RESISTÊNCIA

Bolinhos produzidos por mulheres do MST chegam a mais de 40 mil estudantes em Pernambuco

Produção no Assentamento Normandia é referência dentro do PNAE e possibilitou geração de renda em meio à pandemia

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Com 22 anos, Uesla Maria da Silva é uma das boleiras mais jovens do grupo - Pedro Stropasolas
As pessoas veem no nosso produto, o resultado do que é lutar pela sobrevivência social do nosso país

No coração do Agreste pernambucano, fazer bolinhos é ter esperança. 

"A gente fazer bolo para criança é muito especial, a gente faz com amor, com carinho, entendeu?", conta a agricultora e boleira Valdenir Pinheiro Maciel.

Nascido em 2014, o grupo de boleiras do Assentamento Normandia, em Caruaru, hoje é referência dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

Os bolinhos de saia, produzidos no espaço do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estão na merenda escolar de mais de 40 mil estudantes da rede estadual de Pernambuco. Só no Recife são 56 escolas. No agreste, mais 27 unidades escolares. 

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“A gente só de imaginar que o que a gente está produzindo ali, mesmo que a gente passe uma semana em claro, vai para crianças que não tem nada para comer em casa", pontua outra integrante do grupo, Uesla Maria da Silva.


Bolinhos das mulheres do MST chega a uma das escolas da rede estadual de Pernambuco, no centro de Recife / Pedro Stropasolas

Pandemia e geração de renda

A produção hoje gira em torno de 40 toneladas por mês, mas nem sempre foi assim. A estrutura montada dentro da Agroindústria do Assentamento Normandia é uma conquista recente. E vem de anos de muita luta. No início de tudo, em 2014, a oportunidade de gerar renda foi o que levou o grupo de oito mulheres a não desistir, mesmo com poucos recursos.

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"Não foi fácil, porque tudo no início cada um trazia uma coisa de casa, um material entendeu, naquela tentativa de dar tudo certo com o grupo" relembra Valdenir. 

Assim como ela, Lucicleide Maria é uma das únicas que está desde a formação do grupo. A produção possibilitou o aumento do poder aquisitivo de sua família.

"Antes a gente comprava só o básico, né? Feijão, arroz, a carne não dava para a semana toda e hoje a gente tem uma boa alimentação, a gente dá para fazer nossa feira do mês todinho, e ainda sobra alguma coisa pra gente poder cuidar da nossa saúde e da beleza", explica. 


Agroindústria do Assentamento Normandia aprimorou produção do grupo de mulheres / Pedro Stropasolas

Ter uma renda fixa hoje no agreste pernambucano não é uma alternativa fácil. No meio urbano a cadeia de produção têxtil, que move a região de Caruaru, praticamente parou junto com as feiras, condenando famílias ao desemprego e condições indignas de trabalho. No campo, o desmonte dos programas sociais prejudicou a vida das famílias camponesas. 

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"A medida que o município não tem recurso suficiente para atender seu público, as creches, as escolas, deixam de fazer pedidos para agricultura familiar. E nós sofremos, porque nem o auxílio emergencial neste período de pandemia foi possível para os agricultores. Foi algo bem desolador", explica Mauricéia Mathias, que também atua desde o princípio. 

Uesla está há apenas 5 meses no preparo dos bolinhos. Para a jovem de 20 anos, o trabalho foi um alívio em meio às dificuldades impostas pela pandemia.

"Foi a época que eu posso dizer mais horrível que eu vivi. Eu também fiquei desempregada passei alguns dias na crise, mas com essa grande oportunidade que essas meninas tiveram foi sensacional", pontua a boleira.


Lucicleide, uma das pioneiras, hoje é responsável pelo preparo da massa / Pedro Stropasolas

Ingredientes agroecológicos

A diferença dos bolinhos de Normandia para os produzidos industrialmente não está apenas no valor nutricional, mas em toda a cadeia de produção. Todos os ingredientes vêm de assentamentos, acampamentos e outras áreas de produção familiar e agroecológica. 

O trabalho coletivo começa nas batedeiras, no preparo da massa. Depois, os bolos vão para as forminhas. A dosagem é exata, não mais que 100g. Só assim os produtos chegam ao forno. A cada 30 minutos, uma fornada de 400 unidades está pronta. 

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No próximo passo, é hora dos bolinhos descansarem. Eles precisam resfriar a uma temperatura de 30 graus para serem embalados. No fim do processo, em saquinhos de doze, estão prontos para saírem até as escolas.  Os mais saboreados são os de macaxeira, laranja, banana e cenoura.

"Fazer bolo é se reinventar todos os dias pra conseguir sobreviver. Essa relação faz parte de uma sensação de ser parte desse assentamento, de um movimento social que luta por direitos, né? Direitos humanos. Direito à vida, direito pela soberania popular, alimentar, tem tudo a ver", analisa Mauriceia. 

"As pessoas veem, inclusive, no nosso produto, o resultado saboroso do que é lutar, lutar pela terra, lutar por reforma agrária,  lutar pela sobrevivência social popular do nosso país", finaliza a trabalhadora. 

 

Edição: Douglas Matos