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Cultura de estupro e o poder do macho branco

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estupro médico
Médico anestesista Giovanni Quintella no momento em que recebeu voz de prisão da delegada Bárbara Lomba, que comanda o caso - Reprodução
Não existe alarmismo suficiente para proteger as mulheres contra a violência sexual

Cenas de estupro chocam. Mas o médico estuprador ganhou quase 10 mil seguidores depois que as cenas foram divulgadas. As enfermeiras só puderam fazer a denúncia depois de filmar o ato, mesmo que já desconfiassem das ações do estuprador, que dopava suas vítimas com quantidade superior ao que seria necessário para o procedimento. As enfermeiras temiam fazer a reclamação e sofrerem retaliação, ainda que estivessem atuando a favor das mulheres.

Vítimas completamente vulneráveis, que estavam em um dos momentos mais delicados de suas vidas e que foram violentadas. Sem sequer verem a violência acontecer, mais e mais possíveis vítimas aparecem ao longo dos dias.

Enquanto isso, a polícia prende o médico em uma abordagem completamente diferente daquela que trata de crimes como furto, tráfico ou, muitas vezes, crime nenhum. Apenas a realidade do uso ostensivo do aparato policial contra corpos negros e pobres. No dia a dia, são vários os casos de pessoas presas que passam por violência policial, mas que precisam comprovar tal violência indo ao IML e fazendo exame de corpo de delito.

Mesmo que sejam os próprios policiais que levem essas pessoas presas ao exame, podendo leva-las, inclusive, em dia e hora diferentes de quando a prisão de fato aconteceu. Embora a audiência de custódia tenha surgido com a intenção de inibir as práticas de violência, mentir sobre a hora e dia da prisão não é um problema para quem tortura e mata.

A sociedade atônita vê o Conselho de Medicina em silêncio. Uma coisa é o Conselho não se pronunciar em relação a todos os crimes cometidos por médicos. Outra coisa é não fazê-lo quando o crime foi cometido dentro de uma sala de cirurgia. Os cursos de medicina precisam de uma urgente mudança na formação de profissionais. Encarar o ser humano na sua integralidade, inclusive social, é uma obrigação que as faculdades e universidades de medicina não cumprem. E não é uma questão de procurar outros culpados que não o médico estuprador. A culpa e responsabilidade dele é evidente é indiscutível.

A questão é que a cultura de estupro, a qual normaliza a violência sexual, deve ser extirpada da sociedade e uma formação profissional comprometida com o fim da cultura de estupro é uma boa forma de começarmos a mudar essa realidade.

Infelizmente o horror não para nesse fato. Com um estupro a cada 10 minutos no Brasil - e isso sem considerar a subnotificação em relação ao crime - a próxima vítima pode ser você, sua mãe, sua irmã ou sua companheira. Não existe alarmismo suficiente para proteger as mulheres contra a violência sexual.

É preciso fazer escândalo, um grande escândalo, e pressionar pela necessidade de que as pessoas sejam formadas no sentido de entender o que significa o estupro em seu aspecto social. Como método de controle de corpos de mulheres, o estupro tem a função de reafirmar o poder do macho, principalmente o homem branco com dinheiro, que praticamente é preso ouvindo um pedindo de desculpas pela polícia - em uma rara ação - agir contra sua criminosa hegemonia.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga