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Movimentos populares denunciam falta de transparência em PL que ameaça zona rural em Garanhuns

Na última audiência pública, a prefeitura apresentou um PL diferente do que estava disponível para a população

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A possibilidade de avanço da zona urbana sobre a zona rural, que inicialmente estaria incluída no PL, preocupa agricultores - Jefferson De Paula Dias Filho

Falta de transparência e de participação popular foram os temas centrais das críticas à condução da última audiência pública sobre a proposta dos projetos de lei (PLs) que inicialmente alteram o Plano Diretor de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, e possibilitam a redução da zona rural do município. 

Entidades que representam os trabalhadores rurais, organizações populares e comunidade acadêmica foram à sessão discutir a versão do texto publicada mais recentemente pela prefeitura, mas, ao chegarem lá, a administração já estava com uma nova minuta em mãos.

Para os representantes da sociedade civil ouvidos pelo Brasil de Fato Pernambuco, esse foi um movimento que prejudicou a discussão, já que seria necessário ter acesso ao novo projeto para estudá-lo previamente e, então, poder debatê-lo. 

A prefeitura só teria informado que havia um novo texto no meio da audiência, após a fala de uma professora universitária que questionou um dos artigos da versão antiga, segundo relato do advogado Gustavo Carvalho, que foi chamado por professores da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) e pela Vinícola Vale das Colinas (localizada na zona rural de Garanhuns) para acompanhar o caso e dar orientações legais.

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De acordo com ele, apenas então os representantes do município entregaram uma cópia da nova minuta para a professora em questão. “Causou uma surpresa em todo mundo, no meio da audiência eles disseram que havia sido modificada a minuta. Lógico que não está tendo a transparência que deveria ter. Como modificam o texto e não publicizam isso? E não foi de forma espontânea que eles deram acesso à minuta, foi só quando houve provocação”, contou. 

O advogado, por exemplo, disse que só conseguiu ler o documento por 15 minutos, que foi o tempo em que a cópia ficou em suas mãos durante a sessão. Na sua visão, a ação da prefeitura está mitigando a real participação popular nas discussões. “No mínimo é falta de preparo da gestão e de respeito com as pessoas que estavam se propondo a debater a política urbana. Se é marcada uma reunião para debater um texto e a gente chega lá e está modificado, a gente está perdendo tempo. Não é o texto que estudamos”, falou. 

Modelo compromete participação dos agricultores, diz Fetape

Para os agricultores, a situação ganha um contorno ainda mais danoso por comprometer a subsistência das famílias. Isso porque Garanhuns está em época de chuva, período que corresponde à temporada de plantio, explicou Luiz Filho, assessor da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape). Deixar as lavouras para atender as audiências é interromper o ciclo do plantio, o que pode impactar na alimentação e renda desses trabalhadores.

“Teve uma agricultora que veio do distrito de Iratama [para a audiência] e disse: ‘Como eu paguei R$ 12 de passagem para vir e R$ 12 de passagem para voltar, e quando chego aqui não é o projeto que tava no site da prefeitura, é outra coisa?’. E ainda acrescentou: ‘Até quando vai essa discussão? Por que nós agricultores estamos cansados de vir para esse espaço achando que vamos discutir uma coisa, e quando chegamos já tem coisas novas às quais não temos acesso’”, relatou Luiz.


Audiências públicas têm acontecido na sede da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns (Aesga) / Reprodução/ Facebook

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Ele ainda pondera que a localização das audiências, todas até agora na sede da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns (Aesga), no centro de Garanhuns, também dificulta a participação dos trabalhadores do campo. “Existe um preço de deslocamento. Por que não ter audiência pública nos distritos para facilitar o acesso dos agricultores? Das pessoas que de fato serão atingidas?”, questionou.

Outro ponto levantado é diz respeito ao chamado para as audiências. “Só é publicado no Diário Oficial do município o edital de convocação, e, perto da audiência, se publica nas redes sociais. Não há um processo amplo de divulgação das audiências, como na rádio, por exemplo”, criticou.

Luiz Filho reforçou que a pauta defendida agora é a revisão do Plano Diretor. “Algumas análises por parte das universidades e de professores urbanistas têm alertado que esse projeto é ilegal, e desde o primeiro momento de audiência a Secretaria de Planejamento e Gestão de Garanhuns tem pedido para as pessoas enviarem sugestões para qualificar o projeto. Mas fica uma pergunta no ar: Como a gente vai contribuir se ele é ilegal? Fica implícito para nós que contribuir em uma minuta que já nasce ilegal por desrespeitar a participação popular [serve] apenas para a prefeitura dizer depois que houve processo democrático e as pessoas contribuiram”, contestou.

O que mudou?

A reportagem não teve acesso à integra da nova minuta, mas, a pedidos, a Prefeitura do Município de Garanhuns disponibilizou o conteúdo do artigo 21º que não estava presente na versão anterior. Essa, de acordo com a gestão, seria a única alteração do texto. "Os casos previstos nesta Lei, aplicam-se, especificamente, a áreas urbanas já anteriormente estabelecidas em legislações próprias", diz o dispositivo.

Em nota, a Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Garanhuns falou que as audiências públicas realizadas sobre Outorga Onerosa e Uso e Ocupação do Solo no município são abertas e democráticas. "Quanto à alteração da minuta, deixamos claro na última audiência que foi apenas um artigo, o 21, e foi mplamente lido e debatido durante o encontro, que mais uma vez contou com participação popular e de instituições", afirmou.

A pasta acrescentou que "dessas escutas à população, a minuta está sendo formatada, e já foram excluídas questões sobre zonas urbanas e rurais". "E seguimos ouvindo, buscando o melhor para a sociedade", completou.

A nota ainda diz que a minuta (sem a inclusão do artigo 21) estava publicada no site da prefeitura desde 29 de abril, e que "todos e todas têm acesso fácil, como se pode ver pelo banner 'Audiências Públicas', que leva às informações, convocatórias e anexos. Simples, podendo-se acessar inclusive pelo celular".


Os dois projetos de lei são de autoria da Prefeitura Municipal de Garanhuns / Reprodução

Como só houve a inclusão desse artigo, sem a supressão de outros, na análise do advogado Gustavo Carvalho, o texto ainda tem dispositivos que alteram ilegalmente o Plano Diretor e dão margem para a criação de núcleos urbanos em qualquer lugar do município, inclusive na zona rural.

O geógrafo Iwelton Pereira, professor da Universidade de Pernambuco (UPE), também tem acompanhado o caso e avalia como necessária a realização de no mínimo mais uma audiência para adentrar no texto final. “Pelo menos marcar uma ou duas reuniões para discutir alguns pontos, inclusive [levantados] por representantes dos construtores que têm interesse econômico direto em cima desse instrumento normativo. Considero pertinente a necessidade de aprovação da lei para esse tipo de ordenamento, mas isso não deve ser feito de forma apressada”, falou.

Iwelton avalia que encerrar as discussões agora seria contraproducente. “Uma percepção que eu tenho é que tem uma perspectiva de urgência, principalmente por aqueles que têm interesses econômicos na aprovação dessa proposta, e esses grupos estão pressionando a prefeitura e tentam pressionar em alguma medida as reuniões para que sejam encerradas as audiências públicas”, conclui.

Edição: Vanessa Gonzaga