Pernambuco

ataques à imprensa

“Nosso papel é não se acovardar”, diz presidente do Sindicato de Jornalistas sobre agressões

Aumento nos casos de ataques a jornalistas e à imprensa acende alerta neste início de campanha eleitoral

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O jornalista Jailson da Paz assumiu a presidência da nova diretoria do Sinjope nessa segunda-feira (15) - Divulgação/ Ciro Guimarães

Com o tenso clima político instaurado nos últimos meses, as eleições deste ano indicam ser o momento em que se mostrará a dimensão e o desfecho da escalada da violência e das ameaças à democracia e à liberdade de imprensa. Apenas um dia antes do início do que se promete ser uma das mais acirradas campanhas das últimas décadas, a nova diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco (Sinjope), eleita em julho, tomou posse na última segunda-feira (15) no Recife. No horizonte, o primeiro turno se aproxima e pauta os desafios para os próximos anos do exercício da imprensa livre em um contexto de hostilização e descredibilização do jornalismo.

As crescentes agressões físicas e verbais contra jornalistas seguem a linha do tempo dos últimos quatro anos de mandato e de campanha difamatória por parte do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), mostrou que o presidente da República é quem mais profere agressões, responsável por 147 (34%) do recorde de 430 casos de ataques registrados em 2021. 

Leia também: Ataques à imprensa no Brasil batem novo recorde e Bolsonaro é o principal agressor

Para se ter ideia, o número total de ocorrências de violência saltou 218% em relação a 2018, quando houve 135 registros. Só nesses sete primeiros meses de 2022, um outro levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contabilizou 66 agressões graves contra jornalistas -  de violência física, destruição de equipamentos, ameaças e até assassinatos.

No Recife, o recente caso de agressão à repórter Pupi Rosenthal, da Folha de Pernambuco, ilustrou qual deverá ser o tom da campanha. Durante a cobertura da convenção do partido União Brasil, que oficializou a candidatura a governador de Miguel Coelho no último dia 31, o ex-vereador de Petrolina Cícero Freire hostilizou, dirigiu palavras de baixo calão e empurrou com cotovelos a jornalista.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o novo presidente do Sinjope, Jailson Sousa da Paz - que também é subeditor de Economia no Diario de Pernambuco - , falou sobre as perspectivas da cobertura política dos próximos meses e sobre a defesa da liberdade de imprensa como pilar da democracia. Apesar dos desafios postos que se anunciam, o chamado é por coragem: “É nosso papel não se acovardar”, declarou.


Bolsonaro foi responsável por 147 (34%) do recorde de 430 casos de ataques à imprensa registrados em 2021. / Evaristo Sa / AFP

Leia a entrevista:

Brasil de Fato Pernambuco: O que o caso recente de violência em Pernambuco diz sobre o período que o Brasil atravessa?

Jailson da Paz: Sempre houve reação à cobertura do jornalista. Sempre houve agressões - não tanto físicas mas verbais -, críticas, descredibilização, quando ele tenta mostrar um lado que a fonte é contra ou que não quer que seja revelada. Mas essa violência tem aumentado, principalmente de 2019 para cá, com a chegada ao poder do Governo Bolsonaro, porque desacreditar é uma forma de agredir. Quando uma autoridade máxima do País descredibiliza a imprensa maior, termina levando isso para o jornalista.

Você termina colocando todos os veículos e todos os profissionais num fato só, como se fossemos responsáveis por tudo que está aí, e não é. É equivocado. Mas isso faz parte do jogo ideológico do próprio grupo que está no poder hoje. Descredibiliza, cria fake news, e, quando faz isso, vai se tornando lugar comum todo mundo achar que tem desacreditar do profissional que está ali. E muitas vezes isso descamba para a violência verbal, e depois termina na violência física.

BdF PE: Bolsonaro atacou continuamente, durante seu mandato, o exercício da liberdade de imprensa. Somado às fake news, você avalia que isso teve um impacto na percepção da população geral sobre a atividade jornalística? 

Jailson da Paz: Pode não ter tido impacto na população como um todo, mas, entre os seguidores dele, com certeza tem. Porque ele vai reforçando a imagem de que a imprensa já era vendida, faz ataques a determinados jornais e canais de televisão, e aí quem acredita nele começa a ver isso como verdade, e muitas vezes em cima de fatos distorcidos.

Se fizesse uma crítica a um posicionamento de um jornal A ou B mas em cima de fatos, você estaria até contribuindo para fazer determinados veículos de comunicação fazerem uma cobertura mais ampla. Mas a gente percebe que, muitas vezes, os fatos levados pelo presidente ou por alguns dos seus apoiadores são feitos em cima de fake news.

Leia também: Bolsonaro espalha fake news contra sistema eleitoral para embaixadores; oposição vai à Justiça

Isso não ajuda a formar um eleitorado ou um internauta crítico, que é o mais importante para a gente. O grande papel do jornalismo é isso. Mostrar que existem lados diferentes, pensamentos diferentes, formas diferentes de fazer política, e levarem as pessoas a fazerem suas opções a partir de dados concretos. 

Quando Bolsonaro fala fake news, ele interfere. Gostando ou não, um presidente tem grande influência e grande poder sobre boa parcela da população brasileira.


A nova diretoria executiva e os integrantes do Conselho Fiscal e Comissão de Ética do Sinjope foram empossados nessa segunda-feira (15) / Divulgação/ Ciro Guimarães

BdF PE: O ódio e a violência política não se restringem ao caso do presidente e seus apoiadores, mas atravessam o campo político da direita. O caso da jornalista Pupi, por exemplo, aconteceu em evento do partido União Brasil. Como a direita se beneficia das agressões a jornalistas e, em um sentido mais geral, à oposição?

Jailson da Paz: Eu acho que tem uma coisa que a gente tem que diferenciar dentro do espectro da direita. Eu fui jornalista de Política e conheci políticos que eram do campo da direita ou centro-direita, e eu particularmente nunca vi a gente chegar num estágio desse. Aqui e acolá, em campanha, apareciam uns caras mais próximos do candidato que terminavam empurrando e tudo, mas não dessa forma em que se agrediu Pupi.

Esse diálogo de baixo calão bate muito com a ideia do fascismo. Existem alguns autores que mostram que o fascismo primeiro começa na fala, e a fala vai tornando aquilo tão normal que as pessoas terminam achando que isso é comum. Quando você desacredita, quando usa termos baixos e agressão, você inibe o outro e o afasta. É o primeiro passo do fascismo para se apossar da realidade, do espaço de poder.

Leia também: Assassinato de petista mostra escalada da violência durante eleições e riscos do bolsonarismo

E a direita se aproxima disso. Se a gente se calar diante de uma agressão como essa contra Pupi, fica mais difícil. Você pergunta da direita - eu falo em extrema direita, em direita radical -, como ela ganha? Ela ganha se a gente se calar, se a gente permitir que os exemplos se multipliquem e a gente se acue. 

Nesse momento, os jornalistas têm que falar, o sindicato tem que falar e as empresas também têm que se posicionar. Acho que existe muito erro; durante algum tempo, a imprensa brasileira se calou diante das agressões que Bolsonaro e correligionários fizeram, e aí ele foi aumentando o tom. A direita se apropriou muito disso a partir do momento em que os próprios veículos de comunicação, os donos, foram permitindo. Só reagiram depois de meses.

BdF PE: Se a imprensa defende a democracia, quem defende a imprensa? Como as instituições devem responder aos ataques a jornalistas e como você avalia a resposta que elas têm dado, de 2018 até agora?

Jailson da Paz: Acho que ainda é tímida. Quando acontece um fato como esse, as entidades de classe se posicionam. Aqui e acolá a gente vê uma nota de algumas instituições relativas ao estado democrático de direito, como a OAB [Ordem de Advogados do Brasil]; mas é preciso, ao meu ver, que outras instituições ligadas ao poder se posicionem mais.

Há uma confusão muito grande em defender a empresa e o jornalista. Tem que se ver mais o ataque ao jornalista como um ataque à liberdade de imprensa e de fala, e muito menos a questão ideológica. 

Se as instituições não saem em defesa, como saíram agora com a Carta às Brasileiras e Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, a gente vai começar a achar que é normal calar a imprensa. E não é. Em um país que se diz democrático e que quer preservar a democracia, não é normal calar a imprensa, seja a imprensa corporativa ou independente.

BdF PE: Nessa conjuntura, quais desafios para o exercício da liberdade de expressão a imprensa deverá enfrentar? 

Jailson da Paz: Eu creio que esses últimos eventos - a leitura da Carta às Brasileiras e Brasileiros, com a dimensão que teve de participação da sociedade civil organizada e do empresariado; a posse de [Alexandre] Moraes [como presidente do Tribunal Superior Eleitoral] com a presença de quatro ex- presidentes - reforçaram a defesa do estado democrático de direito, que a Fenaj, sindicato e outras instituições ligadas ao jornalismo têm defendido. Isso diz que estamos aqui.

Vai ter desafio? Vai. Quem acompanhou a eleição de 2018 viu a forma que a gente chegava quando houve a vitória de Bolsonaro. Eu acompanhei a festa em Boa Viagem, e a gente percebia que fomos cobrir com certo receio. Alguns de nós foi até sem crachá, com medo de ser agredido. Existe o receio, mas estamos percebendo que o movimento em defesa da democracia nos fortalece.

Vai ser um desafio para nós jornalistas, para as jornalistas mulheres – mas o que é jornalismo? A gente sempre foi desafiado. E, mais do que nunca, nosso papel vai ser muito importante. Se o jornalista se intimidar, imagina quem está lá atrás. Vamos para a frente, que vem muita coisa por aí e é nosso papel não se acovardar.

Edição: Vanessa Gonzaga