Rio Grande do Sul

REPARAÇÃO HISTÓRICA

Comissão da UFPel recomenda cassação de títulos de Honoris Causa concedidos a Passarinho e Médici

Proposta quer revogar as homenagens concedidas a pessoas que fizeram parte do núcleo central da ditadura militar

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em um documento que foi entregue à reitoria, comissão recomenda a cassação dos títulos de Honoris Causa de Jarbas Gonçalves Passarinho e Emilio Garrastazu Médici. - Foto: arquivo

A Comissão para Implementação de Medidas de Memória, Verdade e Justiça (CMVJ) na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) recomendou a cassação dos títulos de Honoris Causa concedidos pela instituição a Jarbas Gonçalves Passarinho e Emilio Garrastazu Médici, por terem feito parte do núcleo central da ditadura empresarial-militar brasileira. O relatório da comissão afirma que as figuras foram responsáveis, direta ou indiretamente, de graves violações de direitos humanos no decorrer do período entre 1964 e 1985.

O coronel Passarinho participou da articulação do golpe de 64 e foi autor da conhecida declaração de apoio ao AI-5, considerado o mais duro instrumento de repressão da ditadura, do qual foi um dos 17 signatários. Foi governador do estado do Pará, ministro do Trabalho, da Educação, da Previdência Social e da Justiça, além de presidente do Senado Federal.

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Médici foi o 28º Presidente do Brasil, o terceiro do período da ditadura brasileira, entre 1969 e 1974. Ao longo do seu governo, o regime militar atingiu seu pleno auge, com controle das poucas atividades políticas toleradas, proibição da manifestação de opiniões contrárias ao sistema, repressão e reforço à censura às instituições civis. Foi um período marcado pelo uso sistemático de meios violentos como tortura e assassinato. Seu período na presidência ficou conhecido historicamente como “Anos de Chumbo”.

Comissão é fruto de recomendação do MPF

A CMVJ da UFPel foi formada no final de 2022, em resposta a recomendação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF). Em 2018, a procuradoria enviou ofício a todas as universidades e institutos federais recomendando a revogação de quaisquer homenagens, como títulos honoríficos, nomeação de prédios, salas, espaços, ruas ou praças concedidas às pessoas citadas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

No documento, o MPF pedia esclarecimentos sobre quais tinham sido as ações da universidade, até o momento, voltadas à memória do período da ditadura e se havia concedido honrarias ou títulos honoríficos a pessoas vinculadas ao regime para, sendo o caso, justificar o que seria feito a partir disso. 

Em maio, docentes aprovaram a instalação da Comissão da Verdade da Associação de Docentes da UFPel (Adufpel – Seção Sindical do ANDES-SN). A partir da reativação do Grupo de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD), ela foi instituída com o propósito de fazer um levantamento em história oral para registrar e denunciar os impactos dos fatos perpetrados contra docentes durante a ditadura empresarial-militar e trabalhar para a cassação de títulos Honoris Causa concedidos a ditadores.

Durante quatro meses, de maio a setembro deste ano, o grupo ficou responsável por fazer uma análise profunda da conveniência e dos motivos que levaram à concessão dos títulos, após o golpe que deu origem à ditadura no Brasil e em um cenário marcado por medidas semelhantes em outras instituições de ensino superior. 

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Em abril de 2021, o Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) cassou o de Jarbas Passarinho. Em setembro do mesmo ano, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi a segunda a revogar o título dado também ao coronel Passarinho. Em agosto de 2022, foi a vez do Conselho Universitário (Consun) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) a revogar as homenagens aos ditadores Arthur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Médici.

Recomendação foi entregue à reitoria

Em um documento que foi entregue à reitoria, a comissão recomenda a cassação dos títulos de Honoris Causa de Jarbas Gonçalves Passarinho e Emilio Garrastazu Médici. O relatório tramita entre os departamentos antes de ser apreciado pelas instâncias superiores da UFPel: Conselho Diretor da Universidade Federal de Pelotas (Condir) e Conselho Universitário (Consun).

Além disso, segundo o professor do Departamento de Sociologia e Política e presidente da CMVJ na UFPel, Carlos Artur Gallo, foi recomendado que a instituição busque implementar outras medidas voltadas à memória, à verdade e à justiça. Justifica-se pelo fato de não haver informações precisas sobre todas as pessoas, vinculadas à universidade, atingidas pela repressão, nem dados compilados sobre estudantes perseguidos e até mesmo desligados.

Conforme Gallo, a comissão dialoga com os acontecimentos recentes, de tentativa de golpe de Estado e uma conjuntura política tumultuada. Também serve para sinalizar, hoje, o que se espera em termos de universidade pública, democracia e direitos humanos.

“Elas [instâncias] vão avaliar o documento que produzimos e, quando se reunirem, provavelmente mais para o final deste ano, vão se pronunciar a respeito das nossas recomendações, seja votando e aprovando ou seja também rechaçando elas pelos motivos que acharem convenientes, porque isso não compete a nós como Comissão. Claro, nós fizemos as recomendações e gostaríamos que elas fossem atendidas, mas não temos nenhuma prerrogativa e não é uma decisão vinculante a nossa”, explicou Carlos Gallo.

Reparação histórica

De acordo com o professor, a universidade pública tem o dever de resguardar os valores que a própria sociedade quer ver alcançados. “Se nós defendemos discursivamente democracia e direitos humanos, não podemos ser coniventes com a manutenção de uma homenagem que é destinada a pessoas que são responsáveis por violações”, afirma.

Ele reforça a importância do papel desempenhado pela comissão em um momento tão emblemático. “Fico bastante orgulhoso de ter podido fazer parte da equipe que trabalhou a respeito desse tema e de podermos fazer essa recomendação para as instâncias superiores da universidade, sobretudo porque estamos há poucos meses dos 60 anos do golpe de 64. Inclusive é simbólico. A Universidade Federal de Pelotas terá essa oportunidade histórica de poder se manifestar”, pondera.

* Com informações da Assessoria de Comunicação Adufpel SSind. com edição do ANDES-SN


Edição: Marcelo Ferreira