Pernambuco

LUTA POR MORADIA

Após incêndio, moradores das Palafitas do Pina fazem ato e se reúnem com Prefeitura do Recife

Comunidade quer reavaliar valores de indenização e auxílio moradia e pauta a necessidade de política de moradia no local

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Pauta de reivindicação aborda também acesso à água, alimentação, creches e serviço de saúde para as famílias desabrigadas - Maria Lígia Barros

Insatisfeitos com as resoluções apresentadas pela Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) até agora, os moradores que perderam seus lares no incêndio que atingiu as Palafitas do Pina na última sexta-feira (06), na Zona Sul do Recife, vieram à sede do município por volta das 9h30 desta segunda-feira (09).

Acompanhados por lideranças de movimentos populares e sociais, os manifestantes foram apresentar suas demandas aos representantes do poder público.

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Após quase 2 horas de espera, uma comissão foi recebida próximo das 11h30. O grupo chegou a afirmar que, caso não fossem atendidos, iriam realizar um bloqueio na Ponte Governador Paulo Guerra, conhecida como Ponte do Pina, às 17h, para que assim fossem ouvidos. Por fim, as 15 pessoas subiram para a mesa de negociação, que aconteceu até o início da tarde desta segunda (09).


Pauta inclui ações emergenciais e também questões estruturais, como a definição de um projeto de moradia para as famílias que vivem nas palafitas / Lívia Mello

Também acompanharam a comitiva a deputada Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas (PSOL), integrante da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), e o advogado Renan Castro, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB Pernambuco.

Demandas emergenciais e estruturais

Ainda no dia do incêndio, a PCR ofereceu alojamento no abrigo e realizou o cadastro das vítimas, prometendo uma indenização por pecúnia de R$ 1.500 e cestas básicas.

Conhecida na comunidade como Galega, a moradora Ivanise Serafim da Silva, de 37 anos, foi uma das vítimas do incêndio que compuseram a comitiva. Integrante da Cozinha Popular das palafitas do Pina, Ivanise perdeu tudo no fogo e veio ao protesto vestindo roupas que recebeu de doação por meio das ações de solidariedade


Ivanise Serafim da Silva e as duas filhas [foto] fazem parte das centenas de pessoas desabrigadas com o incêndio / Maria Lígia Barros

"A gente veio conversar com o prefeito para ele dar uma posição sobre o que vai fazer com a gente. O auxílio de R$ 1.500 não dá", diz a cozinheira. Mãe de 5 filhos, ela e sua família estão se abrigando temporariamente no espaço onde funciona a cozinha comunitária.

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Para a comunidade, as medidas não são suficientes. "É um comitê de crise, a situação das palafitas não é diferente de Kiev e qualquer outro lugar em guerra - destruiu tudo, o povo está jogado lá, não foi para abrigo, e a gente quer uma solução", afirma Samuel Scarponi, militante do MST, que atua no local a partir de ações de solidariedade, ao falar sobre a pauta apresentada à gestão municipal.


Centenas de famílias tiveram suas casas e pertences tomadas pelo fogo. / Fotos: Rebeca Martins

Ele e o grupo de moradores questionam o valor do auxílio anunciado pela prefeitura, afirmando ser insuficiente para suprir a necessidade das famílias. "R$ 1.500 não dá para nada. Imagina uma pessoa que perdeu fogão, geladeira, bujão de gás, cama, colchão, travesseiro, lençol, escova de dente - perdeu tudo", comenta. 

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O valor do auxílio moradia que é oferecido pelo município também entra no debate. "Eles oferecem auxílio de R$ 200 por três meses, e as famílias não tem a garantia de que isso vai continuar", fala. Samuel ainda lembra que a comunidade está sem água e com a energia desligada, e que a Cozinha Popular que está fornecendo três refeições diárias no Pina poderia contar com abastecimento da prefeitura. 

"Todas as famílias que estão na palafita já foram cadastradas. Estão esperando ir pra uma moradia adequada [conjuntos habitacionais], mas enquanto isso estamos nos organizando com a solidariedade para subir os barracos e o povo voltar à dignidade", projeta. 

O sentimento geral é de que o valor divulgado pela prefeitura não dá conta para reerguer a vida diante da realidade atual. 

Há 3 anos atrás, Adriano José da Silva, de 29 anos, comprou seu barraco na palafita. R$ 4,5 mil foi o valor que a moradia custou, conta ele. 

"R$ 1.500 não dá para resolver nada. A madeira está cara, tudo está caro, nada tá barato. O biscoito a gente pagava R$ 0,80, hoje paga R$ 2. Onde a gente vai com R$ 1.500? Vai comprar madeira, geladeira, muita gente perdeu mercadoria, roupa, documento, tudo. Eu fui um deles", desabafa ele, que está desempregado e sobrevive apenas com o benefício do Auxílio Brasil. 


"Acharia melhor a prefeitura agilizar as obras desses apartamentos para a gente sair dali", relata Adriano José da Silva, de 29 anos / Maria Lígia Barros

Sua vontade, conta à reportagem, é morar com dignidade em outro local. "Ali não é vida para ninguém morar. A gente que mora ali sabe a situação que a gente pega, com queda de energia, falta de água, não tem lixo. A gente toma banho de maré, sabendo que tem lixo, rato, a gente pega doença. Acharia melhor a prefeitura agilizar as obras desses apartamentos para a gente sair dali", relata.

A pauta ainda inclui atendimento urgente em saúde; e o acesso à creche para as crianças da comunidade; e a prioridade das mais de 100 famílias atingidas no cadastro da prefeitura para o conjunto habitacional em construção no Aeroclube.

Sem Acordo

Ao fim da reunião, não houve acordo em torno da alteração nos valores de indenização e auxílio. Para a comitiva, a reunião não atendeu às expectativas, já que o aumento do valor do auxílio de indenização era uma pauta central de urgência.

"A gente tentou avançar para mostrar que esse valor de 1,5 mil foi delimitado em 2013, e que com a inflação não se paga quase nada. Não cobre o que as famílias perderam. A gente propôs que pudesse emitir um novo decreto com um novo valor, que corresponda à realidade atual, e nisso a gente não conseguiu avançar", falou Lívia Mello, militante do MST que estava presente na mesa.

"A gente esperava muito mais para uma situação de urgência. Sempre amarrado em valores e orçamentos, como se a gente não estivesse vivendo um momento de catástrofe", lamenta a militante. 

A questão do cadastramento das famílias foi um ponto que predominou na conversa, segundo Samuel Scarponi. Isso porque os dados levantados pela PCR em 2021 sobre a comunidade divergem das informações que têm os movimentos populares que atuam no território. 

"Toda a conversa ficou em torno do cadastro, sendo que a gente esta falando das pessoas, pedindo que chegue água, e a prefeitura falando que não pode, pedindo que chegue alimento para a cozinha e a prefeitura falando que não pode, pedindo atendimento médico e a prefeitura resume ao cadastro", relata.

Segundo acelerador social Pedro Stilo, outra pessoa que compôs a comitiva, a prefeitura afirma que há 141 moradias e 54 casas queimadas. "Esse número, para a gente, é de 30% a 50% maior. A gente acredita que cerca de 80 a 100 famílias perderam tudo o que tinham", projeta.

Uma nova reunião ficou marcada para as 9h desta terça-feira (10), com o objetivo de comparar os cadastros e finalizar a lista com o nome das pessoa atingidas. Pela parte da administração municipal, participarão representantes da secretaria de Governo e Participação Social (Segov) e de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas sobre Drogas e Direitos Humanos (SDSJPDDH)

O que diz a prefeitura

Os integrantes de gestão da Prefeitura da Cidade do Recife não deram entrevista e asseguraram que os questionamentos acerca do tema seriam respondidos por nota. No texto divulgado à imprensa na tarde desta segunda, a prefeitura repetiu que garantiria o pagamento do auxílio pecúnia (R$ 1,5 mil), o auxílio moradia de R$ 200 e a entrega de cestas básicas para as famílias diretamente atingidas pelo incêndio, mencionando 141 grupos familiares identificados.

"O município permanece oferecendo colchões, abrigo e demais tipos de apoio às vítimas. Por fim, nos próximos dias, em razão do sinistro causado pelo incidente, a gestão municipal vai realizar um mutirão para emissão de documentos, visando atender os moradores afetados", completa.

Edição: Vanessa Gonzaga