Pernambuco

ENTREVISTA

Marcha das Margaridas pauta "a importância de ser mulher nessa sociedade", diz Gersina Marques

A sindicalista analisa a conjuntura política no Maranhão e comenta expectativas para a marcha que deve acontecer em 2023

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Marcha das Margaridas ocorre desde 2000, sempre em Brasília (DF) - Foto: Pedro França/Agência Senado

39 anos, no dia 12 de agosto de 1983, a paraibana Margarida Maria Alves foi assassinada em frente à sua casa, no município de Alagoa Grande. Ela era trabalhadora rural, sindicalista e defensora dos direitos humanos.

Para marcar a morte e celebrar a memória da sindicalista, criaram a Marcha das Margaridas, uma mobilização que acontece desde 2000 em sua homenagem e pela luta das trabalhadoras rurais. A marcha é a maior do país realizada pelas mulheres camponesas a cada quatro anos. A última foi em 2019 e as mulheres já se organizam para realizar a próxima edição em 2023.

Para entender como andam as atuais pautas dessas trabalhadoras, entrevistamos a maranhense Gersina Vieira, que é secretária de mulheres da FETAEMA, federação filiada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Ela é mãe, educadora popular, sindicalista, militante e está presente nessa construção.

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Brasil de Fato Pernambuco: Estamos vivendo um momento em que o Governo Federal praticamente zerou os orçamentos do PAA e do PNAE, que são programas importantíssimos para a agricultura familiar no Brasil, o que isso tem afetado na vida das mulheres trabalhadoras rurais?

Gersina Vieira: Em nível de estado, temos praticamente hoje somente cinco experiências de grupos de mulheres que conseguiu ser atendido em 2021. Em 2022, como sabemos, segue sem orçamento. Então nós, as mulheres, não temos praticamente acesso e estamos com esse grande desafio e na verdade quando olhamos esse cenário vemos o prejuízo que tivemos, por que nós temos aqui no Maranhão hoje 45 grupos de mulheres organizadas que tem produção, que estão em diferentes áreas de assentamento, áreas de posse, áreas coletivas e tem algumas que até estão nas cidades com as suas mini-indústrias de processamento. Então são produtos que poderíamos estar fazendo essa entrega direta, mas que, no entanto, sem recursos estamos lidando de outras formas.

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BdF PE: Diante dessa conjuntura, quais são as principais bandeiras de luta e reivindicações das trabalhadoras rurais nesse momento?

Gersina Vieira: É preciso formar a pauta coletiva e temos agregado outros grupos de mulheres da cidade, que não estão diretamente na agricultura familiar, mas estão ao lado ou tem algum parente que estão nesses grupos, para que possamos reivindicar juntas essas políticas. Nesse contexto geral, quando trazemos o recorte do PNAE e do PAA para que os orçamentos voltem, é para que os grupos voltem a ter acesso. E são nesses momentos que sabemos que o trabalho coletivo, essa união, se faz necessário para que também digamos não a essa conjuntura que está com essa política de desgoverno que está prejudicando todas as vidas.

BdF PE: Depois do Golpe de 2016, tivemos a Reforma Trabalhista, que ela acarretou uma série de questões para o movimento sindical, inclusive reduziu a capacidade de negociar em prol da classe.  Depois desses anos, como está a vida das mulheres trabalhadoras nesse sentido?

Gersina Vieira: Fizemos esse diálogo porque, mesmo nós mulheres estando na agricultura familiar nas nossas comunidades, temos um grande exôdo rural no Maranhão, a exportação da mão de obra. Temos assentamentos de 100 famílias, que em média 30% desses homens foram em busca de uma melhoria de vida como assalariados no outro estado. Inclusive, essa reforma, quando vamos falar de movimento sindical, afetou porque nós temos nossos sindicatos, nossas federações que têm seus funcionários e temos outra cadeia de trabalhadores assalariados rurais, que também foi prejudicado.

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BdF PE: Desde a última Marcha das Margaridas, teve um avanço do neoliberalismo no país e de uma onda global fascista. Como está a preparação para a próxima Marcha? Essa conjuntura interfere em que nas decisões dessa mobilização tão expressiva?  

Gersina Vieira: Nós estamos super animadas, em junho começamos a ter as nossas primeiras oficinas pensando como é que vamos construir a próxima marcha nesse contexto desafiador, totalmente diferente de todas as marchas que iniciamos em 2000, em uma conjuntura totalmente desfavorável em que essa 7ª edição da marcha vem como o principal desafio afirmar a importância de ser mulher nessa sociedade. Já se passaram mais de 20 anos da marcha, mas nessa conjuntura que estamos de fascismo, de direitos negados, do incentivo ao ódio nessa sociedade, e querendo ou não esse ódio é direcionado para as mulheres, nos perguntamos sobre o que ocasionou todo esse incentivo de ódio a nós mulheres nessa sociedade.

BdF PE: Estamos em ano de eleições e há uma disputa direta entre projetos que priorizam a pauta da classe trabalhadora e da agricultura familiar, assim como os que não priorizam. Como as federações têm se articulado nesse sentido da reivindicação de direitos da classe trabalhadora?

Gersina Vieira: Em 2020, quando assumimos essa gestão, esse mandato coletivo, nos deparamos com um grande desafio no estado que foi o aumento dos conflitos agrários. Nós tivemos vários trabalhadores assassinados. As nossas mulheres que ficaram sendo chefe de família, as nossas áreas toda semana tem uma que está tendo conflito que o agronegócio chegou e invadiu, que o projeto está lá destruindo tudo com as máquinas expulsando as famílias. Nós tivemos as quebradeiras de coco que num caso foi brutalmente assassinada. A federação, diante de todos esses casos, discutiu que para fortalecer a pauta política e a nossa agricultura familiar no Maranhão, decidimos ter uma candidatura orgânica, disputar uma vaga no estado.

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Edição: Vanessa Gonzaga