Passos e ritmos

Samba pernambucano é exemplo de polifonia na chamada "Terra do frevo"

O termo "samba" foi usado ainda no século 19 para referenciar uma condição genuína ao gênero em Pernambuco

Ouça o áudio:

Com uma bateria formada só por mulheres, Grupo Sambadeiras se apresenta em Olinda durante o carnaval - Jan Ribeiro/Prefeitura de Olinda
Temos fazedores e fazedoras de samba com discurso de  pertencimento e registro oral muito forte

Quando se fala em Pernambuco, imediatamente se lembra do frevo. Aquele ruge-ruge do carnaval de rua, em Olinda ou Recife, que só o ritmo genuinamente pernambucano consegue dar conta. Frenético, acelerado, fervendo. 

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Mas o que alguns pesquisadores têm se esforçado para divulgar é que, além do frevo, Pernambuco também é do samba. Data do século 19 a primeira referência ao gênero no estado, no jornal "O Carapuceiro", quando a palavra "samba" foi mencionada como uma manifestação tipicamente pernambucana. O estranhamento com esse silenciamento ao longo do tempo inspirou novas pesquisas para reposicionar o samba na cultura do estado. 

“Eu comecei a me incomodar muito com a relação que o poder público tinha com o fazer samba aqui na nossa terra. E isso me instiga muito. Como é que você tem uma expressão musical que foi silenciada? A gente não tem registro nenhum desse samba do século 19”, aponta a produtora cultural Gabi Apolônio. 

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E foi para garantir essa memória, que Gabi Apolônio lançou o Mapeamento dos Fazedores do Samba, um documentário que reúne depoimento de lideranças, artistas e expressões do gênero em Pernambuco.

"Aqui, temos um samba historicamente negro. Temos fazedores e fazedoras de samba com discurso de  pertencimento e registro oral muito forte. Tínhamos um discurso antagônico dos pesquisadores e pesquisadoras, da gestão pública de cultura, como o samba sendo algo vindo de fora, de interposição do Rio de Janeiro ou por uma admiração do que se fazia no Rio de Janeiro”, ressalta a produtora cultural.


Entrada da sede do Grêmio Recreativo Escola de Samba (GRES) Preto Velho, em Olinda. / Crystian Cruz

E a relação territorial do samba?

O antropólogo Hugo Menezes Neto afirma que a intelectualidade pernambucana, na defesa forte por uma "identidade pernambucana", puxou o debate de uma afirmação sobre o samba local. Os grupos estavam atentos em especial ao movimento regionalista pernambucano, capitaneado por Gilberto Freyre.

"Esses intelectuais então perceberam que, se tudo nosso aqui 'é melhor', por que estamos importando uma expressão que é de fora e está invadindo esse espaço? Quando, na verdade, não era uma invasão”, alega o antropólogo.  

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Mesmo com esse movimento em defesa do frevo como único patrimônio genuíno da cultura de Pernambuco, o estado moldou um samba ao seu estilo.

"É um samba que a gente pode dizer que é mais rebolado, tem mais divisões rítmicas, mais acentuações, não é dividido num binarismo tradicional e a gente aqui ainda introduz outros instrumentos”, afirma Gabi Apolônio.

Edição: Daniel Lamir