Pernambuco

SAÚDE COLETIVA

Sanitaristas de PE denunciam perseguição de gestão do PSB à categoria no "apagar das luzes"

Sob justificativa de que sanitarista não é profissão regulada, profissionais são impedidos de acumular vínculos na saúde

Brasil de Fato | Petrolina (PE) |
Com alta carga de doenças, Pernambuco deveria priorizar profissionais sanitaristas, aponta ABRASCO - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

No mês de janeiro, é celebrado o Dia do Sanitarista, profissional que planeja, coordena e avalia ações para a promoção da saúde coletiva. Essencial para o Sistema Único de Saúde (SUS), os sanitaristas foram fundamentais para o manejo da pandemia da covid-19 no Brasil. Contudo, em Pernambuco, a categoria afirma estar sofrendo uma perseguição que ainda é resquício da gestão de Paulo Câmara (PSB). 

Nos últimos dias do governo estadual do PSB, os sanitaristas do estado divulgaram uma nota de repúdio pela “perseguição aos profissionais sanitaristas”. Isso porque, segundo a nota, no “apagar das luzes”, dia 27 de dezembro, ocorreu a demissão de diversos profissionais que possuem como um dos vínculos o de sanitarista. 

A justificativa é que o profissional sanitarista não é reconhecido como profissional da saúde, tampouco é uma profissão regulada e, por isso, não é possível assumir um cargo como sanitarista com outro vínculo na área da saúde. No entanto, os profissionais apontam para o fato de que sempre tiveram a certeza da legalidade do acúmulo de cargos, desde que houvesse compatibilidade de horários e que fossem cargos exclusivos da saúde. 

Segundo Karla Erika, sanitarista pernambucana, o posicionamento traz prejuízos não só aos profissionais como também ao SUS, uma vez que os governos investem anualmente altos recursos na formação de sanitaristas qualificados para atuação no sistema público. "Como vamos sobreviver com apenas um vínculo se um vínculo complementa o outro, dado os baixíssimos salários? É revoltante, injusto", questiona. 

Sobre o sanitarista

Sendo uma profissão antiga, a formação do sanitarista só era possível através de uma pós-graduação. Foi após 2009 que algumas universidades brasileiras passaram a oferecer cursos de graduação. 

"O sanitarista atua no sentido de estudar e intervir na ocorrência de doenças na coletividade, sai da atuação somente do indivíduo, que é uma tarefa mais da clínica enquanto campo", explica a recifense Bernadete Perez, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). 

Um ponto fundamental da profissão é seu caráter interdisciplinar, uma vez que traz elementos do modelo biomédico, mas também dos conhecimentos das ciências humanas e sociais. "Precisamos desse profissional para responder aos antigos e aos novos problemas estruturais [na saúde], para a consolidação do SUS e para o entendimento e intervenção na alta carga de doenças que temos no Brasil", pontua a vice-presidente da associação. 

Demissões em Pernambuco

Karla Erika é uma das muitas profissionais que ocuparam a função de sanitarista através de uma pós-graduação. Um dos motivos que a fez escolher a profissão é a possibilidade de melhorar a vida das pessoas, através da atuação na gestão do SUS. “Eu adorava ir às comunidades, entender suas problemáticas e anseios da população no intuito de contribuir com algo”, relata a profissional. 

Formada em Biomedicina e Farmácia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Karla Erika foi nomeada e assumiu dois cargos em 2006, os quais havia sido aprovada em concurso público, sendo eles Sanitarista na Secretaria de Saúde do Recife e Biomédica na Secretaria Estadual de Pernambuco. Ela foi tomada por surpresa quando viu seu nome no Diário Oficial do Estado de Pernambuco como uma das demitidas no final de 2022. 

"Para assumir o cargo de sanitarista foi obrigatório, conforme consta em edital, apresentar o meu diploma de graduação, bem como a pós-graduação em saúde coletiva”, relembra. Como tudo estava de acordo com o edital, a exoneração veio como um susto. 

A situação não aconteceu somente com ela. "Segundo relatos, são mais de 50 sanitaristas a serem exonerados", partilha a profissional, que estava de licença médica quando foi demitida. 

Sanitaristas impedidos de tomarem posse após aprovação em concurso


Secretaria de Saúde de Pernambuco, órgão gestor do Sistema Único de Saúde no estado / Foto: Divulgação

Além das demissões, a categoria repudia o fato de mais de 200 profissionais terem sido convocados no concurso da saúde de Pernambuco em 2018, mas terem sido impedidos de tomar posse também pela questão do acúmulo de vínculo na saúde. Karla Erika afirma ser algo proposital. "O estado está fazendo busca ativa desses sanitaristas, por isso não tem deixado eles tomarem posse", enfatiza. 

Esse foi o caso de Soraya* (nome fictício por medo de represália), que passou pela decepção de ser nomeada e, logo após, impedida de entrar em exercício, mesmo preenchendo os pré-requisitos de ter formação superior na área de saúde e pós-graduação na área de saúde pública/coletiva.

Ela explica que, na realidade, eram 18 vagas e sua colocação tinha passado bastante disso, por isso nem esperava ser chamada. "Para minha surpresa, fui chamada e empossada. Quando me apresentei na Secretaria de Saúde para início de exercício, soube que sanitarista não era considerado profissional de saúde e não era regulamentado", por isso, não podia ocupar a vaga. 

A frustração foi grande. Para que pudesse assumir, tinha que pedir demissão do seu outro emprego. "Daí entendi porque chamaram tantas pessoas e elas não assumiram, porque possuíam dois vínculos. Hoje já foram chamadas mais de 200 pessoas e pouquíssimas pessoas conseguem entrar em exercício, porque não podem deixar seus outros vínculos, já que o salário de sanitarista é baixo demais", relata. 

Ela critica o fato de o sanitarista não ser considerado profissional da saúde. "Se temos uma formação na área de saúde, somos considerados profissionais de saúde com pós-graduação", defende. 

Processos administrativos 

Além disso, foram abertos processos administrativos contra Analistas em Saúde, Sanitaristas e até aposentados que possuíam o duplo vínculo em qualquer esfera do governo. Foi o caso de Goretti Godoy, que já aposentada pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES) e com um vínculo municipal de sanitarista, recebeu em sua casa um oficial da justiça da SES pedindo que ela optasse por um dos vínculos. 

Com formação básica em Psicologia e pós-graduação em saúde coletiva, ela atua como sanitarista na Prefeitura do Recife há quase 19 anos e tinha um vínculo como psicóloga na Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES), do qual se aposentou em 2018. Depois de aposentada pelo estado, recebeu uma carta da Secretaria de Administração comunicando a ilegalidade do acúmulo de cargos. 

“Aquilo me chocou. Que eu saiba profissional de saúde pode ter mais de um vínculo. Aí fiquei sabendo que sanitarista para eles não é considerado profissão de saúde. Fiquei sabendo apenas ali que eu não era uma profissional de saúde como sanitarista”, relata. 

Com a situação, Goretti optou por judicializar o caso. “Juntei todos os documentos e veio um parecer dizer que meu acúmulo não foi de má fé. Muito interessante, sendo que eu já havia informado em todos os momentos sobre os dois vínculos”, ironiza. 

Atualmente, ela ainda está na Prefeitura do Recife, uma vez que teve o processo favorável pelo critério de caducidade (pois na época já possuía mais de 15 anos como sanitarista). O processo saiu da esfera administrativa e foi para o judiciário. Contudo, ela ainda não sabe como ficará a situação daqui para frente. "Sinceramente, eu não sei ainda se isso vai ser julgado. A justiça é lenta. Minha esperança está no projeto de lei que está tramitando nacionalmente, porque tem muita gente nessa situação caótica", finaliza. 

Regulamentação da profissão


PL da regulamentação é resultado de intensa mobilização entre entidades da saúde coletiva / Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Para garantir a regulamentação da profissão do sanitarista à nível nacional, foi proposto pelo deputado Alexandre Padilha (PT-SP) o Projeto de Lei (PL) 1821/21. Em 14 de dezembro, o PL foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.

Segundo a ABRASCO, o avanço do PL é uma conquista para a categoria. Bernadete Perez afirma que a regulamentação é fundamental para pensar em um conjunto específico de atributos para a formação do sanitarista. "Com a regulamentação, você tem a definição do núcleo e campo dos saberes e práticas desse profissional. O que confere identidade ao sanitarista? Qual seria o campo dele? Desde os atributos teóricos até o campo de atuação prática", explica. 

Bernadete ainda pontua que parte do problema que acontece em Pernambuco em relação aos sanitaristas tem relação com a falta de regulamentação. "O que tem acontecido no estado é absolutamente paradoxal, porque evidencia o desconhecimento e a falta de preparo para lidar com a gestão pública de saúde, visto que Pernambuco tem uma altíssima carga de doenças", critica.

A proposta tramitou em caráter conclusivo na CCJ, e, por isso, poderá seguir diretamente ao Senado, a menos que haja recurso para votação pelo Plenário da Câmara. Sendo aprovada e posta em prática, a profissão será reconhecida como da área da saúde e a categoria terá mais segurança para o exercício do seu ofício. 

Edição: Elen Carvalho