Pernambuco

Coluna

Pernambuco chove e o povo preto chora

Imagem de perfil do Colunistaesd
Até esta sexta (03), já somam 127 mortes em decorrência das chuvas em Pernambuco. - TV Brasil
A desigualdade social é evidente no lugar onde a gente mora, ela tem classe, ela tem cor.

Já são mais de 120 vidas perdidas em Pernambuco, vidas negras. Precisamos debater esse fenômeno, que não é a chuva, mas a desigualdade social. Para isso, vamos ter que resgatar a nossa história. 

Quando os escravos foram "libertos", uma liberdade aspeada, porque, na verdade, foram jogados nas ruas, eles foram sobreviver nas favelas, morros e áreas ribeirinhas. Eles não tiveram condições de ter uma habitação digna, mesmo depois de anos e anos sendo explorados pelos senhores de engenho. Então, a liberdade não ocorreu de fato, o que foi estabelecido foi um novo modelo de escravidão no nosso país.

Então, já passou da hora do Brasil fazer uma verdadeira reparação histórica, porque as pessoas continuam morrendo no nosso país, mortes que poderiam ser evitadas. Os corpos mortos nos deslizamentos dos morros no Recife são negros. Mulheres negras, que já estavam numa situação social agravada pelos impactos da pandemia, por causa do aumento do desemprego, perderam tudo pela falta de políticas públicas no estado. 

Essa desigualdade social se constitui quando aqueles que detém o capital continuam lucrando com base na força de trabalho de outra pessoa, contando ainda com uma mão de obra de reserva, que gera gente passando fome e na miséria. 

Não tivemos notícia de nenhuma morte em bairros ditos "nobres", onde residem as pessoas de classe média alta e ricas. Esses foram atingidos ficando ilhados em suas residências ou edifícios, mas foram nos morros do Recife e da Região Metropolitana que os deslizamentos levaram vidas. 

Eu morei no Ibura por muitos anos, Monte Verde é meu vizinho, sei muito bem o que é morar em barreiras. Conheço pessoas que foram soterradas. Então, aqui não estou apenas como socióloga ou sindicalista. Sou uma cidadã que mora na periferia. 

Já são mais de 120 mortos, mais de 6 mil pessoas desabrigadas. Então, a desigualdade social é evidente no lugar onde a gente mora, ela tem classe, ela tem cor. Ninguém mora na beira do rio ou numa barreira porque deseja. Mora por falta de oportunidades, pois não temos uma política de moradia efetiva para a população. 

Nessas comunidades, temos problemas estruturais relacionados ao saneamento básico, a ineficiência na contenção das barreiras, entre outros. Enquanto as pessoas foram do caos à lama, formando uma grande corrente solidária em busca dos seus familiares e vizinhos, o presidente da república esteve no Estado sobrevoando as áreas afetadas para fazer política em cima da dor das pessoas. 

Quando olhamos para o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional para 2022 é de R$ 447,9 milhões para investir na gestão de riscos e respostas a desastres, um montante 35,38% menor do que no ano anterior. Em 2020, o valor  destinado para obras de contenção de encostas em áreas urbanas era de 75 milhões e, em 2021, caiu para 32,2 milhões. 

Pernambuco chove e o povo preto chora. A culpa não é da população. A culpa é de um Brasil que não investe em saneamento, em educação, em saúde, em políticas públicas que garantam direitos básicos e bem estar social.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Elen Carvalho