Pernambuco

MORADIA

Política habitacional "anda a passos muito lentos" em Pernambuco, denuncia dirigente do MNLM

Paulo André, do Movimento Nacional de Luta por Moradia comenta desabamento do Ed. Beira Mar e pautas da luta por moradia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Parte do Bloco D-7, do Conjunto Beira-Mar, no Janga, em Paulista, desabou na última sexta-feira(07) - Google Maps

Na última semana, o Brasil voltou novamente os olhos para Pernambuco após mais um desabamento de edifício tipo "caixão". Parte do Conjunto Beira-Mar, habitacional localizado no município de Paulista, desabou e vitimou 14 pessoas. Movimentos populares denunciam que essa era uma tragédia anunciada, já que desde os anos 2000 parte desse habitacional havia sido condenada pela Defesa Civil, mas nem o poder público e nem as empresas responsáveis pela obra deram direcionamentos concretos para a situação das famílias moradoras.

Os frequentes desabamentos de edifícios no estado expõem as contradições do direito à moradia em Pernambuco e foi sobre esse tema que o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Paulo André, da direção do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). Confira:

Brasil de Fato Pernambuco: Há um crescimento no Brasil de domicílios muito maior do que o crescimento populacional, então se há um crescimento maior de casas do que de pessoas, porque há tantas famílias sem moradia?

Paulo André: É verdade, infelizmente nós temos um número de moradias vazias maior do que o número de pessoas que a gente tem efetivamente sem moradia.  No Brasil nós temos hoje algo em torno de 8 milhões de pessoas sem moradia e isso se deve pela ausência de uma política estruturadora de moradia que possa dar conta de atender esse desafio. O que falta dos nossos governantes é fazer com que os instrumentos como o Estatuto daS Cidades e os Planos Diretores de fato possam ser efetivados nas cidades. E aí o direito à função social da propriedade seja de fato efetivada.

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BdF PE: A gente acompanhou uma tragédia no município de Paulista, aqui na região metropolitana do Recife, quando houve um desabamento de um prédio e 14 pessoas morreram e 7 ficaram feridas. Era um prédio que estava interditado desde 2010. Esse caso ilustra bem os desafios da política Habitacional. Como está essa questão aqui no estado de Pernambuco?

Paulo André: Anda a passos muito lentos. Infelizmente, esse fato que ocorreu não é exclusividade de Pernambuco. O estado hoje vive um momento crônico, nós temos quase 400 edificações que se encontram nessa situação e o que ocorre na verdade é a inteira omissão por parte do poder público. Como se permite que um prédio que coloca em risco a vida das pessoas fique em pé durante 30, 40 anos? A gente tem casos aqui, eu tava vendo uma situação em Paulista, de um prédio que não é caixão, mas que tá lá abandonado há mais de 38 anos.

Caberia ao poder público tomar as devidas providências, porque afinal de contas isso ocorre por não ter nesses municípios a implementação de uma política que possa proporcionar moradia digna. Aí caberia ao município desapropriar a área, buscar junto ao governo federal... Claro que a gente compreende que durante esses últimos 6 anos a política de moradia para baixa renda foi praticamente zero. O governo Bolsonaro praticamente enterrou o programa Minha Casa Minha vida, criou o Casa Verde e Amarela que não conseguiu responder às necessidades do nosso país e isso acumulou. 

Mas a gente não pode tirar responsabilidade dos entes federativos, tanto municipal como estadual, que deveriam ter tomado as devidas providências, buscar o poder judiciário, fazer com que as seguradoras fizessem o pagamento da indenização dos seus proprietários e daquelas pessoas que estão hoje em situação de vulnerabilidade, que são na verdade empurradas a morar em uma situação dessa. Precisava ser promovida uma política de moradia para essas famílias.


Desabamento ocorreu por volta das 6h45 desta sexta-feira (7) / Reprodução/Redes Sociais

BdF PE: Já que há um número maior de domicílios vagos do que o déficit habitacional, o que pode ser feito para garantir moradia digna para as pessoas?

Paulo André: O que os movimentos sociais podem fazer hoje é a pressão política. Isso tem ocorrido através de ocupações desses espaços que estão ociosos. A gente só aqui no centro da cidade do Recife, temos algo em torno de 100 edificações entre particulares e outras de caráter público que estão fechadas, sem cumprir sua função social. A posição política é organizar, é fazer ocupação e fazer a pressão junto ao poder público para que seja desapropriado.

A gente tem dentro do programa Minha Casa Minha Vida a requalificação ou chamado retrofit que permite que essas edificações sejam dotadas de infraestrutura, porque estão no centro. Porque é preciso que a gente discuta a moradia no conceito mais amplo que é o de habitabilidade, que não é só a moradia. A moradia precisa estar conectada com o acesso à saúde, com o acesso à educação, com o acesso a transporte e outros serviços, então a gente está dialogando com a Prefeitura da Cidade do Recife para que ela possa efetivamente tomar ações que possam colocar esses prédios à disposição, só que o processo ele é muito doloroso, ele é perverso, porque o tempo do poder público é um e o da necessidade do povo é outra. 

É muito fácil o judiciário chegar e expedir uma ação de despejo, colocar o aparato policial, usar da a violência, porque nenhum despejo deixa de ser violento, e na hora de de discutir o direito daquele cidadão, o direito à moradia, que tá lá constando no artigo 5º da Constituição que moradia é um dever do Estado e quando ele diz do Estado, é Município, o Governo do Estado e Governo Federal, então há diversas organizações sociais e populares em Pernambuco e no Brasil que estão se organizando para fazer a pressão, porque a gente vê que se nós esperaRmos só do poder público… A gente vê essas tragédias acontecendo e o déficit habitacional em Pernambuco ele beira em torno de 350 a 400 mil pessoas só no estado, Recife tem torno de 150 mil, Paulista em torno de 30 mil, Olinda 25 mil e não há uma resposta efetiva.

BdF: A luta por moradia é prioritária para o movimento, mas depois dessa conquista da casa, quais são os direitos que o movimento identifica como fundamentais?

Paulo André: A nossa luta vai além da moradia. Ela tem décadas e vai pela questão da Reforma Urbana, porque a Reforma Urbana além de propiciar uma moradia decente, ela tem um conjunto de elementos que faz com que de fato você resgate a cidadania. O que nós queremos é que a nossa população mais humilde, mais pobre, possa desfrutar do que a cidade pode ofertar e com qualidade, com excelência. A questão do lazer, da cultura, da geração de trabalho e renda, saúde, educação, então é necessário que diversas políticas públicas estejam inseridas nesse contexto da moradia para que de fato a moradia tenha a dignidade tão propalada.

Se isso não ocorre, as pessoas são negligenciadas e a gente vê o que muitas vezes as pessoas morando em lugares que não tem assistência médica, que não tem creche para possibilitar que as nossas companhias mulheres possam garantir a renda, que a gente tem um número muito grande de mães chefes de família que não tem oportunidade e que muitas vezes vão morar nesses lugares e ficam em uma situação muito difícil, porque não tem como dar uma condição digna à sua família. 

É preciso que a gente tenha essas políticas Integradas, nós temos muita esperança atualmente o governo Lula que tem retomado a implementação de políticas e a gente quer que essas políticas possam chegar em quem mais precisa, que é o nosso povo humilde que tá sofrendo.

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Edição: Vanessa Gonzaga