Pernambuco

MORADIA É DIREITO

Em crise habitacional, Recife tem conjuntos com obras paradas e sem previsão de entrega

Prefeitura alega que Governo Federal não tem repassado verbas, mas o próprio município não investe o prometido

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Famílias esperam entrega de habitacionais que estão em obras há mais de 10 anos - Governo Federal

O incêndio que atingiu quase metade das 180 moradias na comunidade de palafitas do Beco do Sururu jogou novamente os olhares para o déficit habitacional do Recife, um problema antigo e que não tem sido respondido à altura pelos gestores públicos de todas as esferas - e que foi agravado com o temporal que desabrigou mais de 4 mil pessoas na região metropolitana.

Para lidar com a questão a contento, a capital pernambucana deveria construir, no mínimo, 70 mil moradias populares, mas há pouco mais de 1.500 em construção – a maioria com obras paralisadas.

O déficit habitacional é referente ao quantitativo de famílias que, além de não possuir casa própria, vivem em casas compartilhadas ou que não têm renda suficiente para pagar um aluguel – o do Recife é o segundo mais caro do Brasil (com média de R$ 33,74 por metro quadrado, segundo o índice FipeZap).

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É possível construir uma casa com R$1.500? Esse é valor da indenização após incêndio no Recife

São quase 5 mil moradias improvisadas no Recife, das quais parte considerável são palafitas sobre os rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió. Estudo realizado pelo mandato do vereador Ivan Moraes (PSOL) junto com o coletivo Pão e Tinta contabilizou, só na comunidade do Bode, 1.300 palafitas. “Mas se for olhar atrás do shopping RioMar e após a ponte do Pina, acho que chegaríamos perto das 3 mil”, avalia Ana Karla da Costa, moradora de uma ocupação no bairro do Pina e militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Só na comunidade atingida pelo incêndio estima-se que vivam 400 famílias – mas destas, menos da metade aguardam moradias em construção pelo poder público. As demais não têm horizonte de solucionar a questão. “Em oito anos [o ex-prefeito] Geraldo Julio não fez quase nada. Não executou o recurso para habitação. E não vejo diferença com João Campos”, critica Karla Costa.

No Recife foi iniciada a construção – ou o processo para construção – de seis conjuntos habitacionais. O do Pilar (para 256 moradias), no bairro do Recife, foi iniciado em 2010; o Sérgio Loreto (224 mordias), no bairro de São José, iniciado em 2009; os habitacionais Vila Brasil I (128 moradias) e Vila Brasil II (320), também iniciados antes de 2010, no bairro de Joana Bezerra, com obras próximas à conclusão, prevista para este ano.

E, por fim, os habitacionais Encanta Moça I e II (300 + 300 moradias), anunciado em 2012 e com custo previsto de R$50 milhões, mas com obras contratadas somente em 2018 e iniciadas pouco depois no terreno do antigo Aeroclube, na comunidade do Bode, bairro do Pina. É nestas habitações que serão alocadas cerca de 160 das famílias que vivem nas palafitas do Beco do Sururu.


Mais de 1.000 moradias populares estão com obras paradas no Recife / Rodolfo Lopert/Prefeitura do Recife

Com exceção do Vila Brasil I e II, todos os habitacionais estão com obras paralisadas. A liberação de grande contingente financeiro para estas obras, através do Minha Casa Minha Vida, ficou mais difícil a partir da derrubada da presidente Dilma Rousseff e a entrada de Michel Temer. O cenário de restrição se manteve no governo Bolsonaro, com o ministro Paulo Guedes e Rogério Marinho (PL) dificultando recursos para a política habitacionais.

Os habitacionais citados foram viabilizados através do Minha Casa Minha Vida, mas o programa foi encerrado pelo presidente Jair Bolsonaro em 2021, substituído pelo programa Casa Verde e Amarela.

Com a dificuldade para acessar os recursos federais, a Prefeitura do Recife optou por não assumir a conta sozinha. Percebe-se isso pelo tempo de paralisação dos empreendimentos e também pela execução orçamentária da Secretaria de Habitação do Recife.

Em 2019 o Executivo municipal previa R$ 30,3 milhões em investimentos na área de habitação, mas gastou apenas R$3,5 milhões (11,5%) do previsto. Em 2020, ainda sob gestão Geraldo Júlio, a situação se repetiu: investimento previsto de R$47,5 milhões dos cofres municipais, mas apenas R$6,5 milhões gastos (13,7%). Já sob João Campos eram previstos R$48,2 milhões em 2021, mas o investido foi R$ 4 milhões (8,3%). Para este ano de 2022 estão previstos R$47,6 milhões, mas passados cinco meses a prefeitura empenhou apenas R$2,2 milhões (4,6%).

O Brasil de Fato entrou em contato com a prefeitura questionando sobre o tema, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. Em pronunciamentos anteriores, o poder público municipal alega que a política habitacional não é feita apenas na construção de moradias. Mas uma consulta ao Portal da Transparência mostra que, para a pasta de Saneamento, está previsto um investimento de R$ 83 milhões dos cofres municipais este ano, dos quais foram empenhados 25,8 milhões (31%) até este mês de maio. Em 2021 o investimento foi de R$24,5 milhão, o que corresponde a 23% dos R$105 milhões previstos.

Recife tem milhares de imóveis vazios

Dados levantados pelo Censo de 2010 (IBGE) e organizados em estudo das ONGs Habitat Brasil e Fase, só no Recife havia 43,5 mil imóveis não ocupados, sem cumprir sua função social. Esse número corresponde a 8,5% dos imóveis particulares da capital pernambucana. O bairro de Santo Antônio, na ilha de mesmo nome, região central do Recife, tinha 41% dos imóveis desocupados. Outro bairro central, a Boa Vista, tinha no momento 1.238 imóveis (17% do total do bairro) também sem residentes.

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Após incêndio, moradores das Palafitas do Pina fazem ato e se reúnem com Prefeitura do Recife

O assistente social Rud Rafael, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), critica o discurso de que seria difícil abrigar as famílias no centro da cidade. “Em tese, o centro tem poucos ‘vazios’, porque é uma área de grande concentração construtiva. Mas isso é uma inverdade, porque tem muito imóvel abandonado e subutilizado”, diz ele, que lidera movimento que promove ocupações desses edifícios. “Se tem muitos imóveis disponíveis que deveriam cumprir função social, o que falta é regulação do Estado para que eles tenham uso”, reclamou.

Remoção das palafitas no início de junho

Uma semana após o incêndio do dia 6 de maio, um grupo de lideranças da comunidade participou de reunião na prefeitura no dia 12. A gestão municipal propôs aos moradores um plano de desocupação e remoção das 181 palafitas da ponte Paulo Guerra, proposta acatada pelas lideranças.

Apesar de reivindicarem indenização de R$3 mil, a comunidade aceitou o acordo para todas as famílias receberem R$1.500 ainda em maio (mas há moradores se queixando não terem recebido) e, a partir de junho, o pagamento de um auxílio moradia de R$200 mensais. O Brasil de Fato entrou em contato com a Prefeitura do Recife para confirmar o início da remoção, mas também não obtivemos resposta.

A lista de beneficiados foi publicada no Diário Oficial do Município do dia 21 de maio. Os proprietários de imóveis de alvenaria podem receber um valor adicional após avaliação da Autarquia de Urbanização do Recife (URB). A desocupação só ocorreria após o pagamento das indenizações, o que estava previsto para acontecer até o dia 3 de junho.

Construtora prevê orla no lugar das palafitas


Prevendo o futuro, condomínio residencial projetou um pequeno parque às margens do rio / Arte: Moura Dubeux/divulgação

Um projeto de mais de 10 anos, que ainda não saiu do papel, prevê a construção de um edifício e um pequeno parque margeando o rio, exatamente no local onde – há décadas – existem as palafitas. O projeto para o terreno do antigo Clube Líbano-brasileiro seria um empresarial de responsabilidade da construtora Conic.

Mas, após distrato, o terreno foi adquirido e projeto repaginado pela Moura Dubeux, que agora prevê um condomínio residencial com apartamentos de 40m². As imagens do projeto mostram um pequeno parque às margens do rio, com um jardim e uma pequena pista de caminhada, sem a presença das palafitas.

Edição: Elen Carvalho