Pernambuco

CRISE DE LEITOS

Alta de doenças respiratórias em crianças persiste e faltam médicos em PE

Há 55 crianças e 19 bebês na fila de espera por leito de UTI e mais 21 aguardando leito de enfermaria na rede pública

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A ocupação geral de leitos pediátricos e neonatais com quadros respiratórios está em 79%, diz a SES - Agência Brasil

Quase três meses depois da disparada de casos de doenças respiratórias em crianças e bebês em Pernambuco, hospitais, emergências e leitos pediátricos seguem em superlotação com a alta continuada de ocorrências, contrariando a previsão de médicos especialistas. A expectativa era de que a incidência de quadros de síndrome respiratória aguda grave (srag) em pacientes infantis caísse no mês passado, o que não se comprovou, falou a pediatra Vanessa Izidoro, membra-titular da Sociedade Pernambucana de Pediatria (Sopepe).

O Estado se vê diante de uma crise de leitos. No momento, há 55 crianças e 19 bebês com srag na fila de espera por vaga de unidade de terapia intensiva (UTI) na rede pública de saúde, e mais 21 crianças aguardando por leito de enfermaria, segundo os dados mais recentes da Secretaria de Planejamento e Gestão (SPLAG) de Pernambuco, consultados nesta quarta-feira (8). 

A ocupação geral de leitos pediátricos e neonatais com quadros respiratórios está em 79%, sendo 68% nas vagas de enfermaria e 87% nas de UTI, informou a Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco. Nas crianças de até 5 anos de idade, o vírus sincicial respiratório (VSR) - ligado à bronquiolite - corresponde a 40% dos quadros; o rinovírus humano (HRV) a 16%; e a covid-19 a apenas 1%.

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Para se ter ideia, o número de solicitações de leito de UTI para crianças entre 22 e 28 de maio (Semana Epidemiológica 21), de 210 solicitações, foi 255% maior que no mesmo período do ano passado, durante o isolamento social, quando houve 59 solicitações. Ao se comparar com a Semana Epidemiológica 20 de 2022, foram 228 solicitações, ou seja, houve uma queda de 8% de lá para cá.

O aumento nos casos de doenças respiratórias teve início em meados de abril, e, desde então, ainda não se estabilizou. “A gente achou que no mês passado isso iria se controlar, com a orientação de as crianças ficarem 15 dias em casa, mas esse mês ainda estamos vivenciando isso. Está tendo superlotação com menores de 2 anos com bronquiolite e nos maiores ainda há casos de pneumonia complicada”, relatou a pediatra Vanessa Izidoro.

 Apesar de essa ser a época de sazonalidade das doenças respiratórias em crianças, o quadro está acima do esperado em relação aos anos anteriores (antes mesmo da pandemia da covid-19). Entenda, abaixo, o motivo. Ao longo dos últimos meses, a situação tem urgido o Governo de Pernambuco a se mobilizar para dar conta dessa demanda atípica dos serviços de saúde. No entanto, a administração pública tem enfrentado alguns percalços no caminho, com a escassez de profissionais de saúde especializados para esse atendimento.


O Estado não conseguiu operacionalizar 20 dos novos leitos anunciados para duas semanas atrás, sendo dez desses no hospital Memorial Guararapes (10), em Jaboatão dos Guararapes / Reprodução/ Google Street View

A SES abriu 102 vagas de leitos de UTI para crianças com srag desde o ano passado, triplicando a antiga oferta de 56. Hoje, com 158 leitos de terapia intensiva e 129 de enfermaria, Pernambuco conta com 287 leitos no total, sendo a maior rede para casos desse tipo do Nordeste. 

No entanto, a Secretaria de Saúde não conseguiu operacionalizar ainda pelo menos 20 desses novos leitos, que deveriam ter sido implementados há duas semanas nos hospitais Memorial Guararapes (10), em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, e Jesus Pequenino (10), em Bezerros, no Agreste. O motivo, diz a SES, é a dificuldade para fechar as equipes nessas unidades de saúde. Em nota, a pasta destacou que “o quadro de escassez de pediatras, intensivistas pediátricos e neonatais é uma realidade em todo o país, tanto na rede pública, como na privada”.

“Para se ter ideia, em Pernambuco, que é o principal polo formador de profissionais de saúde do Nordeste e um dos principais do país, por ano, são formados, na média dos últimos dois anos, apenas dois intensivistas pediátricos, menos de nove neonatologistas e pouco mais de 30 pediatras”, pontuou.

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No último dia 18, foi publicada no Diário Oficial do Estado a nomeação de 369 profissionais de saúde concursados, sendo 72 médicos, 129 analistas em saúde (profissionais de nível superior), 166 assistentes em saúde (profissionais de nível médio), e dois fiscais de vigilância sanitária. Dos médicos, 14 são pediatras e 46 são fisioterapeutas, que serão chamados para reforçar os plantões em unidades de referência em pediatria. 

Ao longo da pandemia, o Estado também convocou todos os cirurgiões pediátricos, intensivistas pediátricos e neonatologistas, e praticamente todos os pediatras aprovados no concurso da SES, o que representa mais de 300 profissionais.

A SES também autorizou o reforço nas escalas de plantão de pediatria e de fisioterapia nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) estaduais. Em parceria com a Sopepe, irá fazer uma capacitação com os trabalhadores da rede estadual no sentido de "garantir uma maior qualidade no atendimento e mais segurança na assistência", comunicou em nota a pasta.

Saiba como minimizar os riscos de infecções

A médica Vanessa Izidoro explicou que a continuação da alta de casos de doenças respiratórias em crianças pode estar relacionada com a instabilidade térmica que Pernambuco vive, em meio às chuvas e ao tempo frio. Assim, a Sopepe recomenda a pais e cuidadores que mantenham as medidas sanitárias preventivas para evitar o adoecimento das crianças.  

“Evitar aglomeração em shoppings, locais fechados, festinhas, e manter a lavagem das mãos, o uso do álcool em gel, da máscara, e a higiene nasal com soro fisiológico. Em menores de 2 anos, quando for possível, [orienta-se] manter afastado da escola por mais ou menos 15 dias”, lista a especialista. 


Especialista reforça a importância da vacinação infantil neste cenário. / Marcelo Camargo/Agência Brasil

A atualização da carteira de vacinação também é preconizada. Por mais que não haja vacina para uma parte do vírus que têm levado as crianças à internação, como o VSR, outras doenças podem sim ser evitadas com a imunização, como as pneumonias causadas por infecção pela bactéria pneumococo. Além disso, as vacinas são fundamentais para fortalecer o sistema imunológico da criança ao proteger de outros patógenos.

“O Programa Nacional de Imunização [PNI, do Ministério da Saúde] é bem completo e gratuito. A gente lembra que as vacinas salvam vidas e é importante vacinar as crianças”, reforça Vanessa.

Qual seria a causa?

Em entrevista concedida ao Brasil de Fato no mês passado, a vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe) Rita Brito falou o que poderia explicar a alta atípica nos quadros respiratórios em pacientes infantis.

Rinovírus, metapneumovirus, vírus respiratório sincícial, adenovírus, bocavírus são alguns dos agentes infecciosos que mais têm aparecido nas emergências pediátricas, ela relatou. “[Esses vírus] ocorrem de forma sazonal, que aqui no Nordeste é de meados de março até início de junho. Habitualmente temos aumento na frequência de doenças respiratórias na faixa etária pediátrica”, explicou a médica.

Mas a pediatra destacou que a incidência dessas doenças está acima do que ocorre anualmente, até mesmo que no período pré-pandemia, de modo que a sazonalidade não abarca em totalidade o fenômeno. É possível que o aumento de casos esteja relacionado com a saída do lockdown, conforme as crianças retornam para as atividades presenciais e se expõem aos patógenos pela primeira vez.

Isso é sugerido porque faixa etária geralmente acometida é de até três anos; desta vez, há um aumento de casos também em crianças de quatro e cinco anos. “Como as crianças passaram cerca de dois anos sem exposição a esse vírus, então as crianças menores de 5 anos estão sendo expostas pela primeira vez, e as crianças de 3 anos ou menos também estão sendo expostas. Houve uma somação no número de crianças que estão adoecendo por doenças respiratórias. É muito provável que isso seja responsável pelo aumento tão significativo de doenças respiratórias em crianças abaixo de cinco anos”, contextualizou.

Edição: Elen Carvalho