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Castello: “A periferia sabe a importância de ter um vereador que vive desigualdades”

Estreante na Câmara de Olinda, vereador do PT tem desafio de obter conquistas em meio ao governismo absoluto na casa

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Preto, gay e defensor dos Direitos Humanos, o advogado Vinícius Castello se considera principalmente um representante do povo pobre e periférico de Olinda - Comunicação Vinícius Castello

O município de Olinda, na região metropolitana do Recife, é o município mais antigo de Pernambuco e seus 40 bairros abrigam aproximadamente 400 mil habitantes, sendo a terceira maior população do estado. Seu Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 5,4 bilhões, o oitavo do estado. É movida principalmente pelo setor de comércio e serviços, que corresponde a 70% da atividade econômica do município.

Após 16 anos tendo o PCdoB no comando da prefeitura, Olinda elegeu em 2016 Lupércio Nascimento (SD) para o Executivo municipal, político de perfil assistencialista e alinhado com o discurso religioso protestante. Na eleição de 2020 o prefeito foi reeleito já no primeiro turno, com 63% dos votos.

A Câmara de Vereadores é caracterizada pela pulverização, com 13 partidos dividindo as 17 cadeiras da casa. O campo progressista, que na última legislatura tinha apenas uma cadeira, mas ampliou para três na atual legislatura, com PCdoB, PT e PDT tendo uma cadeira cada.  O eleito do PT é o estreante Vinícius Castello, de 26 anos, que tem uma trajetória de militância ligada aos Direitos Humanos. Ele é preto, gay e advogado, mas se considera principalmente um representante do povo pobre e periférico de Olinda.

Brasil de Fato Pernambuco: Queria começar pela sua trajetória. De que bairro você é, quando passou a se identificar como defensor de Direitos Humanos e de onde partiu a ideia e vontade de se lançar numa disputa eleitoral?

Vinícius Castello: Sou da Barreira do Rosário, próximo do Bonsucesso, Amparo, mas no endereço diz que o bairro é o Monte. Mas a gente se chama de “Barreira”. Fui nascido e criado aqui, assim como minha mãe. Minha avó veio para cá e trouxe toda a família. Fizemos a vida aqui na periferia de Olinda. E foi aqui que comecei a aprender sobre a falta de oportunidades. Sempre fui muito inquieto, desde criança questiono muito por que as coisas são como são. Essa inquietude me fez querer aprender, ter curiosidade.

E na adolescência acabei me vendo como defensor de direitos não só meus, mas de outras pessoas. Participei do movimento estudantil, cheguei a presidir o grêmio da escola estadual em que estudava aqui em Olinda, até que fiz um curso de Cidadania e Direitos Humanos pelo GTP+, no Recife, com suporte da CUT inclusive. E comecei a atuar, falando sobre Direitos Humanos, dos estudantes, dos LGBTs, questões raciais, das mulheres, pessoas com deficiência, direito à moradia. Entre os 15 e 16 anos comecei a amadurecer a ideia de que esse era o caminho que eu precisava seguir, que me alimentava.

Fiz uma jornada muito independente. Nunca fui muito atrelado a um único grupo, associação, partido ou algo do tipo. Sempre me atrelei a muitas pessoas, grupos e coletivos que já estavam nesse caminho, mas sempre prezei pela minha autonomia. E assim fui me desenvolvendo e me qualificando, até que me vi com mais de 10 anos de atuação e acabei me tornando conhecido. E como sempre a inquietação: de olhar par ao município e não se ver, de saber que esse é um espaço de transformação, que há pessoas que deveriam estar aqui mas não estão representadas. E comecei a me questionar: por que não vir? Olinda é tão potente, mas olhava para o cenário político local e achava falido.

BdF PE: Que setores da sociedade se somaram à sua campanha?

Vinícius: Sou uma pessoa “doida” nas abordagens das temáticas. A sociedade sempre tenta nos encaixar em determinados segmentos. Mas eu me designo como representante do povo. E as demandas do povo são muito amplas. Obviamente que sou um corpo político, integro grupos com demandas sociais que precisam ser discutidas, mas não quero me resumir a ser um ativista LGBT ou ativista negro. Sou um ativista dos direitos das pessoas, das necessidades humanas.

Não quero que minha subjetividade se perca em lutas que são importantes, mas não me resumo a elas, assim como qualquer outra pessoa que não tem sua sexualidade ou cor contestada. Sou uma pessoa que estou nessa posição, que discute essas questões, mas que discute de maneira ampla com a sociedade. Existem dois públicos que se sentiram mais contemplados na campanha: a juventude e a periferia. Muita gente que votou pela primeira vez, votou em mim. Uma responsabilidade enorme para mim. E muita gente da periferia, que sabe a importância de ter um vereador que vivencia essas desigualdades.

BdF PE: Há poucos dias você soube que vai presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Olinda. Qual a importância que essa comissão e você já tem alguma agenda de trabalho para esse grupo?

Vinícius: A comissão tem ainda os vereadores Dete Silva (PCdoB), ativista do direito à moradia; e Flávio Nascimento (PSD), que luta pela saúde da população. São duas pessoas com quem dialogamos bem e que têm ciência da importância da luta pelos Direitos Humanos. Nesse momento há, nacionalmente, uma articulação para enfraquecer os Direitos Humanos. E é uma vitória ter uma comissão formada por pessoas que reconhecem a importância da pauta.

Estamos com reunião marcada, para planejarmos uma atuação estratégica. Mas já estamos em funcionamento, já visitei a Secretaria de Direitos Humanos e já realizamos dois atendimentos a pessoas e estamos avaliando os caminhos institucionais que podemos construir, até para além do poder legislativo.


Em Olinda, 15 dos 17 vereadores são base governista do prefeito Lupércio; neste cenário, Vinícius preferiu não se colocar como oposição, mas "independente" / Comunicação Vinícius Castello

BdF PE: Além de você há mais dois parlamentares na Câmara que são de partidos do campo progressista: Dete Silva (PCdoB) e Everaldo Silva (PDT). Pelo convívio na Câmara, você acha que podemos considerá-los parlamentares de esquerda? Como você avalia a composição do legislativo de Olinda?

Vinícius: Na Câmara de Olinda hoje, 15 dos 17 vereadores são da base do governo do prefeito Lupércio (SD). Eu me coloco como independente, enquanto Dete Silva (PCdoB) é a única que se coloca como oposição. Temos que construir caminhos de diálogo. No momento de sucateamento de direitos que vivemos, acho que o Poder Legislativo não pode se colocar como antagonista, para que consigamos interferir positivamente nesse processo.

Nesse momento tenho procurado construir diálogo com os demais vereadores, para que consigamos atuar em conjunto em favor do povo. Sozinho ou só com Dete não conseguiremos fazer muita coisa. Precisamos trazer o Poder Legislativo para avançar projetos em favor do povo. E isso só acontece através do diálogo.

Sobre Dete, que tenho mais contato, ela tem uma história dentro da luta pelo direito à moradia. Ela é progressista de fato. Sobre Everaldo não conheço muito sua história, sei que veio da comunidade, atualmente é banqueiro e que tem atuação dentro da comunidade. Mas é muito difícil avaliar os perfis na política de Olinda. Muitos candidatos migram para uma legenda apenas para usá-la eleitoralmente, sem necessariamente estar alinhado à atuação do partido.

Há vereadores da base dialogando sobre questões muito importantes para o município, como Tonny Magalhães (PSD) que tem pautado questões importantes da cultura; Labanca (PSC) tem debatido sobre cidades históricas. A conjuntura é conservadora, mas não invalida algumas temáticas importantes que têm sido abordadas.

BdF PE: Quais dos problemas de Olinda você considera mais urgentes, que deveriam ser priorizados nesse próximo período pelo conjunto de poderes? E você acha que a gestão Lupércio e a composição atual da Câmara tendem a priorizá-los?

Vinícius: Eu elenco quatro problemas mais urgentes. Primeiro obviamente é a covid-19. Precisamos de transparência e um plano de vacinação amplo. Segundo a educação: precisamos dar suporte aos professores, debater a covid-19 nas escolas. Terceiro é a transparência, que é importantíssimo e mostramos respeito à população. Quarto: a cultura, tudo que envolve os trabalhadores da cultura e as dificuldades que eles têm enfrentado. Para além desses, temos tido problema com a água, não só em Olinda.

É difícil dizer agora como essas temáticas serão sentidas pelos vereadores ou pela Prefeitura. É inadmissível que qualquer representante público se colocar contrário ao debate e aprofundamento dessas temáticas. Posso garantir que essas temáticas serão trazidas para que tenhamos respostas. É o mínimo que podemos fazer sobre essas questões, num momento em que o povo precisa de respostas. E o nosso mandato se propõe a fazer a ponte da sociedade civil com os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

BdF PE: Você não tem uma história de militância dentro do PT, se filiou já próximo à eleição, venceu o pleito e agora é uma liderança do partido na região metropolitana. O PT em Olinda tem vida partidária? Você almeja ocupar espaços dentro do partido?

Vinícius: Estou muito feliz com a posição de ser uma liderança petista. Aqui no município eu passei a fazer parte da Executiva do partido após as eleições, tenho voto no Diretório. E sim, tenho a pretensão de atuar internamente, fazer as disputas políticas internas. Fui eleito de maneira atípica até para o PT, já que eu nunca havia disputado e não tive apoio de deputados ou pessoas com influências políticas. Será importante discutir o partido internamente, para colocar as críticas que tenho e conseguirmos fazer mudanças.

BdF PE: Na eleição municipal de 2020 o PSB, apesar de se manter como sigla mais relevante de Pernambuco, eles perderam espaço. E quem avançou foi o MDB de Jarbas e de Fernando Bezerra Coelho; o PP, o Republicanos da Igreja Universal; e o PL de Anderson Ferreira. O que você visualiza para o cenário estadual em 2022 e qual o papel do PT nesse cenário?

Vinícius: É um cenário caótico. Uma situação em que o Centrão, a centro-direita, a extrema-direita estão muito articulados entre si. Isso os fortalece. Mas quais os partidos que têm de fato um projeto de país, um projeto para apresentar à população? Quais os partidos que pensam no coletivo, sobre as necessidades econômicas, sociais e sanitárias? Há grandes lideranças da direita que se articulam para tirar proveito deste cenário e isso nos obriga [a esquerda] a cada vez mais ter unidade na maneira de fazer política, para que não sejamos engolido. O povo precisa de representantes dignos.

Pelo descrédito político do momento, o discurso e a prática da direita e extrema-direita ganha espaço. Para superar isso só com a unidade em torno de um projeto político que beneficie a população. Essas discussões se dão em instâncias superiores do partido e estarei acatando, mas torço pela unidade dos partidos do campo da esquerda para que tenhamos minimamente força para lutar contra o que tem se arquitetado em Pernambuco e nacionalmente.

Já está sendo injetada muita grana para muitas lideranças no nosso estado e isso vai interferir nas eleições. Obviamente o PSB tem a máquina e não sabemos como eles se posicionarão nos próximos meses, mas torço para que cheguemos a consensos, a uma unidade, porque o cenário não vai ser fácil. E as lideranças anti-bolsonaristas serão muito importantes neste momento, principalmente se conseguirmos trazer a periferia conosco. Pelo seu legado, o Partido dos Trabalhadores tem inserção nas periferias pelo trabalho que fez. Esse legado precisa ser resgatado, mas não acontece do dia para a noite. É um trabalho árduo, mas necessário, de diálogo e convencimento da população.

Edição: Vanessa Gonzaga