Pernambuco

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Das necessidades e dores de Pernambuco

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Foram 129 mortes nas últimas semanas em decorrência das chuvas; mais de 10 mil pessoas estão desabrigadas. - Inês Campelo - Marco Zero Conteúdo
Não esquecer é a atitude fundamental que temos de cultivar para que isso nunca mais aconteça!

Em 2003, a escritora estadunidense Susan Sontag publicou um importante livro chamado “Diante da dor dos outros”. Ali, ela questionou se as imagens de dor teriam um prazo de validade nas lembranças de quem as observa. No caso do livro, a autora se referia a imagens paralisadas em fotografias e outras artes visuais. Lembrando do que escreveu Sontag, eu quero dizer que as dores que Pernambuco está enfrentando nos últimos dias devem ser inesquecíveis! Não esquecer é a atitude fundamental que temos de cultivar para que isso nunca mais aconteça!

Em muitas pessoas, a dor paralisa! Em mim, acontece o contrário! A dor me faz agir e isso é o que eu tenho feito nos últimos dias. Por isso, passei o último fim de semana de maio correndo para tentar amenizar a dor de quem sofreu perdas irreparáveis. Eu não fiquei sozinha; muita gente se juntou na corrente de empatia e solidariedade que é a primeira necessidade diante da tragédia! Assim, conseguimos convencer uma senhora idosa a sair de uma casa que veio a desabar, convencemos outras pessoas a ajudar do modo que podiam, arrecadamos, fizemos sopa, cuscuz e mobilizamos resgate. Mesmo assim, continuei com a sensação de que ainda somos pequenos e muito falíveis. Continuei tendo de enfrentar a dor de muitas pessoas que perderam tudo, do pouco que tinham, inclusive a vida.

Mas, como eu disse, as dores não me paralisam e – além da solidariedade – precisamos encontrar as formas mais adequadas de compreender porque as tragédias acontecem. No caso das tragédias recentes em decorrência das fortes chuvas em Pernambuco, a razão certamente passa pela administração pública; as duas maiores cidades de nosso estado, Recife e Jaboatão dos Guararapes, estão entre as 20 cidades brasileiras com as piores notas no Ranking do Saneamento 2022, organizado pelo Instituto Trata Brasil, a partir de dados de 2020 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento Regional. Junto com o Rio Grande do Sul, Pernambuco ocupa a terceira pior posição do ranking. Temos denunciado este problema desde o início de nossa mandata na Câmara Municipal do Recife, e foi justamente por isto que aprovamos, em maio do ano passado, um requerimento intitulado “Ouvidoria das Chuvas”. Não podemos culpar a natureza, São Pedro ou qualquer outra divindade; precisamos enfrentar os problemas materiais que fazem com que as chuvas na nossa região se transformem em temor e dor.

O saneamento urbano, as ações de defesa civil, a promoção da moradia adequada, a renda básica para todas as pessoas e, sobretudo, a experimentação de iniciativas inteligentes e ambientalmente justas são medidas urgentes para que possamos evitar tragédias como as dos últimos dias em nosso estado. Vou explicar melhor essas questões a partir do caso de Recife, que é uma cidade plana, com altitude muito próxima ao nível do mar. Estas características dificultam o escoamento das águas, mas não podem ser colocadas como razão para os alagamentos frequentes, porque mesmo cidades que ficam abaixo do nível do mar, como Amsterdam ou Rotterdam, na Holanda, dispõem de tecnologias que garantem o escoamento das águas e evitam inundações. Já entre nós, não apenas falta infraestrutura, como faltam também serviços de manutenção e limpeza de canais, desobstrução de galerias, recuperação de morros, análise de solo de barreiras e medidas simples de contenção de deslizamentos, por exemplo. Tudo isso resulta em um péssimo saneamento urbano e se soma à lógica de defesa civil que opera mais sobre emergências do que em prevenção. 

Os problemas são ainda mais graves porque a desigualdade econômica do sistema capitalista não está sendo nem remediada pelas políticas públicas e, assim, muita gente vive abaixo da linha de pobreza. Para quem está nessa condição, nem sempre falta moradia, mas muitas vezes a moradia é feita de modo inadequado, porque cruelmente falta recurso para construir da maneira correta. Faltam também recursos para garantir as praticidades que a vida moderna oferece, como eletrodomésticos e outros bens duráveis. As tragédias dos últimos dias me marcaram com outra história que tem a ver  com isso e eu provavelmente nunca esquecerei: o caso da jovem que foi soterrada junto com o pai quando voltou para a casa da família em uma área de risco. Eles morreram porque decidiram voltar àquela casa e mover a geladeira para evitar que ela estragasse. Por isso tudo, não podemos esquecer que uma política eficaz de prevenção de desastres em decorrência das chuvas também depende da garantia de uma renda básica para todas as pessoas. 

No entanto, o que a administração municipal do Recife tem feito é reduzir investimentos em áreas estratégicas para a prevenção de riscos, como podemos constatar analisando os dados publicamente disponíveis na página eletrônica do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE). Eu já venho falando da redução de despesas desta Prefeitura há algum tempo, porque me choquei ao perceber que em 2021 – em plena pandemia de covid-19 – o governo da cidade reduziu despesas com assistência social, ciência, cultura, educação, habitação, segurança e trabalho. 


Na página eletrônica do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), é possível observar a redução de investimentos públicos em algumas áreas. / Reprodução

Não pensem que as despesas nestas áreas foram reduzidas para compensar gastos maiores com saúde. As despesas do município com saúde em 2021 também foram reduzidas na comparação com o ano anterior. A redução, neste caso, foi de 15,15%. 

Diante da dor que me move neste momento, preciso relembrar a alarmante redução de despesas do município em áreas que impactam a segurança da população mais vulnerabilizada pelos riscos de desastres. Neste sentido, destaco as funções orçamentárias de "Saneamento básico urbano", "Habitação urbana" e “Defesa civil”. Em todas elas, o atual governo municipal da capital pernambucana reduziu despesas. No caso do saneamento, a redução começou antes: de 2019 para 2020 foram aplicados menos 29,58%, e no ano seguinte a redução foi de 8,13%. Já no caso da habitação e da defesa civil, a redução ocorreu de 2020 para 2021, sendo 39,66% menos despesas com habitação e 12,19% menos despesas com defesa civil. Tudo isso faz com que os governos do PSB sejam reconhecidos como os que menos investem na prevenção de desastres na capital pernambucana.

Por outro lado, o que aumentou nas despesas públicas do Recife, neste período, foram alguns itens que já têm sido criticados por outras pessoas e, principalmente, aumentou o custo da dívida pública do município. O item de despesa que mais cresceu na cidade foi o de “Encargos sociais”; o que significa que nunca na história dessa cidade se pagou tantos juros quanto em 2021. A dívida interna do ano de 2021 teve um custo 336,33% superior ao de 2020. 

Tudo isso me faz afirmar que, enquanto não redefinirmos as prioridades de investimento dos poderes públicos, não estaremos compreendendo as reais necessidades da maioria do povo de Pernambuco e estaremos esquecendo de suas dores. As tragédias pelas quais estamos passando não são naturais, elas representam as escolhas de governantes que têm tomado péssimas decisões para a cidade!
 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Elen Carvalho