Pernambuco

ENTREVISTA

"A derrota de Bolsonaro não enterra o bolsonarismo", destaca cientista política

A analista Priscilla Lapa comenta prioridades políticas do governo Lula e fala da saída do Bolsonaro do Planalto

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Na região Nordeste, Lula teve uma votação expressiva com 69,34% dos votos válidos - Ricardo Stuckert

Nas eleições de 2022,o Nordeste teve um papel decisivo no pleito, região na qual o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT) teve 69,34% dos votos válidos. A votação expressiva refletiu no pronunciamento do presidente logo após o resultado, no qual Lula agradeceu ao povo nordestino pela vitória.

Para falar sobre o papel da região nas eleições e o que muda para o Nordeste com a mudança na gestão do Governo Federal, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou a cientista política Priscila Lapa. Confira:

Brasil de Fato Pernambuco: Priscila, como você analisa a votação da região na decisão do segundo turno das Eleições 2022?

Priscila Lapa: Olha, é uma coisa importante, porque havia muita expectativa sobre como se daria a geografia do voto. O que a gente tinha observado era a votação consolidada do ex-presidente Lula, agora presidente eleito, no Nordeste; uma redução dos apoios históricos do PT nas regiões Sul e Sudeste; e um avanço na consolidação do bolsonarismo nessas regiões. E, ao mesmo tempo, também olhando para os números do primeiro turno há uma certa concentração de votos para Bolsonaro em pequenas cidades onde, nas eleições de 2018, não tinha sido tão bem votado.

Mas, olhando para os resultados finais, tem um dado que tem chamado atenção das análises, que foi justamente uma pequena redução de votos de Lula no Nordeste e o aumento de votos dele na região Sul e Sudeste. Então, o que a gente pode dizer é que houve uma movimentação fora daquilo que estava imaginado e esperado, como geografia consolidada do voto que vai ensejar muitas discussões e muitas análises.

BdF PE: Já deu para entender que o combate à fome será uma pauta central para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Quais temas você também apontaria como prioridade da agenda política, especialmente no Nordeste?

Priscila Lapa: Essa pauta do combate à fome foi tratada no período eleitoral, na minha percepção, de forma superficial. O problema foi trazido por Lula no primeiro momento, inclusive negado por Bolsonaro dizendo que não era bem assim para fazer a defesa. É difícil para uma pessoa que está disputando a reeleição admitir os problemas que estão acontecendo, mas geralmente ele tem dois caminhos discursivos que são tratar como uma herança do passado, que ele não teve os elementos de gestão suficientes resolver, ou tempo hábil para resolver; ou ele tentar minimizar o problema. Mas o problema está aí: não é o processo eleitoral que vai desmentir o que é realidade. O Brasil voltou ao Mapa da Fome e isso pode também ter sido um dos impulsionadores do voto em Lula.

Então não tem dúvidas que ele falou isso no seu primeiro discurso como eleito, de que vai priorizar esse problema e eu acho que isso é um caminho que ele vai utilizar para gerar um efeito imediato para que as pessoas absorvam imediatamente a imagem do novo governo. Eu tenho dito em algumas análises que Lula não vai insistir na pauta de costumes, esse não é o caminho. Primeiro, porque não é historicamente o caminho em que ele milita, não é dessa forma que ele se forjou como ator político. A experiência dele para conduzir economicamente, conduzir um caminho que no curto prazo possa já impactar nessa questão para redução da fome e da miséria será provavelmente o caminho de construção da agenda do novo governo Lula.

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BdF PE: A xenofobia no debate eleitoral não vem de hoje, mas nessas eleições tão acirradas ela se fez ainda mais presente. Você acredita que isso deve arrefecer com o fim do pleito ou deve ter uma repercussão ainda maior? 

Priscila Lapa: Essa associação entre o Partido dos Trabalhadores e o Nordeste não começou de hoje. Desde que o PT realmente se tornou um partido competitivo nas eleições nacionais que isso tem isso é apontado. Agora, não podemos negar que nos últimos anos o bolsonarismo se encarregou de dar um outro tom a essa discussão que já tinha ares de xenofobia, que já tinha um pouco desse incômodo de não entendimento enquanto nação. Então, o bolsonarismo alimenta isso.

Tiveram gestos caricatos do presidente direcionados ao Nordeste na reta final do segundo turno, até as músicas traziam um Nordeste um pouco caricato, quem é da região sabe como é que se representa, que muitas vezes nós não nos identificamos com esses símbolos que são colocados. E não só por campanhas eleitorais, mas por novelas e filmes que tratam a região de maneira caricata, mas o fato é que, provavelmente, o bolsonarismo não é algo que vai se dissipar apenas pela derrota de Bolsonaro. A derrota de Bolsonaro não enterra o bolsonarismo.

BdF PE: Priscila, quais são as perspectivas para 2023 sobre a relação de Lula com a região e a respeito da articulação regional entre os estados, a exemplo do Consórcio Nordeste?

Priscila Lapa: O Consórcio Nordeste, ainda que seja passível da gente observar a necessidade de uma série de aprimoramentos na forma institucional, no seu formato de atuação; mas - sem dúvida - ele é uma das inovações mais interessantes no Brasil dos últimos tempos. Provando que [entre] as concepções políticas que existem, têm as naturais, que são previstas até pelo próprio desenho constitucional federativo, mas você pode ter um outro conjunto de governanças que podem se formar a partir de pautas comuns e problemas comuns. E se isso for aprimorado, se a gente tiver um mecanismo de aprimoramento da pauta disso como política pública, certamente a gente pode estar diante de uma solução estruturadora para problemas que individualmente não podem ser resolvidos.

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Edição: Vanessa Gonzaga