Pernambuco

Coluna

Transformamos o luto em luta

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Passados 26 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, a violência contra homens e mulheres do campo segue imperando e deixando marcas de sangue pela terra - Amnesty International
E seguimos, até hoje, por cada companheiro e companheira morta

Em abril de 1996, a Polícia Militar do Pará executou um dos mais brutais morticínios da história recente do Brasil, o massacre de Eldorado dos Carajás. Naquela ocasião, policiais e pistoleiros fardados, a mando do então governador Almir Gabriel, ceifaram a vida de 22 Sem Terras que, junto a outras dezenas, acampavam às margens da PA-150, no Pará. 

De lá para cá, 26 anos passaram-se e, cada vez que ecoamos o lema “MST, essa luta é para valer!” lembramos de cada um desses 22 mortos; lembramos de Oziel Alvez Pereira, jovem liderança do movimento que, apenas 17 anos, foi morto com um tiro na cabeça enquanto gritava o lema do movimento do qual se orgulhava em fazer parte e lutar. Nenhum mandante do massacre foi sequer indiciado, sendo condenados apenas o Coronel Pantoja e o Major Oliveira. 

O massacre tinha uma intenção muito clara. Queriam acabar com o MST no Estado do Pará. Estávamos há 10 anos do término da ditadura. Oito anos antes do massacre havia sido aprovada a Constituição de 1988. No entanto, para a elite agrária paraense, nada tinha mudado. Eles continuavam tratando os movimentos sindicais e de reforma agrária da mesma maneira de sempre: com bala. O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), entretanto, por sua grandeza e importância nacional, soube denunciar o Massacre e plantar esperança. Nosso luto foi transformado em luta. E seguimos, até hoje, por cada companheiro e companheira morta. 

Realizamos diversas ocupações no Brasil inteiro. Uma grande marcha nacional foi realizada no ano seguinte, somada ao Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária. O mês de abril, desde aquele fatídico 17 de abril, tornou-se nossa referência para a jornada de luta pela reforma agrária. Do sangue dos nossos, nasce o Abril Vermelho. A pressão exercida pelo movimento foi suficiente para obrigar o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) a realizar inúmeras desapropriações em todo país. Dentre nossas conquistas, surgem dezenas de assentamentos importantíssimos para a reforma agrária e para a luta pela terra. No Agreste pernambucano, por exemplo, nasce o Assentamento Normandia, área onde minha família é assentada, onde cresci e me fiz sem terra, me fiz feminista, me fiz militante da juventude.

Também graças à pressão popular, foi reestruturada a política para a agricultura camponesa durante o governo FHC. Temos como exemplo o Programa Nacional de Educação em Áreas da Reforma Agrária (PRONERA), que, mesmo com muitos limites orçamentários e seguindo a linha neoliberal de parcerias com ONGs, é uma importante conquista que completa 24 anos. 

Nos governos Lula e Dilma, entre 2002 e 2016, grande parte dessas políticas foi reestruturada em termos orçamentários. Também surgiram, por meio da reivindicação do nosso povo, programas como o  Luz para Todos, o Minha Casa Minha Vida no campo, a Aposentadoria Rural, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Abastecimento Escolar (PNAE). Conquistas possíveis com muita garra e, infelizmente, com o sangue de nossas companheiras e companheiros que tombaram pelo caminho, lutando por dignidade, terra e comida.

Neste breve resgate de quase três décadas de história, mostramos que, nesses 26 anos que nos separam do Massacre de Eldorado dos Carajás, nosso propósito se faz ainda mais importante. E que, apesar do tempo, algumas coisas não mudaram. 

O primeiro ponto é que a impunidade continua sendo uma das principais características da Justiça brasileira com relação aos crimes do latifúndio. O segundo, mostra que por mais que o agronegócio se modernize em termos tecnológicos, a mentalidade da elite agrária brasileira permanece baseada na da pistolagem e na barbárie. Não à toa, esse segmento é uma das principais bases políticas de Bolsonaro. O terceiro apontamento feito a partir do resgate histórico é que se faz, sim, necessário pleitear um Projeto Popular para o Brasil por meio da eleição de Lula. 

Esse desafio, no entanto, somente é possível por meio da organização popular. Só a mobilização é capaz de modificar a realidade do meio rural brasileiro, construindo a Reforma Agrária Popular. Temos a tarefa histórica, nesse momento, com a eleição de Lula e de nossas candidaturas enquanto MST, à Câmara Federal e às Assembleias estaduais, de honrar a luta de nosso movimento.

Neste momento, mais do que nunca, é necessário demonstrar força e organização, não só para derrotar Bolsonaro e toda a onda fascista que nos rodeia, mas para mudarmos toda a nossa sociedade. Queremos um projeto de nação para os Sem Terra, as mulheres, a população LGBTQIA+, os negros e negras, os povos indígenas, para os estudantes, para as mães solo, para todos aqueles que, hoje, têm sua existência ameaçada por quem está no poder.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga