Rio Grande do Sul

Coluna

O caos está ao lado da porta

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"É preciso muita formação na ação, com trabalho de base e mobilização social até se chegar à Sociedade do Bem Viver" - Reprodução Fotos Públicas
É preciso a construção de um Projeto Popular de Nação, o inédito viável acontecendo com Esperançar

TÔ VIVO!

29 e 30 de abril, segunda e terça-feira, ainda no clima dos festejos dos 73 bem vividos, aconteceu, na Universidade Federal da Fronteira Sul, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, a Oficina de Planejamento do Curso de Especialização em Educação Popular, Turma Região Sul, da PNEPS-SUS, Política Nacional de Educação Popular em Saúde, governo-Ministério da Saúde e sociedade civil presentes e participantes.

Na análise de conjuntura, minha primeira colocação foi sobre a conjuntura tri difícil. 1. GUERRA E PAZ: os conflitos no mundo, a possibilidade de uma terceira guerra mundial, talvez nuclear, e a paz cada vez mais distante. 2. A CRISE CLIMÁTICA, com a crise energética e os urgentes cuidados com a Casa Comum e seu futuro. 3. A COMUNICAÇÃO: o controle das mentes e corações e da informação, através da IA, Inteligência Artificial, das redes sociais, com as Fake News. 3. CRISE CIVILIZATÓRIA, e todas as suas consequências.

Assinalei que no Brasil, em meio às muitas urgências urgentíssimas, há dois problemas centrais: 1. A SAÚDE: a dengue, ainda a pandemia do coronavírus, os hospitais superlotados e cheios de filas no Rio Grande do Sul, as vidas perdidas, a precariedade do atendimento. 2. A SEGURANÇA, com a violência cotidiana, especialmente atingindo jovens negros, mulheres, indígenas, mulheres, lideranças populares e mesmo a população em geral, com a intolerância e o ódio reinantes e os assassinatos quase em série.

A direita escravocrata, hoje neofascista e ultraneoliberal, continua tentando impor sua visão de mundo e seus valores, com apoio do poder econômico internacional, de parcelas da grande mídia e de igrejas conservadoras, especialmente as neopentecostais, do Centrão no campo político, de setores das Forças Armadas, colocando em risco a democracia.

Os cenários previsíveis são, todos em aberto e possíveis em maio de 2024: 1. O governo Lula dá certo, com políticas públicas e ampla participação social, com o fim da miséria e da fome, com Economia Solidária, com aprofundamento da democracia. 2. O governo Lula dá mais ou menos certo, com crises políticas, econômicas e sociais no cotidiano, que tornam o futuro incerto e perigoso em todos os sentidos. 3. O governo Lula dá errado: voltam o neofascismo e o ultraneoliberalismo, com força e hegemonia. E tragédia absoluta.

A correlação de forças, no atual contexto, momento histórico e conjuntura, não permite apontar com certeza quais os caminhos prováveis dos próximos anos, bem como quem sairá vitorioso ou derrotado. O bolsonarismo não está morto. O embate político segue aberto, sem vendedores ou perdedores.

Fui a Passo Fundo na madrugada de segunda-feira, 28.04, com clima em aberto na maior parte do caminho, apenas alguma chuva e nevoeiro. As notícias dão conta de que chuvas e tempestades tomarão conta do Rio Grande do Sul. Em Passo Fundo, segunda e terça, tempo nublado, mas também há sol e clima ameno.

Na tarde-noite de segunda para terça, surgem as notícias: previsão de chuva forte em todo Rio Grande do Sul, temporais começando a acontecer em diferentes regiões, instabilidade total. Terça, 29, as notícias: temporais, a BR-386, que liga Passo Fundo a Porto Alegre, totalmente interditada em vários pontos, outras estradas também com deslizamentos de terra e intransitáveis.

Os participantes da Oficina correm para a internet para saber como vão retornar, como chegarão nos lugares de onde saíram. Eu soube que a Fenachim, Festa nacional do Chimarrão, que começaria dia 1º de Maio na minha terra, Venâncio Aires, Capital Nacional do Chimarrão, teve sua abertura cancelada. E dia 1º foi inteiramente cancelada. Acontecerá só em 2025. 

A Oficina da PNEPS-SUS termina antes do horário previsto. Vou para a estrada às 16h, já não no itinerário original, porque está interditado. Faço desvios, até chegar num ponto, entre o município de Soledade e a RS-287, que vai do município de Tabaí a Santa Maria. A via está bloqueada. Moradores indicam um atalho por estrada de terra, cheio de água e buracos. Numa curva, esbarro num caminhão, felizmente só alguns estragos na frente do meu carro: dá para seguir em frente, na fé e na coragem.

Volto para o asfalto. De repente, um estalo: pneu dianteiro furado num buraco na estrada com asfalto. Arrasto o carro até o primeiro posto de gasolina, perto da localidade de Gramado Xavier. O posto está sem energia elétrica, sem internet. Portanto, a oficina de conserto de pneus sem poder funcionar. Voluntários, gratuitamente, trocam o pneu dianteiro e indicam uma pousada próxima, A Gralha. Chego: lotada. O dono me oferece uma cama em casa anexa, ao lado do seu quarto, logo dizendo que só tem banho frio. Vou dormir às 20h, para levantar às 7h do dia seguinte, descansado, mas com chuva forte o tempo todo.

Pergunto qual o trajeto a seguir. A resposta: está tudo debaixo d´água, todas as estradas bloqueadas na direção de Venâncio Aires e Porto Alegre. Não há como chegar lá. Vou para a estrada assim mesmo, debaixo de chuva, sem estepe, rezando para que nada aconteça com um dos quatro pneus. As borracharias que encontro no percurso estão todas fechadas por falta de energia. Finalmente acho uma aberta, de um alemão simpático. Comunicamo-nos em alemão. Ele arruma o pneu, o que dá um grande alívio e coragem de seguir em frente, mesmo quase todos os consultados dizendo que não há como chegar em Venâncio Aires.

No meio de vários desvios, fazendo a volta em pequenos deslizamentos na estrada, chego no primeiro desvio, perto de Santa Cruz do Sul e da minha Venâncio Aires. Dizem: “Não há como passar nem como chegar na tua terrinha.”

Há um ditado usado em Santa Emília e por amigos: ´Teimoso mesmo é quem teima com Heck`. Sigo em frente. Faço volta enorme por dentro da cidade de Vera Cruz, há alguns bloqueios temporários, até chegar de volta, o tempo todo com chuva intensa, à estrada original, a uns 30 km de Venâncio Aires.

Pelo rádio, sei que a cidade está inundada, pessoas andando pelas ruas de barco. Sigo por um caminho conhecido, que imagino estar livre, até chegar, às 12h do 1º de Maio, do abençoado e lutador Dia das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, à comunidade de origem e à casa da família. O mano Marino está preparando o almoço, sem saber que eu ia chegar. Chuva em Santa, sem parar um instante. Choveu mais de 400 mm em dois dias em Santa Emília, certamente com grandes prejuízos para as plantações da família.

TÔ VIVO, são as primeiras palavras que digo, quando chego na cozinha e encontro o mano Marino. E passo, já com internet disponível, a avisar as-os companheiras-os da Oficina de Passo Fundo de que cheguei em porto seguro, 20 horas depois da partida, num trajeto feito normalmente em 3 horas.

A vida não está fácil, assim como não estão fáceis a conjuntura e a (re)implantação da PNEPS-SUS. É preciso muita FORMAÇÃO NA AÇÃO, com trabalho de base e mobilização social, na construção de um Projeto Popular de Nação, o inédito viável acontecendo com ESPERANÇAR, até se chegar à Sociedade do Bem Viver. E total cuidado com a Casa Comum. Só assim, o caos climático do Rio Grande do Sul não se espraiará pelo Brasil e pelo mundo.

Frei Betto escreveu artigo recente com o título ´Políticas sociais mudam a cabeça do povo?´: é fundamental organizar uma Rede nacional de educadoras-es populares de, no mínimo, 50 mil pessoas. A PNEPS-SUS, com os movimentos sociais e populares, as ONGs, as Universidades, com todas e todos as-os de boa vontade aliados aos Ministério da Saúde e ao governo federal, assume e enfrenta os desafios da dramática e perigosa conjuntura. E sonha, cheio de esperança, com o futuro de um Brasil com direitos, especialmente para as trabalhadoras e os trabalhadores e os mais pobres entre os pobres. E com paz e democracia.

NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko