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No Recife, militante está há 50 dias preso, acusado de tráfico; “ele é só usuário”, diz defesa

Jonatas Gomes estuda no IFPE e acabou de ser aprovado em concurso do IBGE; campanha pede contribuições financeiras

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Jonatas Gomes é estudante do IFPE, recém aprovado em concurso do IBGE e atuante em coletivos de arte e cultura - Arquivo Pessoal

Desde o dia 10 de junho o estudante Jonatas Gomes, de 28 anos, está preso. Amigos afirmam que ele foi comprar maconha para uso pessoal, quando a polícia chegou ao local e o levou detido junto a mais duas pessoas sob acusação de tráfico de drogas. Após uma noite na delegacia, o jovem teve decretada prisão preventiva e encaminhado ao Centro de Observação e Triagem Everaldo Luna (Cotel). Estudante do IFPE e recém-aprovado em concurso do IBGE, Jonatas é envolvido com projetos sociais nas áreas de arte, cultura e educação.

Jonatas Gomes faz curso técnico de mecânica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE). Esta é a segunda aprovação do jovem na instituição, tendo ele trancado o curso anterior. Recentemente ele também foi aprovado no concurso público para recenseador do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Amigos também pontuam que Jonatas tem acompanhamento psiquiátrico há anos, precisando se medicar. O jovem sofreria com crises de ansiedade que, segundo os amigos, eram amenizadas com o uso da maconha.

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Conhecido militante da luta por transporte público gratuito e de qualidade, ele é conhecido entre amigos pelo apelido “Passe Livre” ou “100 catraca”. Jonatas também é engajado nas atividades da Biblioteca Brincante do Pina e integra o coletivo Pão e Tinta, que desenvolve trabalhos de arte, cultura e educação na comunidade do Bode, também na zona sul do Recife. O jovem é militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).


De acordo com a defesa, Jonatas se encaixa nos requisitos para responder ao processo em liberdade / Arquivo pessoal

O partido colocou sua equipe jurídica para acompanhar o caso e destacou militantes para realizarem visitas semanais a ele, junto com a mãe do rapaz. E tem levado mantimentos para o jovem viver com um mínimo de condições no presídio. O PCB pede ajuda financeira para garantir as condições de sobrevivência para o camarada encarcerado. A campanha tem solicitado recursos através do Pix [email protected].

A advogada Thaisi Bauer, que faz a defesa do jovem, concedeu entrevista ao Brasil de Fato. Ela detalha que Jonatas foi comprar cerca de 25 gramas de maconha, para não precisar voltar ao local no mesmo mês. “Qualquer pessoa que faz uso regular e não quer se colocar em risco faz isso. Ele estava com R$100, que é o valor para comprar 25 gramas”, diz a advogada.

O jovem foi acusado de tráfico de drogas e associação para o tráfico e corre risco de perder a vaga no concurso do Censo 2022 do IBGE por estar preso preventivamente. Jonatas estaria sofrendo com muitas crises de ansiedade. “Temos feito de tudo para tentar fazê-lo se sentir um pouco melhor”, afirma Bauer.

Responder em liberdade

Thaisi Bauer destaca que Jonatas Gomes tem direito de responder em liberdade às acusações. O jovem é réu primário, tem residência fixa e é estudante. “Além de preencher todos os requisitos [para responder em liberdade], demonstramos que a prisão não é necessária, já que ele não apresenta nenhum perigo à ordem pública ou na ordem do processo”, diz ela. “Isso sem entrar no mérito de que ele é um usuário, não um traficante como alega o processo”, completa.

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A defesa de Jonatas pede a revogação da prisão preventiva. “Anexamos ao processo várias declarações mostrando que Jonatas faz trabalhos que são socialmente relevantes, no Coletivo Pão e Tinta e na Livroteca do Pina. Também ajuntamos os receituários médicos mostrando que ele faz uso de medicamentos e os comprovantes de que ele estuda e que passou no concurso do IBGE”, informa a advogada.

O processo foi para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e na última semana o órgão emitiu parecer sobre o caso, mas ignorou o pedido de revogação da prisão preventiva. O caso agora está nas mãos do juiz, que tem o parecer do MP em mãos e não tem prazo para decidir sobre o que será a vida do rapaz nos próximos meses. “Vamos tentar dialogar com o juiz para mostrar que o MP também não trouxe nenhuma argumentação para mantê-lo na prisão. Esperamos que ele se pronuncie dentro dos próximos dias”, diz Bauer.

Nota

O PCB, assim como os coletivos que Jonatas integram, emitiram notas pedindo a liberdade do amigo, que tem direito de responder ao processo fora da prisão. “No entanto, por ser jovem e periférico, seu direito lhe foi negado, assim como ocorre com tantos outros jovens proletários do nosso país que sofrem com essa política de encarceramento em massa”, diz o documento. A nota destaca ainda o elevado número de pessoas presas em Pernambuco (em torno de 30 mil) quando o estado só tem capacidade para 14 mil. Mais de um terço são presos provisórios, ainda não julgados.

A publicação também lamenta as condições em que vivem os detentos. “Além da superlotação, não há qualquer garantia dos direitos mais básicos para as pessoas em situação de cárcere. Sem ajuda externa o encarcerado passa fome, não tem acesso a medicamentos, não tem onde dormir ou o que vestir”, denuncia.

O presídio

Em 2021 os detidos no Centro de Observação e Triagem Everaldo Luna (Cotel) enviaram cartas a familiares denunciando estarem sofrendo maus tratos, sofrendo castigos gratuitos e outras formas de violência por parte da administração da unidade prisional. Eles solicitaram que uma vistoria fosse realizada para atestar as condições.

O Cotel, que fica em Abreu e Lima, é uma unidade prisional voltada para homens em fase inicial de cumprimento de pena em regime fechado. É um presídio, tipo de unidade que abriga réus com processos ainda abertos, que não transitaram em julgado, podendo o réu ser inocentado ou condenado. Por lei, estes estabelecimentos devem ficar próximos aos centros urbanos. Em Pernambuco há 12 unidades masculinas deste tipo e 3 femininas.

Após esgotarem-se os recursos do processo, o detido torna-se “preso permanente” e é encaminhado para uma penitenciária - Pernambuco tem seis penitenciárias, unidades que devem ficar distante dos centros urbanos. Estruturalmente não há grande diferença entre os dois tipos, mas a situação judicial do detido sim. Há ainda outros tipos de unidades prisionais voltadas para detentos que cumprem a pena em regime semiaberto ou aberto.


O Cotel fica em Abreu e Lima e recebe homens em fase inicial de cumprimento de pena em regime fechado / Reprodução/ Google Street View

Em 2020 Pernambuco era o 6º estado com maior número de pessoas privadas de liberdade, tendo 27,3 mil presos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O programa de segurança pública Pacto Pela Vida, criado há mais de 15 anos, estabeleceu uma política de bonificação para os policiais a cada ocorrência registrada, apreensão de drogas ou armas.

Organizações de defesa dos Direitos Humanos alegam que os baixos salários dos policiais somados à política de bonificações acabam por estimular os agentes a criarem falsos flagrantes e a detenção de usuários de drogas sob acusação de tráfico, aumentando o aprisionamento especialmente de pessoas periféricas e negras.

Edição: Vanessa Gonzaga