tanto que alegam que só são intermediadores”, relatou o representante.


Categoria foi às ruas no último dia 29 em Pernambuco / Divulgação

Na última semana, os motofretistas realizaram greves ao redor do país cobrando melhores condições de trabalho. Em Pernambuco, trabalhadores por aplicativos paralisaram as atividades e foram às ruas na última terça-feira (29) em pelo menos oito cidades: Recife, Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes e Ipojuca, na Região Metropolitana; Caruaru e Garanhuns, no Agreste; e Petrolina, no Sertão.

Na capital, os manifestantes saíram em direção à Câmara dos Vereadores, ao Palácio do Campo das Princesas - sede do Governo do Estado -, e à sede da Uber, pedindo, entre as demandas, reajuste de taxas para os aplicativos, redução de ICMS em cima do combustível e vagas para estacionamento, tanto para moto quanto para carro. O ato regional foi uma mobilização da indicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autonomos de Moto e Bicicleta Por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape) com a Associação dos Motoristas e Motofrentistas por Aplicativos de Pernambuco (Amape).

O que diz o Zé Delivery

Em nota, o Zé Delivery respondeu que está apurando internamente o caso de Hanthony para tomar as medidas cabíveis. "Usuários que não respeitarem essas condições serão bloqueados permanentemente da plataforma do Zé. Reforçamos ainda que possuímos canais de atendimento diretos com os entregadores parceiros para denúncias e notificações diversas, no próprio aplicativo do entregador, por chat", disse.

Os Termos de Uso do aplicativo já deixam claras algumas das políticas empregadas pela empresa. O documento informa, por exemplo, que o usuário “será imediatamente excluído da plataforma” se for verificada qualquer uma das hipóteses que constam na plataforma, que mencionam “qualquer conduta que exponha o Entregador à situação que coloque em risco sua saúde ou segurança; seja racista, xenófoba, misógina, homofóbica, preconceituosa ou que de qualquer forma incite ou faça alusão à violência, pedofilia, sexualização infantil ou intolerância religiosa" ou que "tenha caráter obsceno, difamatório, calunioso, ultrajante, injurioso e/ou que cause prejuízo ou dano a qualquer pessoa, na forma da legislação brasileira".

Mais à frente, a empresa expressa que “caso o Zé Delivery seja envolvido, de qualquer maneira, em cobranças extrajudiciais ou qualquer outra medida judicial em decorrência de danos causados por um Usuário ou pessoas de responsabilidade deste, este se obriga a intervir nos procedimentos em trâmite, de modo a isentar o Zé Delivery de qualquer possível resultado negativo. E, caso tais esforços não sejam suficientes, o Zé Delivery terá direito integral de regresso contra o Usuário quando o dano a ser indenizado decorra direta ou indiretamente da conduta, omissiva ou comissiva, deste.”


 

Edição: Vanessa Gonzaga