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entrevista

A política da astúcia de Lula: "Não há ninguém como ele no mundo inteiro", diz historiador

"O mais incrível é que ele continua vivo politicamente", avalia John D. French, historiador que estuda tema há 40 anos

Brasil de Fato | Recife (PE) |
John D. French veio ao Recife para o lançamento do livro "Lula e a Política da Astúcia: de Metalúrgico a Presidente do Brasil" - Brasil de Fato/ Maria de Fátima Pereira

O “Pelé das eleições presidenciais mundiais”: não há nenhuma figura política como Luiz Inácio Lula da Silva no mundo. Mais de 40 anos de estudo sobre o movimento operário no ABC Paulista e a trajetória do ex-presidente ancoram e fundamentam essa avaliação do pesquisador estadunidense John D. French.

Professor de História na Duke University e North Carolina University, nos Estados Unidos, o brasilianista dedicou as últimas quatro décadas a analisar o fenômeno que movimentou os rumos do País ainda nos anos 80 e até hoje segue vivo - não só no sentido literal, mas também politicamente. 

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O interesse surgiu em meio às greves dos metalúrgicos que insurgiram por direitos trabalhistas durante a ditadura militar e estamparam os noticiários da imprensa internacional. Orientado pela historiadora brasileira Emília Viotti da Costa, French escolheu, em 1979, ao iniciar o doutorado, esse como o campo de estudo ao qual dedicaria a vida acadêmica.

Seu trabalho está condensado no livro "Lula e a Política da Astúcia: de metalúrgico a presidente do Brasil", publicado pela editora Expressão Popular e Fundação Perseu Abramo. A obra está à venda no Armazém do Campo Recife (Av. Martins de Barros, 387 - Santo Antônio) e custa R$ 80.

Diferente de outras biografias, essa se ocupa de narrar mais que sua história de vida. Se debruça também sobre o contexto que permitiu a ascensão de Lula como líder sindical, sua entrada na política partidária e seu sucesso inigualável em se manter relevante, na busca de compreender os múltiplos significados desse complexo personagem histórico. 

Em passagem pelo Recife, na última sexta-feira (9), durante a tour de lançamento da obra, John D. French conversou com o Brasil de Fato Pernambuco

Confira a entrevista:

O que seria então essa “astúcia”, tão destacada por French que chega a estampar a capa do livro? Para o autor, trata-se de um atributo presente na base da vida de todas as pessoas das classes populares. “Numa sociedade com uma longa história de dominação dos fracos pelos mais poderosos, a questão é como é que as pessoas embaixo se manobram dentro desse mundo onde não têm muito poder. Em geral, sempre foi necessário ter essa astúcia. Se você entrar em conflito aberto, você vai ser punido e ficar numa situação terrível”, define.


Lula em uma das assembleias dos operários do ABC Paulista em 1979 / Arquivo SMABC

Em meio à tensão das grandes greves, emerge, entre outras lideranças, o torneiro mecânico que viria a se tornar presidente. French descreve que o papel dos “rebeldes” era fundamental, mas lembra que, se é preciso fazer uma negociação, há de ter alguém com a habilidade de fazer isso.   

“Você tem que pensar como é que vai trabalhar dentro dessas realidades do poder. Você está utilizando a astúcia para o quê? Somente para vantagens pessoais, ou está utilizando para um projeto mais coletivo? No caso de Lula, foi a criação de uma liderança utilizando a astúcia e a capacidade de somar na política e de criar espaços de convergência ao redor dele, disposto a não apenas desafiar, mas também somar. A favor de um projeto de melhorar a situação dos metalúrgicos do Brasil, a situação do povo”, afirma. 

Brasil de Fato: Essas qualidades a que o senhor se refere estariam colocando Lula em uma posição favorável nessas eleições? Essa astúcia seria suficiente?

John D. French: Eu acho que é. Lula é um produto de uma classe social. Um produto de uma migração de pessoas das áreas rurais que criaram o processo de industrialização em massa nessa época. Mas, ao mesmo tempo e posteriormente também, vamos dizer que tem um monte de Lulas e interpretações sobre Lula e o que ele significa dentro da sociedade brasileira.

O fato de que ele se manteve numa posição central na política presidencial no país [por muito tempo] é uma coisa quase inconcebível. Eu digo no livro que ele é o Pelé das eleições presidenciais mundiais. Na verdade, muito mais. No mundo inteiro, não tem ninguém. Em oito eleições, o Lula ou candidato apoiado por ele chegou a ganhar ou ficar em segundo lugar. E tem mais uma eleição próximo mês aqui. Pelé somente ganhou três Copas do Mundo [risos].

Ele é uma figura muito difícil de compreender, e também dado que sempre tem gerações novas, mas ele está por dentro de todo mundo. Por exemplo, entre os jovens, se você pega 2013, eles achavam’ ah, esse Lula é velho’; mas depois do começo da perseguição e do impeachment, todos eles chegaram a gostar dele. 


Pesquisa levou mais de 40 anos / Brasil de Fato/ Maria de Fátima Pereira

Lula está por dentro de todo mundo, incluindo dos inimigos, que há décadas e décadas estão sendo frustrados. Por que ele não acaba? Ele deveria acabar. Todo mundo acabou. Fernando Henrique acabou e, no tempo que passou, nunca mais ganhou uma pessoa apoiada por ele; mas Lula ainda se mantém de pé. É um fenômeno.

No balanço, eu acho que tem poucas pessoas que vão duvidar de que ele fez coisas boas para o país e contribuiu com muitas coisas. Mas a coisa mais incrível, que nós estamos falando e escrevendo, é que ele ainda está vivo. Vivo politicamente, porque é fora do comum imaginar ser colocado na cadeia desse jeito e sair como sendo herói das pessoas.

BdF PE: Hoje em dia, o lulismo tem um apelo personalista. Em que medida o senhor acredita que o personalismo atrapalha ou ajuda no diálogo com a população? Esse é um caminho para chegar no povo?

J.D.F: Tem muito uma tradição no Brasil de chamar o pessoalismo, uma política fundada em pessoas, como sendo uma coisa negativa. Pode ser, mas a questão é a seguinte: em todas as eleições presidenciais, a votação para todos os candidatos de esquerda nunca atingiu 30% da votação de Lula. Ele é muito além. 

Ele é um produto, mas ao mesmo tempo o discurso, o que é, o que ele simboliza, a sua capacidade de empatia, são coisas que atingem muitas pessoas que nem sabem o que é a direita e a esquerda.  

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O fato de que Lula tem esse perfil ajudou muito a esquerda. Ao mesmo tempo, deixa de vez em quando frustrada, porque querem que todo mundo tenha a clareza que eles têm. Mas Lula disse que a maioria das pessoas não são politizadas. O desafio é politizá-las. E aí, se você pensa apenas do ponto de vista da cabeça de uma pessoa politizada, você não vai atingir a maioria das pessoas.

Novas identidades surgem com essa coisa de somar, de saber como colocar muitos grupos em uma eleição, com essa capacidade. Assim, o livro na realidade não é apenas sobre Lula, sua família, vida pessoal; é sobre o surgimento desse grande ator coletivo, os famosos peões metalúrgicos do ABC que contribuíram tanto para as mudanças no país, para o fim da ditadura, e também para construção de uma democracia mais plural, mais democrática.

BdF: O senhor fala de Lula como essa pessoa única. Mas enxerga alguém hoje que teria o potencial para ser seu sucessor? Acha que a esquerda já pensa em algum nome?

J.D.F: Ninguém estava esperando as lutas em São Bernardo e ninguém estava esperando uma figura como o Lula. As primeiras lideranças não são escolhidas; elas surgem. Muitas vezes tem uma pessoa que acham que vai ser quem vai crescer, mas acaba desaparecendo. É muito difícil saber. 

Mas a única coisa é o seguinte: o jogo da da política aqui no país, toda essa mudança, todas essas lutas que chegaram a ser tão famosas, aquelas greves de 1979, 1980 - umas das maiores greves em todas as Américas, uma coisa ímpar nunca aconteceu antes nem depois - tudo isso foi obra de jovens com menos de 30 anos de idade. Então está aí para vocês; não para escolher, mas para provar e lutar.

BdF: Haveria um ambiente propício para esse surgimento? O campo progressista está mobilizado a esse ponto?

J.D.F: Mesmo após picos da atividade os movimentos sociais no fim dos anos 70, quando chega nos anos 80, quando houve uma crise da dívida externa, então lutas incríveis surgiram. Por exemplo, greves nacionais onde 38% no setor informal participaram. Isso também quer dizer que dois terços não participaram.

Ativismo sempre são minoritários. A questão é que eles criam fatos políticos. E tem a capacidade, mesmo não sendo todos, de ganhar uma credibilidade para falar em nome dos outros. 

 

Edição: Vanessa Gonzaga