Ceará

FIM DE ANO

Entrevista | “Precisamos falar sobre suicídio para que as pessoas conheçam onde procurar ajuda”

Joyce Elayne falou com o Brasil de Fato sobre os dados alarmantes de suicídio no Ceará e a assistência na rede pública

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Desde a atenção primária, o SUS está de portas abertas para acolher pessoas em sofrimento mental e sofrimento mental com comportamento suicida. - Foto: Prefeitura de Sobral

O clima de Natal e Réveillon, para muitos um dos melhores do ano, pode ser bastante frustrante para aquelas pessoas que se sentem sozinhas, ou que não conseguem lidar com as frustrações vividas ao longo do ano. Segundo informações do Centro de Valorização da Vida (CVV) organização não governamental que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio 24 horas por dia, o número de ligações recebidas costuma aumentar em média 15% no mês de dezembro. Para entender mais sobre o tema, durante a realização da “Campanha setembro amarelo, a vida é a melhor escolha!” o Brasil de Fato conversou com Joyce Elayne Morais, psicóloga social e clínica, residente em Saúde Mental Coletiva pela Escola de Saúde Pública do Ceará, que atua no CAPs Geral de São Gonçalo do Amarante – CE e é militante do Movimento Brasil Popular.

Qual a importância e a necessidade de falar sobre suicídio e sobre as formas de prevenir tal ação?

Eu vou começar usando uma analogia que eu acho superimportante nesse momento: a pandemia. A gente está aí nesse processo de se recuperar desse evento e a gente viu na pandemia que quando se trata de saúde a informação, a educação, o acesso democrático à informação é superimportante. Então quando se trata de saúde mental e quando a gente fala de suicídio não é diferente. O acesso à informação, à informação segura, uma informação com ética, conhecimento científico, a informação sobre como acessar os serviços são preventivos em saúde mental, e como em tudo na saúde, a desinformação corrobora para o adoecimento.

Existe um mito de que se falar sobre suicídio poderia incentivar a prática, mas na realidade o que os estudos mostram, o que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta é de que nós precisamos falar sobre esse tema para que as pessoas conheçam onde procurar ajuda, para que as famílias reconheçam os sinais de risco, consigam também potencializar os fatores de proteção e que a gente consiga desenvolver práticas de prevenção ao suicídio, entendendo que o suicídio é um tema complexo e multifatorial. Então nós, atores sociais, em todos os níveis, em todas as instituições sociais, estamos, de certa forma, implicados nessa temática, cada um de um lugar social diferente, mas estamos. Então todo mundo precisa falar sobre isso, é importante.

Ainda é um tabu falar sobre suicídio atualmente?

Com certeza. Eu acho que por muitos motivos. Primeiro, porque revela rachaduras da nossa estrutura social, fala muito sobre fragilidades ainda nas políticas públicas, mas a gente sabe que, socialmente, esse é um tema ainda que é moralizado, condenado, demonizado. Aí a gente vê, na realidade, tanto do que as pesquisas mostram, mas também nós, profissionais da saúde que estamos no cotidiano dos serviços de saúde mental, a gente sabe que esse tema ainda é um tabu.

A gente ainda vê, infelizmente, a realidade de subnotificação com relação à tentativa de suicídio e à morte de suicídio. A gente ainda vê muito a banalização, a demonização do tema e ainda é sim um tabu. No cotidiano do serviço [saúde pública e CAPs] a gente vê isso todos os dias. 

E quais os suportes ou acompanhamentos que a sociedade, o poder público e os movimentos populares disponibilizam para ajudar na prevenção do suicídio?

A gente pode falar sobre prevenção ao suicídio em diversas esferas da sociedade. Como o suicídio é um evento multifatorial, a gente também trabalha com a perspectiva intersetorial. Tem vários setores da política pública que podem ser ponto de apoio, de acolhida, de estudo, mas vou colocar um pouquinho na questão dos serviços de saúde para a gente poder ter essa informação que eu acho que é bem preciosa.

Quando a gente fala de SUS, a porta de entrada para todas as demandas, e o comportamento suicida não é diferente, são os nossos postos de saúde, nossas Unidades de Atenção Primária. Então, desde a atenção primária, o SUS está de portas abertas para acolher pessoas em sofrimento mental e sofrimento mental com comportamento suicida, a ideação suicida, que é ainda no campo do planejamento, a tentativa de suicídio, e outros eventos que fazem parte dessa esfera do comportamento suicida.

A gente tem também os CAPs, que são os Centros de Atenção Psicossocial, que aí é um outro nível de atenção no SUS, que é um serviço mais especializado. Normalmente essas demandas, especialmente quando há riscos à vida, especialmente o planejamento ao suicídio e a tentativa de suicídio são demandas que não podem esperar, então o CAPs é outro equipamento que a gente pode encontrar essa atenção especializada.

Os hospitais gerais, e aí a gente vai falar um pouquinho agora na perspectiva da emergência, as pessoas que estão com planejamento ou as pessoas que tentam suicídio. Elas podem procurar os serviços de urgência e emergência no SUS. Quê que é isso? É acionar o SAMU diante de uma tentativa de suicídio, ou algum outro serviço de transporte, de emergência, que as vezes os municípios tem algum outro tipo de serviço além do SAMU, você pode procurar uma UPA, você pode procurar o hospital geral. Com a reforma psiquiátrica a gente sai daquela perspectiva dos manicômios e a gente parte para a perspectiva dos leitos psiquiátricos em hospitais gerais, então o hospital geral também acolhe as demandas de saúde mental, e a gente entende que o planejamento de suicídio, mas especialmente a tentativa de suicídio é uma questão de saúde física também, porque se alguém se intoxica, ou se alguém se lesiona de alguma forma com intenção suicida, a saúde física dela está comprometida, e essas coisas são coisas que não podem esperar, por isso que a informação é superimportante.

E aí a gente tem outros níveis também. A gente tem os ambulatórios nas universidades, a gente tem os plantões psicológicos e atendimentos psicológicos em universidades. Em Fortaleza, a gente tem na Estácio, na Unifor, na UFC, UECE, acho que na Fametro também. A gente tem o Pra Vida, que é um programa da UFC que tem acolhimento dia de quinta-feira, das 13h às 17h, mas é necessário fazer o agendamento prévio via telefone, a gente tem o Instituto Bia Dote, que é um outro Instituto que também funciona em Fortaleza que tem acolhimentos terapêuticos online e gratuitos. O Bia Dote, todo sábado está com uma atividade chamada Terapia na Cidade. Então, tem esse plantão psicológico e outros atendimentos de acolhimento terapêutico para pessoas que estão com sofrimento mental associados a comportamentos suicidas. 

É possível falar sobre índice de suicídio no Ceará? Temos esses dados?

As pessoas que discutem nesse campo do comportamento suicida apontam para a questão da subnotificação e eu vou te falar aqui enquanto profissional de saúde mental, de alguém que está na realidade viva dos serviços da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), que a subnotificação é uma realidade, mas recentemente a gente viu aí uma notícia que desde 2021 as mortes por suicídio no Ceará ultrapassaram as mortes por acidente de moto, entendendo que a moto é o veículo mais letal no trânsito no Ceará. As mortes por acidente de moto, comparado aos outros veículos, são mais do que 50%. Então as mortes por suicídio no Ceará, desde 2021, são maiores do que os índices de morte por acidente de moto.

De janeiro a maio de 2022 ocorreram 207 mortes por suicídio no Ceará, 171 mortes de homens e 36 mortes de mulheres. Isso dá uma média, de janeiro a maio, de 41 mortes por mês. Isso significa que a gente tem mais de uma morte por suicídio por dia aqui o nosso estado, e aí a gente pensa que esse número é um número assustador, que é o número alarmante. Quando a gente vai pensar na tentativa, os estudos mostram, inclusive eu vi um material da OMS de 2019, que é um dos materiais mais recentes que se tem dos compilados que a OMS faz sobre suicídio, que continua o mesmo número. E que sempre que a gente tem uma morte por suicídio a gente tem vinte vezes mais tentativas, então se a gente tem cerca de 41 mortes por suicídio por mês no estado do Ceará, a gente multiplica esse número por 20 e a gente tem o número de tentativas.

A gente sabe que as tentativas são fatores de risco para o suicídio, pessoas que já tem tentativas prévias de suicídio são pessoas que têm o maior risco para o suicídio. A gente sabe que as tentativas de suicídio mexem com toda a dinâmica da família, da comunidade, dos serviços de saúde, então a gente já tem um número alarmante, que é esse número de uma média de 41 mortes por mês, do que os dados do IntegraSUS apontam no período de janeiro a maio de 2022 no estado do Ceará, e aí a gente multiplica esse número por 20, é mais ou menos os dados que a gente tem de tentativas de suicídio.

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Edição: Camila Garcia