Pernambuco

Coluna

Quando fé e religião entram em conflito

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Jair Bolsonaro na edição de 2019 da "Marcha para Jesus" - ALSP
Jesus só pode se sentir ofendido com a tal Marcha para Jesus, convertida em palco de propaganda

Na compreensão judaico-cristã, a fé significa a opção de assumir um modo de viver que traduza o projeto divino para o mundo. Isso implica em conversão progressiva da própria pessoa e empenho na transformação do mundo. Não se deve confundir fé e crenças. Alguém pode ser muito crédulo; pode acreditar em coisas extraordinárias e não ter a fé como opção.

Atualmente, é comum pensar a fé como algo privado que diz respeito apenas à intimidade de cada pessoa. De fato, o ser humano só se torna plenamente pessoa no convívio social. A fé reduzida à privacidade de cada um é proposta falsa do individualismo capitalista. Só se vive a fé em comunidade. Isso é que fez com que, no decorrer da história, surgissem tantas religiões, cada uma com sua riqueza e suas originalidades. A religião sistematiza a experiência comunitária da fé, sem com ela se confundir. Nem esgota em si a riqueza da espiritualidade. Existem espiritualidades não ligadas a uma religião concreta. 

Por seu caráter institucional, a religião se baseia em tradições e tende sempre a ser mais conservadora. Infelizmente, no decorrer da história, muitas vezes, as religiões contribuíram não para a paz e a justiça e sim para a manutenção de preconceitos que dividem a humanidade em pessoas puras e impuras, santas e pecadoras. Em nome de Deus, semearam ódio e violências e, assim, contribuíram para guerras e conflitos. Muitas guerras que, hoje, dominam o mundo desapareceriam, se, realmente, as religiões fossem forças construtoras de Justiça e de Paz.

Na América Latina, o Cristianismo veio com os conquistadores. Em nome de Deus, legitimou a colonização. Até hoje, há padres e pastores, grupos católicos e evangélicos que apoiam políticas que sustentam injustiças estruturais da sociedade de classes. Quando pessoas que se dizem ministros de Igrejas defendem uma política baseada no ódio e na violência, é sinal de que trocaram o evangelho de Jesus por interesses pessoais ou grupais de lucro e prestígio. Jesus só pode se sentir ofendido com a tal Marcha para Jesus, convertida em palco de propaganda de um governo genocida.  

Em cada religião, ou mesmo fora delas, os/as profetas são pessoas que insistem para que as Igrejas voltem à Palavra libertadora de Deus e retomem o projeto divino do Amor e da Solidariedade como Justiça. Nas diversas religiões, sempre há novos profetas. No Hinduísmo, fazem o que, na primeira metade do século XX, o Mahatma Gandhi fez na Índia ao lutar contra o colonialismo a partir da não-violência ativa. Nos Estados Unidos,  o pastor Martin-Luther King liderou a luta pacífica pelos direitos civis do povo negro. Na América Latina, Dom Oscar Romero e milhares de homens e mulheres deram a sua vida para testemunhar que Deus é Amor e, como afirmou  o profeta Jeremias: “o seu nome é Justiça” (Jr 23, 6). O evangelho é força de libertação moral e espiritual, mas também social e política.   

Na atual campanha política do Brasil, quem crê que Deus é Amor e busca viver a espiritualidade, precisa testemunhar que se Deus existe, não pode ser de direita. Não deveríamos permitir que o seu nome seja manipulado por pessoas que gritam “Deus acima de tudo” e propõem discriminações, ódio e violência. O Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 Igrejas cristãs, realizará neste mês de agosto a sua XI Assembleia geral  que ocorrerá na Alemanha e terá como tema: “O amor de Cristo conduz o mundo à reconciliação e à unidade”. É importante que, no Brasil, crentes das mais diferentes confissões cristãs compreendam isso e aceitem ser testemunhas dessa boa notícia. 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga