Pernambuco

SILENCIAMENTO

No Recife, ato político-cultural do 20 de Novembro teve encerramento forçado pela PM

Após a caminhada, artistas se apresentavam em festival; movimentos acusam a Polícia de forçar o fim da festa com ameaças

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Ato foi organizado pela Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), pela Coalizão Negra por Direitos e teve apoio da Campanha Fora Bolsonaro - Vinícius Sobreira/Brasil de Fato

O calor de 34ºC no centro do Recife não afugentou a população, que foi às ruas denunciar o racismo neste 20 de novembro. A "Marcha da Consciência Negra de Pernambuco" reuniu milhares de pessoas, da região metropolitana e alguns grupos vindos do interior do estado. Concentrado desde as 14h no Pátio da Igreja do Carmo, bairro de São José, onde houve discursos políticos, o ato saiu em caminhada às 16h em direção ao Marco Zero. Às 18h teve início o Festival de Cultura Negra, na Praça do Arsenal, bairro do Recife.

As atividades foram organizadas pela Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), pela Coalizão Negra por Direitos e teve apoio da Campanha Fora Bolsonaro.


Concentração do ato iniciou às 14h no Pátio da Igreja do Carmo, bairro de São José / Vinícius Sobreira/Brasil de Fato

A líder estudantil Stephanie Vilela, presidenta da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), destacou a importância da Lei Federal 12.711, a Lei de Cotas. "Como cotista sinto muito orgulho de saber que essa lei, que este ano completa 10 anos, contribui com a universalização da educação superior. Mas Bolsonaro tem atacado nossas universidades e nós temos que nos somar no ato, lembrando a importância também do Enem", diz Vilela.

O presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), o professor Paulo Rocha, destacou a necessidade de sindicatos e movimentos populares caminharem juntos. "A maior parte da população é negra, o que significa que a maior parte dos trabalhadores são negros. Então a luta do povo negro tem que ser uma luta dos sindicatos", pontuou.

O militante Jackson Augusto, do Movimento Negro Evangélico (MNE), afirmou que, apesar do – decadente, mas relevante – apoio da população evangélica ao governo Bolsonaro, essas pessoas foram cooptadas por um projeto que não as beneficia. "Os evangélicos são, em sua maioria, negros e mulheres. A gente precisa dialogar com esse povo e mostrar que o projeto de Bolsonaro, apesar de dizer que é 'Deus acima de todos', ele não dialoga com a vida do povo negro, nem com a vida dessas mulheres", diz ele. "Quem tem compromisso com Jesus tem que estar do lado dos Direitos Humanos", completa.

Um grupo com presença marcante no ato foram os movimentos de luta urbana por moradia. Davi Lira, Movimento de Luta por Terra, Teto e Trabalho (MLTT), lembrou que "a maioria do povo pobre é o povo negro" e, em consequência, os movimentos de luta por moradia são formados majoritariamente por homens e mulheres negras. "Hoje viemos mostrar a resistência do povo negro e a nossa força na luta para garantir nossos direitos à moradia, saúde, educação, trabalho e o nosso direito à liberdade", afirmou. Rebeca, do Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD), destaca que "unir os movimentos, nossas as pautas e agendas é urgente para o Brasil sair dessa".

A vereadora Dani Portela (PSOL) destacou as mortes durante a pandemia, tanto as por covid-19 como as de causas violentas, mencionando que a maior parte das vítimas é negra. "Além disso, estamos vivendo a volta da fome, com 41% dos lares brasileiros em insegurança alimentar. Qual a cor dessas pessoas? São pretas. Os desempregados também. Então a luta antirracista é uma luta pelo 'Fora Bolsonaro'", pontuou.

O deputado estadual João Paulo (PCdoB) destacou a importância de os parlamentares se fazerem presentes nas lutas populares "para derrotar o sistema capitalista". "Não haverá democracia, participação popular ou plenos Direitos Humanos dentro do capitalismo. Por isso a nossa luta é para construir uma sociedade socialista", avaliou. Também estiveram presentes a deputada federal Marília Arraes (PT), as co-deputadas estaduais das Juntas (PSOL), os vereadores Ivan Moraes Filho (PSOL/Recife) e Vinícius Castello (PT/Olinda).

O ato se encerrou por volta das 17h30, no Marco Zero, com uma homenagem ao menino Miguel Otávio Santana da Silva, de apenas 5 anos de idade, morto em junho de 2020 após cair do 9º andar de um condomínio de luxo no centro do Recife. O menino é filho de Mirtes Renata, que levou o cão dos patrões para passear enquanto deixou seu filho sob os cuidados da ex-patroa Sari Côrte Real. Esta, no entanto, colocou a criança sozinha no elevador e apertou, intencionalmente, botões de andares errados. Miguel saiu sozinho do elevador à procura da mãe e acabou caindo. O caso é considerado um símbolo de racismo.

Festival de Cultura Negra e ação da PM

Às 18h, na Praça do Arsenal, teve início o Festival de Cultura Negra, promovido pelos mesmos organizadores da caminhada e com shows de artistas locais. A atividade já se aproximava do final, quando, segundo nota da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), a Polícia Militar interviu junto aos organizadores pedindo o fim das atividades. A Anepe acusa a PM de ter feito ameaças.


Festival de Cultura Negra teve programação interrompida / Vinícius Sobreira/Brasil de Fato

"Estávamos com todas as autorizações dos órgãos competentes para a realização do festival, mas mesmo assim a tivemos que encerrar a programação com ameaças de dispersão ao modo da segurança pública de Pernambuco. Além de ameaças, houve investidas com abordagem violenta e tentativa de criminalizar nosso movimento e em especial a juventude negra", diz a nota que responsabiliza o Governo do Estado e classifica o aparato policial como racista.

Contactada, a Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) ainda não se pronunciou sobre o ocorrido.

Em atualização

 

Edição: Vanessa Gonzaga