Alimentação saudável

Feira Nordestina celebra agricultura familiar e cobra direitos e reconhecimento

Agricultores, movimentos populares, pesquisadores e gestores públicos se reuniram na primeira edição da Fenafes

Natal (RN) |

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A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) visitou os 46 estandes da Feira, além da programação oficial do evento - Vlademir Alexandre/Projeto Governo Cidadão/RN

"A gente tem que ser reconhecida no Brasil e no mundo". A frase é da agricultora quilombola Maria Margarida da Silva, que mora em Currais Novos (RN) e participou da primeira edição da Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Fenafes), em Natal (RN). Após vivenciar exposições de alimentos saudáveis, encontros, fóruns, painéis e lançamentos, ela destacou a importância do evento na valorização do ofício milenar da agricultura familiar.

"Achei [a Fenafes] muito importante porque é uma coisa que a gente cria, produz e apresenta. É um reconhecimento a mais. Tem muita gente no meio do nada, e não somos vistos por nada. De repente a gente chega num num canto que a gente é visto, é reconhecido como natural de uma região. Se a agricultura [familiar] parar, a cidade também vai sofrer. Porque tudo vem do campo, todas as nossas atividades são do campo", ressalta. 

Além da visibilidade, a Feira possibilitou reflexões e acordos para fortalecer a vida das famílias agricultoras através de políticas públicas e troca de conhecimentos. Temas como protagonismo feminino, cobrança de direitos e ações governamentais e compartilhamento de experiências exitosas nas diversidades culturais e naturais nordestinas.

Presente em um mesa de análise de trajetórias e propostas para a comercialização da agricultura familiar, Milton Fornazieri, da direção nacional do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou, por exemplo, a importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, no primeiro ano da gestão presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O PAA tem essa importância porque foi criado com a presença nossa, dos agricultores dando as ideias e o governo acatando. E aí o que foi que eles [o governo da época] se dispuseram? Eles deixaram com a nossa cara, as necessidades que precisávamos naquele momento, além de estar relacionado com uma realidade concreta que era a fome que rondava e estava presente na mesa de milhares de famílias brasileiras", lembrou o dirigente durante a Fenafes.

O PAA incentiva a agricultura familiar através da compra de alimentos produzidos pelas famílias e a distribuição entre as pessoas mais impactadas pela insegurança alimentar. Na época, o governo federal anunciou a luta contra a histórica fome no país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2004 e 2013, a insegurança alimentar despencou de 8,2% da população para 3,6%. Em 2014, no último ano do primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), o Brasil deixou o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

Além disso, as condições de outros programas e ações foram debatidos durante a Feira, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), além de propostas de novos caminhos para o setor, como uma reinvenção de acesso aos mercados, como ressaltou o agrônomo e professor Silvio Porto, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Para ele, é preciso rever a lógica institucionalizada dos programas que pensam as famílias se adaptando aos programas governamentais, e não o contrário.

"É mostrar que essa diversidade [das famílias agricultoras] tem gênero e identidade. Então quando se fala em agregação de valor, muitas vezes a gente vê um processo vinculado muito à questão estética ou à questão de igualar-se àquilo que está lá no supermercado, mas esse valor precisa trazer identidade, sobretudo identidade social", defende. 


A exposição de alimentos contemplou uma diversidade de sabores e nutrientes de produções sustentáveis / Raiane Miranda Assecom-RN

Balanço

De acordo com a organização do evento, a I Fenafes reuniu mais de 1.200 agricultores e agricultoras que comercializaram cerca de 200 toneladas de alimentos, durante os cinco dias da programação, entre 14 e 19 de junho. Os dados compartilhados apontam ainda cerca de 500 expositores e a representação de 150 cooperativas e associações. No balanço final foi registrada a presença de cerca de 12 mil pessoas no Centro de Convenções de Natal (RN). 

“Recebemos e demarcamos uma boa construção com essa primeira Feira Nordestina, que tende a se expandir cada vez mais, a partir da riqueza dos produtos que estavam sendo comercializados e isso é muito importante para trazer os resultados na dimensão social, na dimensão cultural, na dimensão política e na dimensão econômica. Nesse sentido, afinal, o seu papel foi cumprido e tende a continuar, a crescer cada vez mais”, afirmou o coordenador de projetos da Rede Xique de Comercialização para Economia Solidária, Atalo Silva. 

Além de quem compra e quem vende alimentos saudáveis, a Feira juntou representantes de movimentos populares, centros de estudos e pesquisa, gestores públicos e organizações de financiamento internacionais. Os debates, acordos e reflexões partiram de seis eixos: acesso à terra; sistemas agroalimentares e produção de alimentos saudáveis; agroecologia; assistência técnica e extensão rural e acesso ao crédito; mudanças climáticas; acesso aos mercados e cooperativismo solidário, protagonismo feminino. 


Lula visitou a Fenafes na quinta-feira (15) e conversou com expositores / Pedro Stropassolas

“Um momento único em que os estados do Nordeste se unem para programar o setor, promovendo o intercâmbio de políticas públicas para a economia solidária, colocando abaixo a ideia de que a agricultura familiar é apenas a subsistência. A agricultura familiar tem o poder de mudar o cenário econômico de uma região, promove segurança alimentar, além de oferecer alimentos saudáveis”, finalizou o secretário estadual de Desenvolvimento Rural e da Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte, Alexandre Lima.

Chamada como “A Grande Festa da Colheita”, a iniciativa da Feira partiu da Câmara Temática da Agricultura Familiar, ligada ao Consórcio Nordeste. A co-realização é do Governo do Estado Rio Grande do Norte e da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Norte (Unicafes-RN), voltada ao fomento e à valorização da agricultura familiar nordestina.

Edição: Felipe Mendes