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De volta para o passado: EUA banem aborto legal e colocam mulheres em risco

Suprema Corte revoga direito e coloca país na direção de uma crise de saúde pública

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |

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Protesto pelo direito ao aborto na frente da Suprema Corte dos EUA - Kevin Dietsch / Getty Images via AFP

Não é uma questão de crença ou posição política, mas de saúde pública. Embora muita gente tente enquadrar o aborto em linhas morais e/ou religiosas, o procedimento diz respeito exclusivamente à segurança da mulher – e, nos Estados Unidos, elas estão mais vulneráveis agora que a Suprema Corte decidiu que não é direito delas interromper a gravidez.

"Estamos à beira do que pode ser a maior crise de saúde pública que vimos em décadas. A realidade é que o aborto é parte integrante dos cuidados de saúde reprodutiva, e muitas vezes é necessário para preservar a saúde ou a vida de uma pessoa. E esta decisão (da Suprema Corte) coloca a vida e a saúde das pessoas em risco", afirma, ao Brasil de Fato, a advogada Julie Rikelman, que assume a parte jurídica do Centro de Direitos Reprodutivos. 

A revogação do entendimento Roe vs Wade, que garantia às mulheres o acesso ao aborto, já era esperada. Meses atrás, um documento interno da Suprema Corte foi vazado; nele continha um rascunho da reversão da norma.

Mas mesmo antes de o arquivo confidencial ter sido feito público, esse movimento já era previsto por ativistas. Alguns estados, como o Texas, passaram a alterar a legislação estadual, para dificultar cada vez mais a interrupção na gravidez. O governador texano Greg Abbott, por exemplo, instituiu a "lei do batimento cardíaco", que proíbe qualquer procedimento abortivo assim que um sinal de movimento cardiovascular é identificado no feto – o que acontece em poucas semanas de gravidez.

Quando essa notícia foi dada, muitos especialistas se apressaram a dizer que essas medidas provocariam um verdadeiro fluxo migratório, com mulheres viajando à estados como a Califórnia, onde o governador prometeu fazer do aborto um procedimento acessível a todas.

"Defendemos que todas as pessoas tenham a liberdade de viajar para onde quer que seja para conseguir o atendimento médico que precisam, mas acho importante que todos saibam que haverá muitas tentativas de bloquear essas viagens", acrescenta Rikelman. 

Esse "retrocesso" na história estadunidense, como muitos estão chamando, é parte de um movimento político catalisado por Donald Trump. "Há décadas existe uma campanha para mudar a direção da Suprema Corte, levando-a para a extrema direita, mas Trump acelerou o processo", explica Nancy Northup, presidente do Centro de Direitos Reproduzidos.

De fato, o republicano, ex-chefe da Casa Branca, teve a chance de indicar um terço dos juízes da atual composição da mais alta instância do Judiciário no país, composta por 9 membros. Com isso, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett ganharam uma vaga no Supremo – todos, aliás, votaram pela derrubada da lei.

Segundo Northup, a maior preocupação agora é entender como proteger as minorias, sobretudo as mulheres, que são mais frequentemente vítimas das desigualdades sociais. "Sabemos que metade das pessoas que procuram o aborto vive na pobreza. E a decisão de hoje recairá mais sobre elas e outros que já enfrentam barreiras econômicas e sistêmicas à assistência médica, incluindo comunidades de cor, jovens, comunidades LGBTQIA+, imigrantes e pessoas em áreas rurais".

Para piorar o cenário, o juiz Clarence Thomas disse, após a decisão de reverter Roe vs Wade, que a Suprema Corte pode revisitar outros entendimentos. Entre eles estão a regra que garante o acesso ao contraceptivo feminino e até o casamento homoafetivo.

Disposto a ir à luta, o Centro de Direitos Reproduzidos promete levar suas queixas às instâncias jurídicas, mas a organização não divulga a sua estratégia. A qualquer hora, porém, o grupo deve agir. 

Enquanto não colocam em prática as suas palavras, o Centro de Direitos Reprodutivos lamenta o rumo do país e diz ser "vergonhoso" os EUA estarem criminalizando a interrupção voluntária da gravidez. "Mais de 60 países legalizaram as leis de aborto nos últimos 30 anos, desde que o tribunal julgou Planned Parenthood versus Casey", destaca Rikelman.

Para o advogado da Stanford, David Walbert, porém, nem tudo está perdido. À reportagem, ele disse: "Isso o que vivemos agora não vai viver para sempre. O progresso não pode ser parável".

Edição: Thales Schmidt