Violência política de gênero é todo e qualquer ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. As mulheres podem sofrer violência quando concorrem, já eleitas e durante o mandato.
Segundo o Projeto MonitorA - Um retrato de violência política de gênero nas redes, produzido em parceria da Revista AzMina, InternetLab e Núcleo monitora, na primeira semana de campanha das eleições 2022, 97 mulheres na disputa receberam quase 4,5 mil ataques e/ou insultos pelo Twitter. Surgido em 2020, o MonitorA vez fazendo um mapeamento e acompanhamento dos diversos ataques sofridos por mulheres que se dispõem a ocupar a política.
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A gerente de projetos de jornalismo de dados da Revista AzMina e também do Projeto MonitorA, Ana Carolina Araújo, conversou com o Brasil de Fato Pernambuco sobre os tipos de violência política de gênero que as mulheres sofreram nas redes sociais nas últimas eleições, confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Em 2020 a Revista AzMina em parceria com o Instituto Updat e o Internetlab lançaram o projeto MonitorA- um retrato de violência política de gênero nas redes. Fala sobre a proposta do monitora, como ele surgiu?
Ana Carolina Araújo: Bom, o MonitorA surgiu em 2020 quando a gente ia ter eleições municipais. AzMina é uma revista que reúne sempre tecnologia e jornalismo, então a gente sempre está pensando em projetos que possam se utilizar de novos recursos tecnológicos pra trazer uma informação mais aprofundada, mais diferenciada. Eu acho que de 2018 pra cá mesmo empiricamente mesmo que a gente não tivesse dados, foi muito notável a virulência da internet em relação a temas políticos. Então a ideia era usar os dados disponíveis nas redes sociais pra entender qual era essa dinâmica da violência nas redes.
De fato a gente encontrou bastante violência, números as vezes um pouco assustadores até. O MonitorA ele coleta com ferramentas tecnológicas, tuítes, comentários e respostas a comentários no Instagram, comentários em vídeos no YouTube e também postagem e comentários no Facebook e todo esse conteúdo é avaliado individualmente. A gente não trabalha com inteligência artificial, só pra coleta. Depois a gente revisa manualmente cada tuíte desse pra entender se é um falso positivo para o conteúdo ofensivo ou se é de conteúdo eu pensei e é aí que a gente coleta o que é mesmo conteúdo ofensivo. Essa coleta ela é feita porque a gente criou um léxico, com dicionário de termos ofensivos e aí os nossos “robozinhos” vão lá e procuram essas palavras nos tweets direcionados às candidatas que a gente está monitorando.
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Tanto em 2020 quanto agora em 2022 a gente monitorou 200 candidaturas sendo 175 de mulheres e 15 de homens pra um grupo de controle. Nessa edição de 2022 nós analisamos manualmente 86.000 tweets e 15.000 comentários no Instagram. E aí esses tuítes, esses comentários, esses cursos de internet são divididos em categorias de ofensas, que a gente vai ter misoginia, gordofobia, LGBTfobia, racismo, intolerância religiosa...Há também muitas ofensas por ideologia política, que é você agredir uma pessoa de acordo com o posicionamento político dela. E assim a gente conseguiu fazer essa avaliação, estamos repetindo e esperamos realizar novamente daqui a dois anos nas eleições municipais e entender a dinâmica da violência política de gênero nas redes sociais.
BdF PE: Sabemos que a violência política de gênero também é sobretudo sexista. Quais são os principais mecanismos utilizados contra as mulheres no contexto da violência política?
Ana Carolina Araújo: Nessa primeira semana de campanhas de 2022 a gente conseguiu encontrar na página de 97 mulheres que a gente estava monitorando mais de 4500 ataques só na primeira semana. São muitos ataques agressivos e a ideia é desqualificar a mulher para aquele espaço de debate. Então quando a gente vai no grupo de controle encontra os ataques aos homens são muitos ataques “ai você fez isso no seu mandato anterior” ou “você nunca trabalhou com isso então você não tem competência pra ser eleito”, etc e quando a gente vem para os ataques às mulheres, é por quem elas são. A gente encontra uma série de ofensas e especialmente e em quantidade muito maior apenas pelo fato de as mulheres serem mulheres.
É importante a gente entender que em qualquer ambiente um indivíduo que está sendo atacado permanentemente vai ter mais dificuldade de estar ali, então por mais que você tenha mulheres conscientes, ativas na política, que entendam o mecanismo do machismo e da violência política de gênero, é muito forte você estar sendo xingado todos os dias o tempo todo por quem você é. A gente pode mudar de profissão, mas não dá pra gente parar de ser quem a gente é.
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Existem casos em que os haters pegam a coisa da maternidade e aí vão ameaçar os filhos, expor fotografia, onde estuda, dados, etc. Esse ano a gente fez um outro caso. a Erica Malunguinho desistiu da candidatura e a gente tem muita convicção pelo acompanhamento do trabalho dela na política que isso pesa, a quantidade de ataques de ofensas... Por mais que a gente saiba que é excessivo, que toma muito tempo, a equipe dela está acompanhando. Então ela vai receber esse feedback e no caso da Érica que é uma mulher trans entram outras camadas de preconceito e violência e ameaças.
BdF PE: Foi possível identificar se há um perfil das principais vítimas da violência política de gênero?
Ana Carolina Araújo: É uma pergunta ótima porque não tem perfil, basta ser mulher. A gente tende até acreditar que ou as mulheres negras ou as mulheres trans vão ser mais atacadas ou as mulheres gordas. Mulheres fora dos padrões né? O que a gente observou foi isso: mulheres de direita, mulheres de esquerda, mulheres brancas, mulheres negras, mulheres jovens, mulheres velhas, as mulheres são atacadas. Inclusive nessa primeira amostra da primeira semana de campanha as mulheres mais atacadas eram mulheres brancas de direita. Então, o que a gente percebe é, basta você ser mulher e não corresponder ao que aquele indivíduo que está ali por trás de um perfil de internet acha que deveria ser uma mulher, pronto.
E aí tem muitas pessoas achando muitas coisas sobre como deveria ser uma mulher na política, ou que nem deveria estar lá. Uma coisa que nós percebemos é que quanto mais um comportamento anti-conservador isso aumenta os ataques. Só que às vezes esse comportamento não é nem genuinamente anti-conservador, por exemplo, no início da campanha as pessoas mais destacadas que a gente teve foram a Joice Hasselman e a Janaína Paschoal e num nível muito acima até estatisticamente. Mas elas se tornaram progressistas, defensoras de coisas radicais? Não. Elas apenas romperam com o Bolsonaro. E isso atraiu pra elas uma onda de ódio muito violenta. Então assim, não tem uma mulher que esteja na política institucional que seja livre de ataque.
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BdF PE: Ana Carolina, como é possível denunciar a violência política de gênero? Existe algum mecanismo jurídico que ampare as mulheres?
Ana Carolina Araújo: Sim. Nós temos um mecanismo jurídico que é a Lei 14.192/2021, sancionada em agosto de 2021, então essa foi a nossa primeira eleição com um mecanismo certo e definido, mas assim, ainda não é a legislação que precisaríamos. Por exemplo, num governo conservador, nós não conseguimos aprovar uma lei que dissesse “violência política de gênero” apenas “violência política contra a mulher”. A gente tem mais dificuldade, por exemplo, de enquadrar nessa legislação um crime contra uma mulher trans que ainda não tenha seus documentos retificados.
A gente ainda acredita que precisa avançar, mas foi super importante a legislação. Nesse ano, o MonitorA participou de um guarda-chuva de mais de 14 projetos políticos contra a desinformação e o monitoramento de diversas áreas e a gente percebeu que ainda foi muito limitada a atuação as denúncias baseadas nessa lei.
Em alguns casos estão sendo impetradas ações de combate à violência política de gênero com base nessa legislação e com conteúdos que nós preparamos para o MonitorA e que chegaram ao acesso dessas pessoas. A gente tem hoje e quatro ex-candidatas, Benny Briolly (PSOL), Sâmia Bomfim (PSOL), Duda Salaberti (PDT) e Sônia Guajajara (PSOL), usando os resultados com esse nosso monitoramento de violência política de gênero e a nova legislação pra acionar judicialmente pessoas que cometeram violência política contra elas durante a campanha. A gente entende que isso precisa crescer, mas ainda assim a gente acha que é muita coisa.
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BdF PE: O pode ser feito para evitar que as mulheres que almejam ocupar esse espaço na política continuem sofrendo com a violência política de gênero?
Ana Carolina Araújo: É uma pergunta super difícil porque a violência política de gênero é, antes de tudo, violência de gênero. Então ela só muda de lugar, muda de cenário, as vezes de formato. Então é a gente pensar na construção de uma sociedade que combate o machismo, que entende as mulheres como sujeitos de direito.
Mas não vamos só com uma lei resolver esse problema, infelizmente, porque a gente tem uma sociedade extremamente machista construída em cima da estrutura patriarcal. E isso isso não vai mudar de uma hora pra outra. Então a gente vai precisar trabalhar com política educacional, com formação da nossa crianças, com revisão dos nossos formatos de família.
A gente precisa mudar enquanto sociedade. É a mesma coisa que eu penso sobre violência racial. Não é porque a nossa lei é ruim, não é que a nossa lei não atende, não abrange as incidências os acontecimentos que nós temos, é porque nós precisamos mudar enquanto sociedade. E a gente infelizmente só vai resolver isso educando nossas crianças e informando nossos adultos. E não acho de fato que seja uma coisa pra uma geração, e é por isso que o jornalismo profissional é tão importante. A internet é importante, todo mundo ter voz é importante mas pessoas comprometidas com uma informação ética e de qualidade e transformadora pra sociedade a gente precisa cada vez mais.
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Edição: Vanessa Gonzaga