Rio de Janeiro

ARTE INDEPENDENTE

Do Maranhão ao Rio, poeta Herculano conta dificuldades de sobreviver como artista no Brasil

"O que falta é valorizar o artista que não está na mídia", diz o escritor que vive há 15 anos do seu trabalho com poemas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
"É preciso ter uma certa resiliência porque as dificuldades são diárias", diz o poeta - Reprodução/Acervo Pessoal

No Brasil, artistas independentes se esforçam diariamente para quebrar barreiras e conseguir visibilidade e reconhecimento do trabalho. Para os poetas pode ser ainda mais difícil, já que o país possui a média de leitura baixa, com cerca de 2,43 livros lidos do início ao fim por habitante anualmente, segundo a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, lançada em 2020.

Além disso, falta investimento do poder público. O governo de Jair Bolsonaro (PL) tem promovido o desmonte do setor cultural desde o início de seu mandato quando extinguiu o Ministério da Cultura.

O poeta cantador, Manoel Herculano, conhece de perto as dificuldades de trabalhar com arte no país. Nascido no Maranhão mas radicado no Rio de Janeiro, vive da sua poesia há 15 anos. Ele tem como inspiração para seu trabalho as duas cidades. Herculano escreveu dois livros “Ô de casa: Rio – Maranhão” e “Todos são poetas na praça”, agora se prepara para lançar o terceiro.

 

 

O programa Central do Brasil, uma parceria da rede TVT com o Brasil de Fato conversou com Herculano para saber mais sobre a história de poesia e resistência do poeta.

Confira a entrevista na íntegra:

Central do Brasil: Quais dificuldades você enfrenta para trabalhar exclusivamente com poesia?

Manoel Herculano: A gente vive num país em que a gente sabe que a arte não é reconhecida como profissão, principalmente a poesia que não é muito difundida. Até hoje me perguntam com o que eu trabalho, não conseguem entender que a poesia é o meu trabalho.

Para ser um poeta independente, um artista independente em um país que é maravilhoso, mas que tem essa dificuldade do reconhecimento da arte e do artista é preciso resiliência porque as dificuldades são diárias. Tem pessoas que ficam impressionadas em como eu vivo disso, e eu não só vivo como vivo feliz porque é um trabalho que me dá felicidade, não só com a realização pessoal, mas também quando eu vejo o retorno na satisfação das pessoas.

Conta para gente como você decidiu ser poeta.

Eu vim para o Rio de Janeiro há 30 anos, não para ser poeta, nessa época eu nem imaginava. Eu vim por sobrevivência, para arrumar trabalho. Sou autodidata, então eu comecei a aprender sobre teatro e onde tinha leitura dramatizada eu ia assistir.

Um dia me chamaram para um sarau chamado “Canto e Poesia”, a princípio eu não ia, mas uma amiga me puxou pelo braço e me levou. Lá ela me desafiou a ler um dos meus textos que eu havia feito para uma peça de teatro e eu nem sabia que tinha feito em forma de poema, aí essa amiga me disse que era um poema e na semana seguinte me levou para um sarau de poesia.

A partir daí começou a me levar em eventos de poesia e me apresentar para as pessoas, e aí eu percebi que eu já era poeta. Então fui estudar, aprimorar minha escrita e no ano seguinte eu comecei a fazer espetáculos como poeta cantador com a minha quitanda.

Você escreveu dois livros. Foram muitas dificuldades para conseguir publicar?

Eu fiquei 10 anos para lançar meu primeiro livro porque apesar de eu receber muitas propostas, elas eram absurdas.

Me ofereciam 5% [do preço] da capa, aí eu não aceitei porque eu queria viver disso. Então, fiquei 10 anos só fazendo espetáculos com a minha quitanda.

Eu ia onde me chamavam, até que em 2017 publiquei meu primeiro livro “Ô de casa: Rio – Maranhão”, e depois em 2019 publiquei o “Todos são poetas na praça”.

 E você está planejando publicar o terceiro. Quais as suas inspirações?

Meu primeiro livro “Ô de casa: Rio – Maranhão” traz na capa os azulejos representando São Luís do Maranhão e o calçadão de Copacabana representando o Rio, essa cidade que eu considero minha segunda terra natal, que me acolheu e me descobriu poeta, então eu quis fazer essa homenagem.

O “Todos são poetas na praça” traz fotos da Praça Gonçalves Dias, que fica em São Luís do Maranhão, e tem a apresentação do cantor Jorge Bem Jor. As duas cidades são minha inspiração. Agora, o terceiro livro vai ser com poemetos, o título vai ser “Poemas são destinos” porque eu quero inspirar as pessoas a pensar sobre meus versos.

O que você acha que poderia ser feito para incentivar que mais artistas independentes consigam viver exclusivamente de seu trabalho artístico?

Eu acho que o grande problema para a gente é a falta de apoio porque quando sai algum incentivo em relação às leis são para os grandes projetos, são para quem já tem uma estrutura de trabalho. Eu sou só eu e minha quitanda, se alguém me ligar hoje e pedir uma apresentação para amanhã eu vou.

Eu acho que falta valorizar o artista.

Falta apoio, e acho que deveria ter um olhar mais generoso do poder público para quem está fazendo um trabalho profissional. A gente depende da rede de amigos que divulgam nosso trabalho.

Além das suas apresentações com sua quitanda, você possui outros projetos?

Eu tenho um projeto chamado “Poesia em domicílio” para pequenas comemorações. Um jantar, um encontro com o grupo de amigos, algo que você queira um momento de poesia, então eu vou lá e recito e canto poesias.

É um projeto que me traz muita felicidade porque é mais intimista e a poesia precisa disso, não só ser ouvida, mas de ser vista e a gente conseguir ver nos olhos das pessoas.

E você tem um poema em homenagem ao Ariano Suassuna?

Em 2012, eu fui a uma aula-espetáculo do Ariano Suassuna, em Pernambuco, e nós nordestinos nos sentimos acolhidos quando temos alguém que fala com o sotaque mais próximo do nosso, ainda mais no caso dele que tinha uma simplicidade.

Eu fiquei com muita vontade de fazer essa homenagem porque eu acho que ele foi, é e será grandiosíssimo sempre. Inclusive esse poema em homenagem a ele está no meu primeiro livro “Ô de casa: Rio – Maranhão”.

Edição: Mariana Pitasse