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Após ataques causados por fake news, Dani Portela (PSOL) busca penalizar culpados em ação civil

A vereadora também registrou um Boletim de Ocorrência (BO); parlamentar pede retirada do material dos portais

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Dani Portela registrou B.O. na Polícia e pretende levar caso para a Justiça - Comunicação PSOL

É falsa a notícia de que o requerimento apresentado pela vereadora Dani Portela (PSOL) na Câmara do Recife para a remoção do busto do ditador Castelo Branco tinha como objetivo colocar em seu lugar o busto do cubano Fidel Castro. A desinformação foi veiculada sob manchetes sensacionalistas em blogs e portais ligados a conteúdos de direita e extrema direita e rendeu ataques, calúnias, injúrias, difamações e ameaças de morte à parlamentar.

“A mãe dela deveria ter comido ela no ninho”, “Se tivesse vivido na época do governo militar, essa daí já teria vazado deste mundo”, “Está na hora de dar um basta nessa gente”, “Só um cartucho 762 para resolver isso” e “Saudade do pau-de-arara” foram algumas dos comentários dirigidos à vereadora nos sites. 

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Dani Portela ainda foi hostilizada por mensagens recebidas diretamente no e-mail institucional da Câmara. “Um deles foi de alguém que me intitula de madame comunista e se coloca como um representante do Deus criador todo poderoso para extirpar a desgraça comunista da face da terra. Ele roga uma praga e deseja a minha morte ‘no mesmo nível e grau em que morreu o bandido da Venezuela’, que ‘Deus é muito grande, passe a temê-lo e temer os seus”, contou a parlamentar em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco.

A publicação de notícias falsas e as agressões tiveram início no último 20 de abril, um dia depois da votação do requerimento n° 3582/2022, que dispõe sobre a retirada da homenagem a Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro militar a assumir a presidência após o golpe de 1964. 

Para além de nomes de ruas e equipamentos, esse seria o único monumento físico do Recife em memória a ditadores do período militar, segundo levantamento do mandato da vereadora. A peça está instalada no canteiro central da ponte Castelo Branco, na Avenida Caxangá, Zona Oeste da capital.


Proposta de retirada do busto do marechal Castelo Branco foi vetada na Câmara de Vereadores do Recife / Reprodução/ Google Street View

O pedido, no entanto, nem sequer foi aprovado na Casa. “O problema não foi isso, foi o que veio a partir disso. Eram matérias das mais diversas, os títulos traziam justamente o seguinte: ‘Num absurdo sem tamanho, vereadora do PSOL propõe retirar busto de Castelo Branco e colocar o de Fidel Castro no lugar, mas foi derrubada’. Foram vários blogs - Jornal da Cidade, Martins em Pauta, Endireita Pernambuco -, páginas nas redes sociais vinculadas local e nacionalmente”, relata. 

Dentre esses, Portela destaca o Jornal da Cidade Online. “É um blog que tem página nas redes sociais com muitos seguidores e que retransmite as lives do presidente Bolsonaro. Um site de circulação maior, a partir dele, que tem uma proporção mais nacional, foi o que acredito que deu a dimensão que esse problema chegou. Ele inclusive responde a vários processos por propagação de fake news. É um propagador contumaz de mentiras”, descreve.

A vereadora registrou um Boletim de Ocorrência (BO) no último dia 25 de abril, buscando a qualificação dos agentes que propagaram as notícias falsas e dos que proferiram as agressões. Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) informou que registrou a ocorrência de Injúria, Calúnia e Difamação na Delegacia da Boa Vista, e que as investigações foram iniciadas e seguem até esclarecimento do caso.

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Portela diz ainda que está pronta para ingressar com uma ação civil pedindo liminarmente a retirada do ar dos artigos e alguma penalização - como, por exemplo, a suspensão das páginas. “No final, vamos entrar com ação indenizatória, numa perspectiva de buscar isso principalmente desses agentes de notícia que deveriam ter um compromisso democrático com a checagem do que postam. Se nossa ação no futuro for exitosa, a gente vai pensar o que fazer com isso, de reverter esse ganho para canais que fazem jornalismo de maneira séria com pouquíssimo recurso”, pontua.

Prestando sua solidariedade, o prefeito João Campos (PSB) se reuniu com a Dani Portela e com o presidente da Câmara dos Vereadores, Romerinho Jatobá (PSB) nessa segunda-feira (2). Em publicação no Instagram, o gestor classificou o caso como inadmissível, e frisou que deve ser investigado e punido com o rigor da Lei. "Dani faz oposição à nossa gestão, mas isso jamais impedirá que estejamos juntos nessa luta contra o ódio e a intolerância", fala.

Na ocasião, Portela apresentou seu pacote 'Memória, Verdade e Justiça', que reúne uma série de ações legislativas para proibir e reverter as homenagens a violadores de direitos humanos na cidade do Recife. O requerimento que pede a retirada do busto de Castelo Branco, inclusive, coaduna com esse pacote.

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Filha e neta de ex-presos políticos da ditadura militar, a vereadora reforça que esse é um tema caro para si. "É uma história que perpassa e marca minha própria história de vida. Acompanhamos todo processo da Comissão da Verdade, essa defesa da democracia que é jovem e muito recente", reforça. Além disso, ela destaca sua atuação como professora de História e advogada de movimentos sociais e populares, colocando que hoje "está" vereadora. "Por isso, a gente achou bem pertinente que, justamente em alusão ao 31 de março, aniversário do golpe militar, entrar com esse conjunto de propostas", diz.

Desinformação pautando o debate público

O caso ilustra bem as consequências de uma prática que se popularizou em 2016 com Donald Trump, nos Estados Unidos, e que chegou ao Brasil no período eleitoral de 2018: o uso das notícias falsas como ferramenta política. O advogado Ulisses Melo, mestre em Ciência Política, pontua que, neste novo momento da comunicação política, as fake news são usadas tanto para a detração e calúnia de opositores políticos como para controlar a agenda pública. 

“Você pode usar a desinformação para atacar e também para pautar o debate. Começa a se debater um determinado tema que vira central para uma comunidade política com base em desinformação. Isso acaba privilegiando um determinado movimento político em contraposição a outro, porque temas específicos são capazes de privilegiar atores específicos”, contextualiza.

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Na ocorrência relacionada a Dani Portela, a estratégia provocou os dois resultados. “Apesar de serem modelos diferentes, eles geralmente convergem. Ataca-se uma política de esquerda, ao mesmo tempo que também se define uma nova pauta a ser debatida, que é o anticomunismo. ‘Não pode homenagear líderes comunistas’, ou então ‘se você quer proibir homenagem a autores autoritários do passado brasileiro, também tem que proibir homenagem a lideranças de esquerda’. Isso agita e mantém extrema direita brasileira engajada”, exemplifica Melo.


Marielle Franco foi vítima de fake news mesmo após seu assassinato / Foto: Reprodução

Perguntado sobre se este artifício predomina em um dos campos políticos, seja progressista ou conservador, o pesquisador cita dois estudos referentes às eleições gerais de 2018: “Um da Tatiana Dourado e outro do Victor Bursztyn, abordando Facebook, Twitter e WhatsApp, que apontam que [durante o período] havia mais desinformação dentro do campo da extrema direita, dos apoiadores do atual presidente Bolsonaro, e que as lideranças de esquerda eram os principais alvos de desinformação”, comenta.

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Segundo ele, ainda que existisse na esquerda, era uma ferramenta mais efetiva na direita. Dito isso, não é possível afirmar se existe uma predisposição inata à ideologia reacionária que favoreça a receptividade a notícias falsas. “A gente não sabe ao certo se o fato de a pessoa ser conservadora e ter medo de pautas progressistas faz com que ela aceite mais desinformações e teorias da conspiração, mas alguns indícios apontam que sim, que é uma característica mais presente nesse campo”, avalia.

Fake news como violência política de gênero

A vereadora Dani Portela chama atenção para a ideia de que esse mecanismo fragiliza ainda mais a democracia. “A gente está num momento de ataque às instituições democráticas, que já estão frágeis, aos tribunais superiores. Como isso vem de setores conservadores, na sua maioria de fundamentalistas religiosos, em grande parte ligados à onda bolsonarista, a gente não pode se calar”, clama.

Ela pondera ainda que não se deve minimizar o impacto das ameaças por elas não se concretizarem, avaliando se tratar de violência política de gênero, que incide principalmente sobre mulheres negras eleitas.

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 “Não por acaso Marielle Franco sofre o que chamamos de feminicídio político e várias mulheres parlamentares hoje vivem no Brasil sob ameaça. Uma pesquisa do Instituto Marielle Franco diz que mais de 70% das mulheres negras candidatas sofreram violência política de várias formas [nas eleições de 2020]. Teve vereadora de São Paulo que, assim que se elegeu, teve sua casa alvejada a tiros”, lembra.

Sua decisão de publicizar o acontecimento, conta, vem no sentido de responsabilizar “as pessoas que se escondem atrás do computador”. “Eu quero ir até o fim, para que isso seja tratado como coisa séria. Não tem legislação que criminaliza fake news. Esse disparo em massa [de notícias falsas] levou à eleição de Bolsonaro em 2018”, diz.

Ainda sobre a última campanha presidencial, o pesquisador Ulisses Melo fala que foi possível observar a interferência das questões de raça e gênero na relação dos alvos e do conteúdo das fake news, ainda que se tenham poucas bases de dados sobre o assunto. "[À época,] tinha a figura da Manuela D'Ávila e de Marielle Franco, que, apesar do assassinato, foi alvo de uma serie de desinformações por atores politicos, como o MBL [Movimento Brasil Livre], que disse que ela era 'mulher de traficante'", pontua. 

Edição: Vanessa Gonzaga