Pernambuco

Coluna

Novas regras para o teletrabalho, trabalho híbrido e home office

Imagem de perfil do Colunistaesd
Medida Provisória 1.108 altera trechos da CLT que regulam o teletrabalho - Foto: GOV-RO
Ou seja, no geral, aumenta o risco já presente à classe trabalhadora desde a Reforma Trabalhista

Nesta coluna, abordaremos o conteúdo da Medida Provisória 1.108, editada pelo Governo Bolsonaro no final do mês de março e que ainda não entrou no calendário de votações do Congresso Nacional para a sua conversão em lei. Em síntese, essa medida provisória altera trechos da CLT que regulam o teletrabalho para passar a prever uma normatização trabalhista para o chamado trabalho híbrido e para o home office. 

O teletrabalho passou a ser regulado na legislação trabalhista ainda em 2017 com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a qual incluiu um capítulo próprio sobre o tema na CLT (arts. 75-A a 75-F). Nesta regulação original, o teletrabalho era todo aquele prestado fora das dependências do empregador com a utilização de tecnologias de informação e comunicação. 

Dentre suas regras, era esse regime de trabalho excluído do controle de jornada laboral; deveria ser previsto expressamente no contrato individual de trabalho; a responsabilidade sobre a aquisição e manutenção dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessária ao trabalho (internet, energia, mesa e cadeira ergonômicas, etc.) era vago, de modo que seriam objeto de “livre” negociação individual entre patrão e empregado; e, no que diz respeito às regras de saúde e proteção no ambiente laboral, a fim de evitar doenças ocupacionais e acidentes, era apenas previsto que deveria o empregador dar instruções para o seu respeito. 

Importante frisar que a primeira regulação normativa do tema data ainda do ano de 2011, quando a Lei 12.551 alterou a redação do artigo 6º da CLT, de forma que ficou estabelecido que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado em domicílio ou à distância, bem como que a utilização de meios informatizados e de comunicação para a transmissão de ordens patronais e supervisão são suficientes para a caracterização a subordinação jurídica. 

Tal inclusão foi à época fundamental para garantir os mesmos direitos sociais e trabalhistas aos obreiros que laboravam presencialmente na sede da empresa e remotamente, assegurando, inclusive, o devido reconhecimento da relação de emprego, os mesmos auxílios, salários e haver o controle e limitação de jornada de trabalho, pelo menos até a Reforma Trabalhista. 

Com a pandemia da Covid-19, principalmente no seu período mais rigoroso ao longo de vários meses em 2020 e 2021, que demandou a realização de isolamento social e o trabalho em casa para muitos trabalhadores, principalmente do setor de serviços, houve um vazio normativo e muitas dúvidas sobre o regime jurídico do trabalho em home office ou mesmo, no período de maior controle da pandemia, de trabalho híbrido, aquele realizado alguns dias da semana remotamente e outros dias na sede do empregador.

Foi para sanar essa lacuna legislativa que a MP 1.108 foi editada e hoje aguarda virar lei. Na medida em que trouxe alterações em artigos do capítulo do teletrabalho na CLT, incluiu a previsão expressa da aplicação de tais regras também ao trabalho remoto e ao trabalho híbrido (art. 75-B, caput e §1º, da CLT) – tais regimes laborais não ficam descaracterizados pela quantidade de dias trabalhados na empresa ou na casa do trabalhador. Com isso, o trabalho híbrido, adotado por muitas empresas em meio à pandemia e mesmo de modo permanente no pós-pandemia, passa a existir formalmente.

Uma novidade que a medida provisória trouxe foi separar esse regime laboral em duas espécies, mesmo que sem muito explicar ou conceituá-las, ficando vago. São elas: a prestação de serviço por jornada, sobre o qual recairão todas as regras celetistas de limitação de jornada e horas extras; e a. prestação por produção ou tarefa, que não terá controle de jornada, podendo o trabalhador laborar muito mais que oito horas diárias sem receber horas extras ou compensá-las (art. 75-B, §3º). 

Outro ponto relevante da nova regulação é a vedação de adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para as atividades de teleatendimento e telemarketing (art. 75-B, §4°), não se confundindo ou aplicando as regras especiais trabalhistas existentes para elas. Por outro lado, foi permitida expressamente a adoção do teletrabalho para as atividades de estágio e aprendizado.

Outra inovação importante é a previsão de que, aos empregados admitidos no Brasil mas que passaram a trabalhar remotamente no exterior, é aplicada a legislação trabalhista brasileira, assim como a de que são aplicados aos empregados em regime de teletrabalho a legislação local e os acordos e convenções coletivos de trabalho da base territorial do estabelecimento empresarial de sua lotação. Ademais, a não ser que haja pactuação individual diversa, a empresa empregadora não será responsável pelas despesas de retorno do empregado ao trabalho presencial caso este opte por laborar fora da localidade prevista no contrato ou da sede da empresa. 

Por fim, é de se fazer a crítica à regulação do trabalho remoto e híbrido emprestada pela MP 1.108 de que a mesma segue o espírito neoliberal e flexibilizador já presente na Reforma Trabalhista e nas leis e medidas trabalhistas editadas pelo Governo Bolsonaro: praticamente subverte-se os princípios jurídicos orientadores do Direito do Trabalho, principalmente os da proteção obreira e da prevalência da negociação coletiva. 

Isso porque, tanto nas disposições originais sobre o teletrabalho acrescentadas à CLT pela Lei 13.467 como nas regras incluídas pela citada medida provisória, a pessoa do trabalhador deixa de ser um hipossuficiente protegido pelas regras trabalhistas para passar a ser tratado como um “igual” ao seu patrão.

Ignora-se a desigualdade intrínseca existente na relação entre capital e trabalho, de modo que, em uma série de suas regras, como visto acima, deixa-se o conteúdo da norma trabalhista ser dado por uma “livre” pactuação individual entre patrão e empregado. 

Ademais, ignora-se a existência dos sindicatos e da necessidade da negociação coletiva para suprir lacunas ou acrescentar novas regras em complemento à legislação trabalhista – várias lacunas normativas são supridas por mero acordo individual. 

Ou seja, no geral, aumenta o risco já presente à classe trabalhadora desde a Reforma Trabalhista de redução de sua renda salarial e de precarização na relação de trabalho. A única solução que cabe é a atuação firme fiscalizatória e negocial das entidades sindicais, bem como a revogação da Reforma Trabalhista em um futuro governo democrático eleito.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga